Sr. João Batista, a realidade dos produtores rurais é bem EXPLICITADA num artigo do Boletim Informativo nº 1083 da FAEP,
Conforme segue:
Luis, há quanto tempo!
Eu sou o Zé, teu colega de
ginásio noturno, que chegava
atrasado, porque o transporte
escolar do sítio sempre atrasava,
lembra né? O Zé do sapato sujo?
Tinha professor e colega que nunca
entenderam que eu tinha de andar a
pé mais de meia légua para pegar o
caminhão por isso o sapato sujava.
Se não lembrou ainda eu te ajudo.
Lembra do Zé Cochilo... hehehe,
era eu. Quando eu descia do caminhão
de volta pra casa, já era onze
e meia da noite, e com a caminhada
até em casa, quando eu ia dormir já
era mais de meia-noite.
De madrugada o pai precisava
de ajuda pra tirar leite das vacas.
Por isso eu só vivia com sono. Do Zé
Cochilo você lembra né, Luis?
Pois é. Estou pensando em mudar
para viver ai na cidade que nem
vocês. Não que seja ruim o sítio,
aqui é bom. Muito mato, passarinho,
ar puro... Só que acho que estou
estragando muito a tua vida e a
de teus amigos aí da cidade.
To vendo todo mundo falar que
nós da agricultura estamos destruindo
o meio ambiente.
Veja só. O sítio do pai, que agora
é meu (não te contei, ele morreu
e tive que parar de estudar) fica só
a uma hora de distância da cidade.
Todos os matutos daqui já têm luz
em casa, mas eu continuo sem ter
porque não se pode fincar os postes
por dentro de uma tal de APPA que
criaram aqui na vizinhança.
Minha água é de um poço que
meu avô cavou há muitos anos,
uma maravilha, mas um homem
do governo veio aqui e falou que tenho
que fazer uma outorga da água
e pagar uma taxa de uso, porque a
água vai se acabar. Se ele falou deve
ser verdade né, Luis?
Pra ajudar com as vacas de leite
(o pai se foi, né?) contratei o Juca,
filho de um vizinho muito pobre
aqui do lado. Carteira assinada,
salário mínimo, tudo direitinho
como o contador mandou. Ele morava
aqui com nós num quarto dos
fundos de casa.
Comia com a gente, que nem da
família. Mas vieram umas pessoas
aqui, do sindicato e da Delegacia
do Trabalho, elas falaram que se o
Juca fosse tirar leite das vacas às 5
horas tinha que receber hora extra
noturna, e que não podia trabalhar
nem sábado nem domingo, mas as
vacas daqui não sabem os dias da
semana ai não param de fazer leite.
Ô, bichos aí da cidade sabem se
guiar pelo calendário?
Essas pessoas ainda foram ver o
quarto de Juca e disseram que o beliche
tava 2 cm menor do que devia.
Nossa! Eu não sei como encumpridar
uma cama, só comprando outra
né, Luis? O candeeiro eles disseram
que não podia acender no quarto,
que tem que ser luz elétrica, que eu
tenho que ter um gerador pra ter luz
boa no quarto do Juca.
Disseram ainda que a comida
que a gente fazia e comia juntos tinha
que fazer parte do salário dele.
Bom, Luis, tive que pedir ao Juca
pra voltar pra casa, desempregado,
mas muito bem protegido pelos
sindicatos, pelo fiscais e pelas leis.
Mas eu acho que não deu muito
certo. Semana passada me disseram
que ele foi preso na cidade
porque botou um chocolate no bolso
no supermercado. Levaram ele
pra delegacia, bateram nele e não
apareceu nem sindicato nem fiscal
do trabalho para acudí-lo.
Depois que o Juca saiu, eu e Marina
(lembra dela, né? Casei.) tiramos
o leite às 5 e meia, aí eu levo o leite de
carroça até a beira da estrada onde o
carro da cooperativa pega todo dia, isso se não chover. Se chover, perco o
leite e dou aos porcos, ou melhor, eu
dava, hoje eu jogo fora.
