Crise no petróleo deve beneficiar consumo de commodities agrícolas
Apesar de uma ligeira recuperação que pode ser observada nesta quarta-feira (7), os preços do petróleo seguem sofrendo uma de suas piores crises e, na sessão anterior, renovaram as mínimas em seis anos tanto em Londres quanto em Nova York. O barril já perdeu, portanto, o importante nível dos US$ 50,00. A pressão sobre o mercado vem de um excesso de produção e de um frágil quadro macroeconômico mundial, segundo explicam analistas, que motivam a migração dos investidores para ativos mais seguros, como o dólar - que tem subido frente à cesta das principais moedas internacionais - e o título da dívida americana.
E segundo noticia a agência internacional Dow Jones Newswires, a situação ainda deve permanecer assim, já que não há mudanças previstas no horizonte, nem mesmo no longo prazo. "Não há notícias positivas. A Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) se recusa a cortar a produção e não há evidências de queda na produção fora do cartel", disse o estrategista chefe da Confluence Investment Management, Bill O'Grady à Dow.
Essa crise nos preços de uma das mais importante fontes de energia do mundo tem direcionado praticamente todos os demais mercado, ainda de acordo com analistas internacionais. Para alguns, isso poderia até mesmo ser um sinal de que o crescimento global está desacelerando, disse Jeffrey Sherman, gestor da DoubleLine Capital, também à agência internacional.
Crise do Petróleo x Agronegócio
Para o agronegócio, o primeiro impacto sentido em função da crise nos preços do petróleo são o peso sobre as commodities agrícolas. Como ativos mais sensíveis ao risco, os investidores acabam deixando esses mercados em busca de outros mais seguros - se repetindo a ação que se observa entre os negócios com o próprio petróleo - e os preços acabam sentindo a pressão nas chamadas realizações de lucros. No entanto, para alguns analistas, esse é um impacto passageiro, já que, entre os fundamentos - principalmente os de demanda, ainda há força para dar suporte às cotações.
Ao contrário do que ocorreu em anos anteriores - quando um avanço ou recuo dos preços do petróleo era acompanhado pelo mesmo movimento das commodities agrícolas - nesta nova crise o mundo vive um fenômeno inverso, segundo explica Liones Severo, consultor de mercado do SIMConsult. Quando o petróleo subia, as agrícolas acompanhavam e a recíproca era verdadeira.
"Esse fenômeno se explica porque a queda do petróleo está proporcionando uma redução de custo das famílias de países populosos como China, Índia, etc, o que resulta em um aumento de consumo de alimentos pela melhoria das dietas alimentares dessas grandes populações", afirma Severo. "Estamos experimentando um fenômeno completamente diverso, com movimento contrário dos preços entre essas commodities (agrícolas e petróleo). O que surpreende é a relação de preços entre petróleo e alimentos, que através da historia sempre foram concorrentes nas altas e nas baixas, mas desta vez, aparentemente, o fenômeno da relação dos preços se inverte", completa.
A China, a maior e mais importante potência econômica importadora de alimentos, é também compradora de petróleo e, "gastando" menos com energia, cria uma possibilidade de um aumento ainda maior em sua demanda por alimentos, o que deve se repetir entre outros países, como a Índia, por exemplo. Afinal, paralelamente à crise nos preços do combustível, a nação asiática vê sua economia crescer cerca de 7% ao ano e, ao mesmo tempo, um crescimento de sua população. E essa população vem aumentando, expressivamente, seu consumo por comida de qualidade, principalmente proteína animal.
De acordo com informações do SIMConsult, em 1978, esse consumo era de 8 milhões de toneladas, o que correspondia a um terço do consumo dos Estados Unidos, de 24 milhões de toneladas, porém, em 1992, esse cenário se inverteu e se mantém até os dias atuais. Em 2012, os chineses consumiram 71 milhões de toneladas, o dobro do consumido pelos americanos. O país detém mais da metade do rebanho mundial de suínos, com algo perto de 476 milhões de cabeças.
Desde outubro, os preços do combustível já recuaram mais de 40% e, para o consultor de mercado Carlos Cogo, um dos produtos mais afetados pode ser o milho. "Essa crise já está afetando muito mais o milho, afetando a margem dos produtores de etanol (a base do cereal) nos Estados Unidos e, menos a soja. Embora haja uma ligação grande com o biodiesel, o óleo de soja não chega a pesar 20% na formação da margem das empresas processadoras no esmagamento. Então, o impacto da queda dos preços do petróleo na soja é muito mais limitado do que no milho, haja vistas que 35% da produção norte-americana destinada à produção de etanol", diz.
