Apesar de safra recorde, pode 'faltar' soja no Brasil antes mesmo do que se esperava; prêmios positivos no 2º semestre
A colheita da soja brasileira 2024/25 já passa de 95% da área, de acordo com os últimos números da Pátria Agronegócios, e agora é que o mercado observa com clareza o tamanho da atual oferta nacional. Trata-se de, inegavelmente, uma safra recorde, porém, que vai se concluindo com números abaixo daqueles inicialmente estimados. Assim como em toda temporada, problemas de clima foram registrados em regiões importantes de produção e, infelizmente, o Rio Grande do Sul, mais uma vez, foi um 'destaque negativo'.
"Os resultados produtivos no Rio Grande do Sul seguem apontando forte redução de produtividade", afirma a equipe da Pátria.
Em recente entrevista ao Bom Dia Agronegócio, o presidente da Aprosoja Brasil, Maurício Buffon, afirmou que a safra 2024/25 gerou muitas dúvidas em termos do seu real tamanho, em especial entre os meses de janeiro, o que dificultou uma estimativa mais assertiva feita mais cedo. "É uma safra boa, mas tivemos grandes problemas no Brasil. É uma safra que vem menor do que se planejava, também dando sustentação aos preços, porque começou a se ver que não era uma safra acima de 170 milhões de toneladas como a maioria das consultorias estimava", diz.
Para Buffon, a safra brasileira vai se concretizando abaixo de 165 milhões de toneladas devido aos problemas que apresentou - tendo citado outros estados além do Rio Grande do Sul, como Piauí, Mato Grosso do Sul, entre outros -, ao mesmo tempo em que o mercado mundial esperava o Brasil com uma oferta de até próximo de oito milhões de toneladas maior.
A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) estima a safra 2024/25 de soja em 167,9 milhões de toneladas.
Enquanto a oferta brasileira de soja, apesar de recorde, encolheu em função das adversidades climáticas, a demanda pela soja brasileira aumentou e vem concentrando a força do maior comprador global desde que a guerra comercial explodiu entre China e Estados Unidos. O sentimento do mercado agora é de que o volume disponível de soja para comercialização fique menor mais cedo do que o esperado no mercado nacional.
Os line-ups brasileiros de soja são mais de 20% maiores do que os do ano passado, segundo relata o diretor da Pátria Agronegócios, Matheus Pereira, com o recorde na soja compromissada pelo Brasil com a exportação. "Antes de todo este embate começar (entre China e EUA), esses atritos mostrariam que mesmo com uma safra recorde no Brasil também teríamos uma demanda recorde, colocando mais uma vez a expectativa de estoques final de soja a níveis muito baixos", explica.
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A Pátria estima que os estoques finais da soja do Brasil da safra 2024/25 deverão ficar em 3,060 milhões de toneladas, não muito maiores do que os da temporada anterior, de 1,640 milhões. Na temporada 2023/24, todavia, o Brasil colheu uma safra bem menor, de 147,74 milhões. Para esta colheita, o número da consultoria é de 166,92 milhões de toneladas.
O sócio-diretor da Pine Agronegócios, Alê Delara, compartilha desta análise.
"Temos uma safra recorde e corremos o risco de ter um balanço apertado. A China, por exemplo, já comprou um volume muito maior do que o ano passado, o ano retrasado e vai precisar comprar mais para garantir sua cobertura. E se a questão China-EUA se mantiver como está, não há a menor possibilidade de uma empresa privada ir comprar nos EUA, continuará comprando no Brasil e na Argentina. Se, eventualmente, nós exportarmos 106, 107 milhões de toneladas, que parece um cenário bem possível - porque as exportações de milho deverão ser um pouco abaixo do ano passado, o que nos dá uma janela de logística para embarcar este volume - e com o mercado doméstico demandando entre 55 e 56 milhões de toneladas, tendo uma safra de 170 milhões de toneladas, terminaríamos com um estoque final de 4, 4,5 milhões de toneladas, que já seria apertado", detalha.
E com um cenário de estoques finais ajustados no final da temporada, a tendência é de que os prêmios no mercado brasileiro comportem-se, ao menos, com estabilidade, ou com possibilidade de novas altas para o segundo semestre, "o que seria natural devido à entressafra", complementa Delara.
Os prêmios para o segundo semestre estão todos positivos, como explicou o sócio-diretor da Cogo Inteligência em Agronegócio, Carlos Cogo.
"Inclusive, estão positivos também para os primeiros meses de 2026, o que justifica até mesmo o produtor antecipar uma compra de insumos - fertilizantes, defensivos - fazer uma operação barter, que a precificação do barter lá pra frente, contra o preço para entrega entre abril e maio do ano que vem, ela vai acontecer - feita neste momento - com um prêmio também positivo, mais baixo, mas positivo ainda", orienta o consultor de mercado.
