Fala Produtor - Mensagem

  • Paulo Roberto Rensi Bandeirantes - PR 22/03/2010 00:00

    Sr. João Batista, a realidade dos produtores rurais é bem EXPLICITADA num artigo do Boletim Informativo nº 1083 da FAEP,

    Conforme segue:

    Luis, há quanto tempo!

    Eu sou o Zé, teu colega de

    ginásio noturno, que chegava

    atrasado, porque o transporte

    escolar do sítio sempre atrasava,

    lembra né? O Zé do sapato sujo?

    Tinha professor e colega que nunca

    entenderam que eu tinha de andar a

    pé mais de meia légua para pegar o

    caminhão por isso o sapato sujava.

    Se não lembrou ainda eu te ajudo.

    Lembra do Zé Cochilo... hehehe,

    era eu. Quando eu descia do caminhão

    de volta pra casa, já era onze

    e meia da noite, e com a caminhada

    até em casa, quando eu ia dormir já

    era mais de meia-noite.

    De madrugada o pai precisava

    de ajuda pra tirar leite das vacas.

    Por isso eu só vivia com sono. Do Zé

    Cochilo você lembra né, Luis?

    Pois é. Estou pensando em mudar

    para viver ai na cidade que nem

    vocês. Não que seja ruim o sítio,

    aqui é bom. Muito mato, passarinho,

    ar puro... Só que acho que estou

    estragando muito a tua vida e a

    de teus amigos aí da cidade.

    To vendo todo mundo falar que

    nós da agricultura estamos destruindo

    o meio ambiente.

    Veja só. O sítio do pai, que agora

    é meu (não te contei, ele morreu

    e tive que parar de estudar) fica só

    a uma hora de distância da cidade.

    Todos os matutos daqui já têm luz

    em casa, mas eu continuo sem ter

    porque não se pode fincar os postes

    por dentro de uma tal de APPA que

    criaram aqui na vizinhança.

    Minha água é de um poço que

    meu avô cavou há muitos anos,

    uma maravilha, mas um homem

    do governo veio aqui e falou que tenho

    que fazer uma outorga da água

    e pagar uma taxa de uso, porque a

    água vai se acabar. Se ele falou deve

    ser verdade né, Luis?

    Pra ajudar com as vacas de leite

    (o pai se foi, né?) contratei o Juca,

    filho de um vizinho muito pobre

    aqui do lado. Carteira assinada,

    salário mínimo, tudo direitinho

    como o contador mandou. Ele morava

    aqui com nós num quarto dos

    fundos de casa.

    Comia com a gente, que nem da

    família. Mas vieram umas pessoas

    aqui, do sindicato e da Delegacia

    do Trabalho, elas falaram que se o

    Juca fosse tirar leite das vacas às 5

    horas tinha que receber hora extra

    noturna, e que não podia trabalhar

    nem sábado nem domingo, mas as

    vacas daqui não sabem os dias da

    semana ai não param de fazer leite.

    Ô, bichos aí da cidade sabem se

    guiar pelo calendário?

    Essas pessoas ainda foram ver o

    quarto de Juca e disseram que o beliche

    tava 2 cm menor do que devia.

    Nossa! Eu não sei como encumpridar

    uma cama, só comprando outra

    né, Luis? O candeeiro eles disseram

    que não podia acender no quarto,

    que tem que ser luz elétrica, que eu

    tenho que ter um gerador pra ter luz

    boa no quarto do Juca.

    Disseram ainda que a comida

    que a gente fazia e comia juntos tinha

    que fazer parte do salário dele.

    Bom, Luis, tive que pedir ao Juca

    pra voltar pra casa, desempregado,

    mas muito bem protegido pelos

    sindicatos, pelo fiscais e pelas leis.

    Mas eu acho que não deu muito

    certo. Semana passada me disseram

    que ele foi preso na cidade

    porque botou um chocolate no bolso

    no supermercado. Levaram ele

    pra delegacia, bateram nele e não

    apareceu nem sindicato nem fiscal

    do trabalho para acudí-lo.