Os porcos eu não tenho mais,
pois veio outro homem e disse que a
distância do chiqueiro para o riacho
não podia ser só 20 metros. Disse
que eu tinha que derrubar tudo e só
fazer chiqueiro depois dos 30 metros
de distância do rio e ainda tinha
que fazer umas coisas pra proteger o
rio, um tal de digestor. Achei que ele
tava certo e disse que ia fazer, mas
só que eu sozinho ia demorar uns
trinta dias pra fazer, mesmo assim
ele ainda me multou, e pra poder
pagar eu tive que vender os porcos
as madeiras e as telhas do chiqueiro,
fiquei só com as vacas. O promotor
disse que desta vez, por esse crime,
ele não ai mandar me prender, mas
me obrigou a dar seis cestas básicas
pro orfanato da cidade. Ô Luis, ai
quando vocês sujam o rio também
pagam multa grande, né?
Agora pela água do meu poço eu
até posso pagar, mas tô preocupado
com a água do rio. Aqui agora o rio
todo deve ser como o rio da capital,
todo protegido, com mata ciliar
dos dois lados. As vacas agora não
podem chegar no rio pra não sujar,
nem fazer erosão. Tudo vai ficar
limpinho como os rios ai da cidade.
A pocilga já acabou, as vacas não
podem chegar perto. Só que alguma
coisa tá errada, quando vou na
capital nem vejo mata ciliar, nem
rio limpo. Só vejo água fedida e lixo
boiando pra todo lado.
Mas não é o povo da cidade que
suja o rio né, Luis? Quem será? Aqui
no mato agora quem sujar tem multa
grande e dá até prisão.
Cortar árvore então, Nossa Senhora!
Tinha uma árvore grande
ao lado de casa que murchou e tava
morrendo, então resolvi derrubála
para aproveitar a madeira antes
dela cair por cima da casa.
Fui no escritório daqui pedir autorização,
como não tinha ninguém,
fui no Ibama da capital, preenchi
uns papéis e voltei para esperar o
fiscal vim fazer um laudo, para ver
se depois podia autorizar. Passaram
oito meses e ninguém apareceu pra
fazer o tal laudo ai eu vi que o pau
ia cair em cima da casa e derrubei.
Pronto! No outro dia chegou o fiscal
e me multou. Já recebi uma intimação
do Promotor porque virei criminoso
reincidente. Primeiro foi os
porcos e agora foi o pau. Acho que
desta vez vou ficar preso.
Tô preocupado Luis, pois no rádio
deu que a nova lei vai dá multa
de R$500 a R$20 mil reais por
hectare e por dia. Calculei que se eu
for multado eu perco o sítio numa
semana. Então é melhor vender e ir
morar onde todo mundo cuida da
ecologia. Vou para a cidade, aí tem
luz, carro, comida, rio limpo. Olha,
não quero fazer nada errado, só falei
dessas coisas porque tenho certeza
que a lei é pra todos.
Eu vou morar ai com vocês,
Luis. Mas fique tranquilo, vou usar
o dinheiro da venda do sítio primeiro
pra comprar essa tal de geladeira.
Aqui no sitio eu tenho que
pegar tudo na roça. Primeiro a gente
planta, cultiva, limpa e só depois
colhe pra levar pra casa. Ai é bom
que vocês e só abrir a geladeira que
tem tudo. Nem dá trabalho, nem
planta, nem cuida de galinha, nem
porco, nem vaca é só abri a geladeira
que a comida tá lá, prontinha,
fresquinha, sem precisar de nós, os
criminosos aqui da roça.
Até mais Luis.
P.S.: Ah, desculpe Luis, não pude
mandar a carta em papel reciclado,
pois não existe por aqui, mas aguarde
até eu vender o sítio.
