Sem espaço para "aventureiros", a implementação do cultivo de algodão exige atenção aos custos de produção e cuidados agronômicos
Os desafios climáticos na última safra de soja levaram alguns sojicultores do Mato Grosso a optar pelo plantio do algodão, resultando em um aumento na área de cultivo e na produção. Segundo análise do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Esalq/USP), a produção total de algodão deve alcançar 3,6 milhões de toneladas na safra 23/24, um aumento de 13,4% em relação ao ciclo anterior.
A cultura, que pode ser cultivada no mesmo período da soja ou logo em seguida como segunda safra, também chamou a atenção pelos preços remuneradores e pela demanda internacional, tornando o Brasil o principal exportador global da pluma. No entanto, antes de adotar o cultivo de algodão, o produtor rural precisa estar atento e preparado para que o investimento resulte em rentabilidade ao final do ciclo.
“A lavoura de algodão é exigente em fertilidade e precisa de um perfil de solo ideal para se desenvolver”, diz Marcio Portocarrero, diretor executivo da Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão). Segundo o diretor, é necessário um controle intenso da acidez do solo, manejos de adubação e fertilização, além do cultivo de outras culturas para sistematizar a área antes da implementação do algodoeiro.
O período de plantio é outro ponto crucial a ser considerado antes de iniciar as operações, já que a planta ficará cerca de quatro a cinco meses a céu aberto. “O planejamento prévio dependerá do período de chuvas e do clima da região em que o produtor está”, comenta Pery Pedro, trader sênior da CDI/StoneX.
Pery cita como exemplo o próprio Mato Grosso, que possui duas situações distintas para o cultivo. Na metade sul, o período de chuvas se estabiliza entre outubro e novembro, janela ideal para que a soja seja colhida em março ou abril, considerando um ciclo de 180 dias. Nessa realidade, o algodão pode ser plantado ao mesmo tempo, mas em uma proporção bem menor. “Na última safra, o clima não colaborou, o que fez com que os agricultores abortassem a soja e dessem preferência ao algodão”, explica o trader.
Já na metade norte do estado, as chuvas começam antes, garantindo uma janela maior, com início do plantio em setembro. Nessas áreas, é possível ter um ciclo mais curto para a soja, de cerca de 90 dias. Assim, essa safra será colhida em janeiro, permitindo o plantio do algodão como segunda safra, que será colhida em julho.
De qualquer forma, é essencial que o produtor esteja preparado para os tratos culturais após o cultivo, principalmente no que diz respeito ao uso de insumos ao longo do desenvolvimento da planta. “Todo o pacote de produtos deve ser comprado com antecedência, pois há o risco de não encontrar esses materiais durante a safra ou pagar um preço muito alto por eles”, orienta Portocarrero.
O cenário agronômico complexo por si só afasta possíveis “aventureiros” da cultura, fazendo com que apenas produtores altamente tecnificados, com mão de obra especializada e administração profissionalizada consigam se manter no mercado. “Quem está começando no setor ou abrindo uma nova área precisa conhecer os riscos. Nossa recomendação é iniciar devagar, em áreas menores, com equipe preparada e beneficiadora já contratada para beneficiar o algodão com qualidade, no tempo certo”, complementa o diretor da Abrapa.
“No Brasil, temos mais de 5.000 produtores de soja e cerca de 400 produtores de algodão. Isso ocorre não apenas pelo risco, mas também pelas características do manejo da cultura. São muitas aplicações de pulverização e a colheitadeira é específica para colher a pluma, bem diferente de uma colheitadeira de grãos, que pode trocar a plataforma para outros cultivos. Além disso, uma algodoeira é uma operação industrial que trabalha 24 horas e precisa de planejamento, pois são meses entre a colheita e a venda de fato. Diferente de uma safra de grãos, que pode ser vendida logo após a colheita”, acrescenta Pery Pedro.
Exemplo de qualidade e sustentabilidade
Mesmo com os grandes desafios do cultivo de algodão, é uma commodity que proporciona ganhos com alto valor agregado. Um dos subprodutos é o caroço, que por si só possui um preço mais atrativo que os valores atuais do milho. “É um mercado limitado, com um delicado equilíbrio entre oferta e procura. A produção global está na faixa de 26 milhões de toneladas, com EUA e Brasil como os principais exportadores de um setor que possui limitações de demanda”, argumenta Portocarrero.
Para superar a competição acirrada, o Brasil tem investido em tecnologia e sustentabilidade. Uma das ações implementadas é o “Movimento Sou de Algodão”, iniciativa que envolve toda a cadeia da fibra com o objetivo de promover um algodão de alta qualidade, sustentável e rastreável.
“Muitos parâmetros definem essa qualidade, então uma alta produtividade nem sempre significa alta rentabilidade. É preciso conhecer a cultura a fundo para obter o melhor resultado possível e compensar os gastos durante a safra”, orienta Portocarrero. “Além disso, muitas marcas estão se comprometendo com a sustentabilidade e, por isso, buscam por matérias-primas que garantam esse compromisso. Isso abriu uma oportunidade para o Brasil, que hoje fornece 44% do algodão sustentável e certificado do mundo, com fardos individualmente identificados. Mesmo sendo apenas um nicho dentro da cadeia, isso agrega maior valor ao produto final e agiliza as vendas. Dessa forma, mesmo com os desafios, temos um potencial interessante e que nenhum outro país faz igual”, finaliza.
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