Ele faz um alerta importante, todavia, para um movimento que vem se dando desde que foram se intensificando as notícias de uma possibilidade de conversas entre Donald Trump e Xi Jinping.
"Apesar de estar sendo desmentido pela China, isso com certeza está avançando e um acordo vai sair, com certeza. E acordo comercial EUA-China, e, obrigatoriamente, do lado dos EUA, acordo comercial envolve produtos agrícolas. Isso gerou um certo otimismo cauteloso entre os traders na Bolsa de Chicago, mas que acabou esfriando a alta de prêmios no Brasil. Alguns prêmios até recuaram um pouco, pararam de subir e podem até voltar a cair caso se confirme o acordo. Então, a expectativa agora é sobre o acordo entre China e EUA, mas neste momento a oportunidade ainda existe", conclui Cogo.
DEMANDA INTERNA x EXPORTAÇÕES
Tanto o diretor da Pine, quanto da Pátria acreditam, portanto, em um cenário de disputa mais acirrada entre exportações e demanda interna nos próximos meses por esta soja, o que vai justificando uma oferta mais enxuta mais cedo no mercado brasileiro.
"Já temos visto desde janeiro essa disputa, a indústria com margens muito boas, pagando mais do que a exportação, por isso tivemos, nos últimos meses, os preços praticados nas regionais acima da paridade de exportação", relata Alê Delara.
E Matheus Pereira complementa dizendo que o alerta para a indústria processadora brasileira é grande, diante justamente deste estreitamento podendo acontecer mais cedo.
"A estratégia generalizada da indústria de entrar com agressividade no mercado no segundo semestre é um tiro no pé. Agora, pós colheita, em momentos sazonais onde a soja está com maior volume disponível, com a necessidade de venda da base produtiva por conta, em especial, da necessidade financeira, boa parte da indústria fica de braços cruzados. Eu levanto esta questão porque esta mesma indústria, que negligenciou as quebras da safra (2023/24) em especial dentro do Mato Grosso, pagou R$ 40,00 acima na saca da soja em três meses porque não tinha produto", explica.
Neste ano, o cenário não é diferente e não deve ser, caso a estratégia ainda for a mesma. "Temos uma safra recorde indiscutivelmente, é a maior safra de soja da história do Brasil, só que em mesma proporção, temos uma projeção de demanda recorde internamente, mais uma exportação que pode somar 11 ou 12 milhões de toneladas a mais de soja neste ciclo safra atual. E estamos em ritmo estatístico para bater este número. Assim, ainda temos um balanço muito ajustado", afirma o analista da Pátria.
A consultoria estima que o consumo interno de soja do Brasil cresça, da safra anterior para esta, de 55,1 para 57,5 milhões de toneladas e as exportações nacionais da oleaginosa alcancem expressivos 109 milhões de toneladas.
Do mesmo modo, o analista da Pine afirma ainda que a indústria processadora brasileira pode não demandar mais soja para atender ao consumo interno de farelo e óleo, mas também para as exportações de derivados que devem crescer pelo Brasil neste ano, considerando, inclusive, a suspensão das atividades da maior processadora da Argentina, a Vicentin, anunciada neste ano.
ALÉM DE TUDO, FALTA SOJA NA CHINA
Segundo explica o analista do complexo soja e diretor da Agrinvest Commodities Eduardo Vanin, falta soja na nação asiática e a entrega de farelo está bastante baixa por lá. E a demanda dos chineses deve seguir concentrada no mercado brasileiro.
"O mercado da soja já vivia o trade war antes mesmo de tarifas (...) O Brasil embarcou muita soja, China recorde no share, embarcamos até sexta-feira passada quase 38 milhões de toneladas e a China representa 77% desse embarque, isso com base em line-ups, e o ano passado era 71%", detalha Vanin.
E a dependência quase que exclusiva do Brasil, em especial pelas processadoras comerciais, acaba agravando este cenário, também pelo atraso dos embarques brasileiros no começo do ano, algo que pode se repetir no final deste, inclusive, antes da chegada da nova safra brasileira, caso a guerra tarifária entre EUA e China continue.
A concentração das compras de soja do Brasil pela China vai acarretar, inevitavelmente, em um farelo mais caro, em algum momento, para alguma ponta da cadeia, em especial no consumidor final. Para a indústria brasileira, também pode ser desafiador, uma vez que vai disputar de forma mais intensa a soja com a exportação, o que pode resultar em preços mais elevados, em especial via prêmios.
Reveja sua entrevista completa ao Bom Dia Agronegócio desta segunda-feira:
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