Em novembro, o índice de preço dos alimentos da FAO - o braço da ONU (Organização das Nações Unidas) para alimentação e agricultura - caiu para 192,6 pontos, registrando o menor nível desde agosto de 2010. Segundo informações apuradas pela agência internacional de notícias Bloomberg, essa baixa veio, em partes, como consequência de custos menores de produção em boa parte do mundo influenciada, principalmente, por essa severa queda registrada nos preços do petróleo. A atualização do índice da FAO será divulgada no dia 8 de janeiro.
Xisto nos EUA
Outro fator de pressão sobre os preços do petróleo tem sido a concorrência com o xisto, cuja produção vem aumentando significativamente nos Estados Unidos, com custos bem mais baixos. Entretanto, de acordo com uma apuração do Valor Econômico, os atuais valores praticados no petróleo já começam a inviabilizar o chamado "shale oil" norte-americano.
Ainda de acordo com a reportagem, apesar de inviabilidade variar de acordo com a região, o barril do petróleo Brent a US$ 51 e o WTI abaixo dos US$ 50 acaba fazendo as contas não fecharem nos EUA e a produção já se tornar menos lucrativa, principalmente em áreas periféricas. As atividades de perfuração e produção do xisto se intensificaram em um cenário de mercado onde as cotações do petróle operavam na casa dos US$ 100/barril.
Há, no entanto, especialistas que afirmam que a inviabilidade do shale oil só começa a se agravar com o petróleo no nível de US$ 45 por barril e caindo, como explica o consultor de comercialização Telmo Heinen.
"Mesmo assim, no primeiro dia em que o preço chegar a US$ 45 eles não irão parar as atividades, as coisas não funcionam assim. Para inviabilizar a exploração, antes do prejuízo para as empresas americanas, muitas outras empresas ao redor do mundo vão diminuir suas atividades", diz.
Emergentes e esquerdistas
Agora, o quadro é de preocupação nos países emergentes produtores de petróleo, como a Rússia e a Venezuela. "Os esquerdistas, de um modo geral, acusam a Arábia Saudita de ter um conluio com os americanos para prejudicar a Venezuela, o Irã e a Rússia. Mas já faz alguns anos que foi avisado que até 2020 os EUA deixarão de comprar petróleo da Venezuela. Por que agora a estranheza?".
Apesar disso, a Opep continua se negando a reduzir sua produção - que, atualmente, é de 33 milhões de barris por dia - com o objetivo de não criar um espaço maior para o avanço do mercado e da competitividade de outras formas de energia, como o xisto, por exemplo.
No caso da Venezuela, que tem sua economia muito dependente do petróleo, o sistema financeiro do país fica a beira de um colapso, como mostra a agência internacional de notícias Deustche Welle. A receita venezuelana, hoje, depende 96% da venda da commodity. Já há analistas falando em uma "falência iminente".
Ainda de acordo com uma matéria da Deustche Welle, o discurso do presidente Nicolás Maduro televisionado no Ano Novo culpa os Estados Unidos pelo excesso de oferta de um petróleo barato, porém, o governante não comenta os subsídios do governo aos consumidores que pagam apenas dois centavos por litro de gasolina com uma inflação de 64%, uma das mais altas do mundo.
"O discurso de Maduro é uma tentativa de criar inimigos políticos para justificar a crise econômica. É uma estratégia para se proteger das críticas", opina o cientista político venezuelano Victor Mijares, professor da Universidade Simón Bolívar, em Caracas, e pesquisador visitante do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), em Hamburgo, à agência.
Entre as nações das Américas, a Venezuela é a que vem sendo mais duramente afetada por essa crise do petróleo, registrando a pior recessão e inflação do continente. Há uma escassez generalizada de produtos e, entre outras ações desesperadas, alguns moradores tem contrabandeado peixes para a Colômbia como forma de sustento, segundo noticiou a agência Reuters nesta quarta-feira.
"Enquanto contrabando de gasolina e medicamentos já se arrasta há anos, pouco se sabe sobre o comércio de toneladas de peixe de água doce por venezuelanos que os empilham em canoas compridas, motorizadas, e atravessam perigosos rios durante dias até a Colômbia", denunciou a Reuters.
Com informações do Valor Econômico, da Deustche Welle pela Carta Capital, da Revista Exame, da Bloomberg e do SIMConsult.
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