Sr. João Batista, a realidade dos produtores rurais é bem EXPLICITADA num artigo do Boletim Informativo nº 1083 da FAEP,
Conforme segue:
Luis, há quanto tempo!
Eu sou o Zé, teu colega de
ginásio noturno, que chegava
atrasado, porque o transporte
escolar do sítio sempre atrasava,
lembra né? O Zé do sapato sujo?
Tinha professor e colega que nunca
entenderam que eu tinha de andar a
pé mais de meia légua para pegar o
caminhão por isso o sapato sujava.
Se não lembrou ainda eu te ajudo.
Lembra do Zé Cochilo... hehehe,
era eu. Quando eu descia do caminhão
de volta pra casa, já era onze
e meia da noite, e com a caminhada
até em casa, quando eu ia dormir já
era mais de meia-noite.
De madrugada o pai precisava
de ajuda pra tirar leite das vacas.
Por isso eu só vivia com sono. Do Zé
Cochilo você lembra né, Luis?
Pois é. Estou pensando em mudar
para viver ai na cidade que nem
vocês. Não que seja ruim o sítio,
aqui é bom. Muito mato, passarinho,
ar puro... Só que acho que estou
estragando muito a tua vida e a
de teus amigos aí da cidade.
To vendo todo mundo falar que
nós da agricultura estamos destruindo
o meio ambiente.
Veja só. O sítio do pai, que agora
é meu (não te contei, ele morreu
e tive que parar de estudar) fica só
a uma hora de distância da cidade.
Todos os matutos daqui já têm luz
em casa, mas eu continuo sem ter
porque não se pode fincar os postes
por dentro de uma tal de APPA que
criaram aqui na vizinhança.
Minha água é de um poço que
meu avô cavou há muitos anos,
uma maravilha, mas um homem
do governo veio aqui e falou que tenho
que fazer uma outorga da água
e pagar uma taxa de uso, porque a
água vai se acabar. Se ele falou deve
ser verdade né, Luis?
Pra ajudar com as vacas de leite
(o pai se foi, né?) contratei o Juca,
filho de um vizinho muito pobre
aqui do lado. Carteira assinada,
salário mínimo, tudo direitinho
como o contador mandou. Ele morava
aqui com nós num quarto dos
fundos de casa.
Comia com a gente, que nem da
família. Mas vieram umas pessoas
aqui, do sindicato e da Delegacia
do Trabalho, elas falaram que se o
Juca fosse tirar leite das vacas às 5
horas tinha que receber hora extra
noturna, e que não podia trabalhar
nem sábado nem domingo, mas as
vacas daqui não sabem os dias da
semana ai não param de fazer leite.
Ô, bichos aí da cidade sabem se
guiar pelo calendário?
Essas pessoas ainda foram ver o
quarto de Juca e disseram que o beliche
tava 2 cm menor do que devia.
Nossa! Eu não sei como encumpridar
uma cama, só comprando outra
né, Luis? O candeeiro eles disseram
que não podia acender no quarto,
que tem que ser luz elétrica, que eu
tenho que ter um gerador pra ter luz
boa no quarto do Juca.
Disseram ainda que a comida
que a gente fazia e comia juntos tinha
que fazer parte do salário dele.
Bom, Luis, tive que pedir ao Juca
pra voltar pra casa, desempregado,
mas muito bem protegido pelos
sindicatos, pelo fiscais e pelas leis.
Mas eu acho que não deu muito
certo. Semana passada me disseram
que ele foi preso na cidade
porque botou um chocolate no bolso
no supermercado. Levaram ele
pra delegacia, bateram nele e não
apareceu nem sindicato nem fiscal
do trabalho para acudí-lo.
Depois que o Juca saiu, eu e Marina
(lembra dela, né? Casei.) tiramos
o leite às 5 e meia, aí eu levo o leite de
carroça até a beira da estrada onde o
carro da cooperativa pega todo dia, isso se não chover. Se chover, perco o
leite e dou aos porcos, ou melhor, eu
dava, hoje eu jogo fora.