    Depois que o Juca saiu, eu e Marina

    (lembra dela, né? Casei.) tiramos

    o leite às 5 e meia, aí eu levo o leite de

    carroça até a beira da estrada onde o

    carro da cooperativa pega todo dia, isso se não chover. Se chover, perco o

    leite e dou aos porcos, ou melhor, eu

    dava, hoje eu jogo fora.

    Os porcos eu não tenho mais,

    pois veio outro homem e disse que a

    distância do chiqueiro para o riacho

    não podia ser só 20 metros. Disse

    que eu tinha que derrubar tudo e só

    fazer chiqueiro depois dos 30 metros

    de distância do rio e ainda tinha

    que fazer umas coisas pra proteger o

    rio, um tal de digestor. Achei que ele

    tava certo e disse que ia fazer, mas

    só que eu sozinho ia demorar uns

    trinta dias pra fazer, mesmo assim

    ele ainda me multou, e pra poder

    pagar eu tive que vender os porcos

    as madeiras e as telhas do chiqueiro,

    fiquei só com as vacas. O promotor

    disse que desta vez, por esse crime,

    ele não ai mandar me prender, mas

    me obrigou a dar seis cestas básicas

    pro orfanato da cidade. Ô Luis, ai

    quando vocês sujam o rio também

    pagam multa grande, né?

    Agora pela água do meu poço eu

    até posso pagar, mas tô preocupado

    com a água do rio. Aqui agora o rio

    todo deve ser como o rio da capital,

    todo protegido, com mata ciliar

    dos dois lados. As vacas agora não

    podem chegar no rio pra não sujar,

    nem fazer erosão. Tudo vai ficar

    limpinho como os rios ai da cidade.

    A pocilga já acabou, as vacas não

    podem chegar perto. Só que alguma

    coisa tá errada, quando vou na

    capital nem vejo mata ciliar, nem

    rio limpo. Só vejo água fedida e lixo

    boiando pra todo lado.

    Mas não é o povo da cidade que

    suja o rio né, Luis? Quem será? Aqui

    no mato agora quem sujar tem multa

    grande e dá até prisão.

    Cortar árvore então, Nossa Senhora!

    Tinha uma árvore grande

    ao lado de casa que murchou e tava

    morrendo, então resolvi derrubála

    para aproveitar a madeira antes

    dela cair por cima da casa.

    Fui no escritório daqui pedir autorização,

    como não tinha ninguém,

    fui no Ibama da capital, preenchi

    uns papéis e voltei para esperar o

    fiscal vim fazer um laudo, para ver

    se depois podia autorizar. Passaram

    oito meses e ninguém apareceu pra

    fazer o tal laudo ai eu vi que o pau

    ia cair em cima da casa e derrubei.

    Pronto! No outro dia chegou o fiscal

    e me multou. Já recebi uma intimação

    do Promotor porque virei criminoso

    reincidente. Primeiro foi os

    porcos e agora foi o pau. Acho que

    desta vez vou ficar preso.

    Tô preocupado Luis, pois no rádio

    deu que a nova lei vai dá multa

    de R$500 a R$20 mil reais por

    hectare e por dia. Calculei que se eu

    for multado eu perco o sítio numa

    semana. Então é melhor vender e ir

    morar onde todo mundo cuida da

    ecologia. Vou para a cidade, aí tem

    luz, carro, comida, rio limpo. Olha,

    não quero fazer nada errado, só falei

    dessas coisas porque tenho certeza

    que a lei é pra todos.

    Eu vou morar ai com vocês,

    Luis. Mas fique tranquilo, vou usar

    o dinheiro da venda do sítio primeiro

    pra comprar essa tal de geladeira.

    Aqui no sitio eu tenho que

    pegar tudo na roça. Primeiro a gente

    planta, cultiva, limpa e só depois

    colhe pra levar pra casa. Ai é bom

    que vocês e só abrir a geladeira que

    tem tudo. Nem dá trabalho, nem

    planta, nem cuida de galinha, nem

    porco, nem vaca é só abri a geladeira

    que a comida tá lá, prontinha,

    fresquinha, sem precisar de nós, os

    criminosos aqui da roça.

    Até mais Luis.

    P.S.: Ah, desculpe Luis, não pude

    mandar a carta em papel reciclado,

    pois não existe por aqui, mas aguarde

    até eu vender o sítio.

    0