Os porcos eu não tenho mais,
pois veio outro homem e disse que a
distância do chiqueiro para o riacho
não podia ser só 20 metros. Disse
que eu tinha que derrubar tudo e só
fazer chiqueiro depois dos 30 metros
de distância do rio e ainda tinha
que fazer umas coisas pra proteger o
rio, um tal de digestor. Achei que ele
tava certo e disse que ia fazer, mas
só que eu sozinho ia demorar uns
trinta dias pra fazer, mesmo assim
ele ainda me multou, e pra poder
pagar eu tive que vender os porcos
as madeiras e as telhas do chiqueiro,
fiquei só com as vacas. O promotor
disse que desta vez, por esse crime,
ele não ai mandar me prender, mas
me obrigou a dar seis cestas básicas
pro orfanato da cidade. Ô Luis, ai
quando vocês sujam o rio também
pagam multa grande, né?
Agora pela água do meu poço eu
até posso pagar, mas tô preocupado
com a água do rio. Aqui agora o rio
todo deve ser como o rio da capital,
todo protegido, com mata ciliar
dos dois lados. As vacas agora não
podem chegar no rio pra não sujar,
nem fazer erosão. Tudo vai ficar
limpinho como os rios ai da cidade.
A pocilga já acabou, as vacas não
podem chegar perto. Só que alguma
coisa tá errada, quando vou na
capital nem vejo mata ciliar, nem
rio limpo. Só vejo água fedida e lixo
boiando pra todo lado.
Mas não é o povo da cidade que
suja o rio né, Luis? Quem será? Aqui
no mato agora quem sujar tem multa
grande e dá até prisão.
Cortar árvore então, Nossa Senhora!
Tinha uma árvore grande
ao lado de casa que murchou e tava
morrendo, então resolvi derrubála
para aproveitar a madeira antes
dela cair por cima da casa.
Fui no escritório daqui pedir autorização,
como não tinha ninguém,
fui no Ibama da capital, preenchi
uns papéis e voltei para esperar o
fiscal vim fazer um laudo, para ver
se depois podia autorizar. Passaram
oito meses e ninguém apareceu pra
fazer o tal laudo ai eu vi que o pau
ia cair em cima da casa e derrubei.
Pronto! No outro dia chegou o fiscal
e me multou. Já recebi uma intimação
do Promotor porque virei criminoso
reincidente. Primeiro foi os
porcos e agora foi o pau. Acho que
desta vez vou ficar preso.
Tô preocupado Luis, pois no rádio
deu que a nova lei vai dá multa
de R$500 a R$20 mil reais por
hectare e por dia. Calculei que se eu
for multado eu perco o sítio numa
semana. Então é melhor vender e ir
morar onde todo mundo cuida da
ecologia. Vou para a cidade, aí tem
luz, carro, comida, rio limpo. Olha,
não quero fazer nada errado, só falei
dessas coisas porque tenho certeza
que a lei é pra todos.
Eu vou morar ai com vocês,
Luis. Mas fique tranquilo, vou usar
o dinheiro da venda do sítio primeiro
pra comprar essa tal de geladeira.
Aqui no sitio eu tenho que
pegar tudo na roça. Primeiro a gente
planta, cultiva, limpa e só depois
colhe pra levar pra casa. Ai é bom
que vocês e só abrir a geladeira que
tem tudo. Nem dá trabalho, nem
planta, nem cuida de galinha, nem
porco, nem vaca é só abri a geladeira
que a comida tá lá, prontinha,
fresquinha, sem precisar de nós, os
criminosos aqui da roça.
Até mais Luis.
P.S.: Ah, desculpe Luis, não pude
mandar a carta em papel reciclado,
pois não existe por aqui, mas aguarde
até eu vender o sítio.