A agricultura está assistindo a banda dos serviços ambientais passar

Publicado em 03/03/2011 16:06 e atualizado em 08/03/2011 07:53

O agricultor foi o primeiro ecologista do mundo. Foi pela capacidade de estudar as estações, o comportamento das plantas, o período de  frutificação e os processos para cultivar as sementes e depois retirar seu  sustento delas, que o agricultor tornou os seres humanos capazes do  sedentarismo. Foi pela mágica de entender o ecossistema, que o agricultor deu a  humanidade a oportunidade de se agregar nas cidades, e deixar de ter de migrar e  lutar para sobreviver coletando o que encontrava pelo caminho. Esquecido  disso, hoje o agricultor é considerado o grande vilão dos ecossistemas – nada  poderia ser mais equivocado.

 De acordo com o Milenium Ecossystem Assessment – relatório sobre o estado dos  ecossistemas mundiais, os serviços ambientais incluem: Serviços de suprimento: de  necessidades como comida, água, madeira e fibras; Serviços regulatórios: que afetam  clima, enchentes, doenças, resíduos e qualidade da água; Serviços culturais: recreação,  estética e espirituais e; Serviços de  suporte:
conservação da biodiversidade, formação de solo, fotossíntese e ciclagem de nutrientes. É uma realidade o fato de que os serviços ambientais  estão intimamente relacionados com as cadeias produtivas.


 As formas de cultivo da terra têm grande impacto no fornecimento desses  serviços ambientais, e o estoque e potencial de geração desses serviços pela  agricultura, pela pecuária e pela silvicultura, ultrapassam em muito os serviços  gerados por Unidades de Conservação, entretanto, de acordo com o Projeto de Lei  que institui a Política Nacional dos Serviços Ambientais, o Programa Federal de  Pagamento por Serviços Ambientais, estabelece formas de controle e financiamento  desse Programa, e dá outras providências, em seu art 2º. Parágrafo IV, somente é  recebedor: “aquele que restabelece, recupera, mantém ou melhora os  ecossistemas no âmbito de planos e programas específicos, podendo perceber o  pagamento...”.

 Esse artigo está retirando dos produtores rurais, os principais  provedores de serviços ambientais para a sociedade, o direito de serem  ressarcidos pelas suas atividades. E retira mais, o reconhecimento do  Governo Federal de todos os benefícios gerados pela atividade agropecuária e  silvicultura do país. A marginalização do setor produtivo rural não é  somente desaconselhável, ela é perigosa, pois expõem o setor ainda mais a críticas de toda a sociedade, pois ele não está sendo reconhecido como provedor  de tais serviços, o que é um equívoco de dimensões históricas. Nunca antes na  história desse país, os agricultores foram tão desrespeitados.

 Já existem e proliferam no mundo vários sistemas para pagamentos por serviços  ambientais, entre eles podemos destacar: Mercados de carbono - Regulatório,  voluntário, rotulagem (para reflorestamento industrial, práticas de plantio  direto e uso de madeira na construção civil, entre outros); Mercados de água -  Qualidade e quantidade, rotulagem (agricultores dos EUA já recebem por esse  serviço); Mercados de biodiversidade - Mecanismos financeiros (GEF, spread),  fiscais, rotulagem (cultivos mistos, sistemas silvipastoris, agroflorestais e  etc); Mercados de beleza cênica - Paisagem, rotulagem (PGI) (hotéis na Suíça  pagam pelo cultivo de áreas atrativas e em outros locais do mundo também) e;  Outros mercados - Polinização, cultural, religioso, recreação, esportes e novamente, rotulagem.

 A rotulagem tem sido o principal instrumento para remunerar os produtores, e  ela está relacionada com a certificação de produção de serviços ambientais que  está associado aos produtos
comercializados. No Brasil alguns casos são a Carne  dos Pampas, o Boi Verde, a Soja não-transgênica e outros, exemplos de que a produção rural pode sim, e muito, estar associada a prestação de um serviço  ambiental, merecendo a justa remuneração por esse esforço.

 Para receber o pagamento pelo serviço ambiental associado a sua produção  rural, os proprietários precisam ser treinados para inventariar aqueles serviços  que mais se destacam na sua cadeia produtiva. Como exemplo, a cadeia produtiva  da pecuária de corte, apresenta como insumos para a produção de serviços  ambientais o CO2 atmosférico, a Água, os Nutrientes, a Paisagem e a capacidade  de Filtro do solo. Com esses insumos, ela presta serviços ambientais
de  Sequestro e fixação de CO2 no solo, Filtragem da água, Absorção de nutrientes,  Fixação do solo, Alteração da paisagem e aumento da capacidade de carga do solo.  Em sistema silvipastoril
pode ser adicionado ainda o serviço de conservação da  biodiversidade (se usadas espécies nativas). Para dimensionar o seu estoque e  potencial de prestação de serviços ambientais, os inventários desses serviços  devem ser realizados ao longo da cadeia produtiva, avaliando direta e  indiretamente os benefícios gerados para a sociedade. Essas metodologias são  derivadas dos inventários já existentes, e existem profissionais habilitados  para assessorar os produtores rurais na tarefa.

 De posse dos inventários de serviços ambientais para as propriedades rurais,  é possível trabalhar em conjunto, através de cooperativas de serviços ambientais  ou de Arranjos de Prestadores de
Serviços Ambientais Locais – APSAL, para buscar  a melhor estratégia, a nível regional, para implantar um sistema de pagamento que contemple cada produtor de acordo com a sua contribuição para manutenção da  qualidade de vida da sociedade como um todo. Na verdade, para que o  pagamento por serviços ambientais seja uma realidade, ele deve gerar  incentivos (monetários e não-monetários), estar alicerçado em sistemas de  pagamento baseados em performance (monitoramento de Critérios & Indicadores – inventários de serviços ambientais), tem de valorar as práticas locais, passar  por um processo de negociação (priorizar serviços com maior demanda), reconhecer  a relação de serviço (em contrato específico), estar normalizado (evitar  degradação ambiental, determinar áreas de risco etc - valoração) e fazer um  enfoque nas fragilidades e suscetibilidades a nível de propriedade, bacia  hidrográfica e ecossistema.

 Além disso, a Política Nacional de Serviços Ambientais precisa nascer  descentralizada, fazendo com que os municípios tenham a oportunidade de  ensejar pagamentos por serviços ambientais que sejam reconhecidos  localmente. É preciso notar que a intervenção federal tem sido, muitas  vezes, resultado de pressões externas, e as comunidades locais é  que depois pagam por isso.

 Em 2002, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos – UDSA, fez um  estudo sobre grandes obras de infra-estrutura no país, e demonstrou  claramente que os EUA teriam prejuízos bilionários com a implantação da BR 163  no Brasil, que deixaria os preços dos fretes até 75 % mais baratos,  em uma região com tremendo potencial agrícola. No mesmo ano, o  Departamento de Assistência dos EUA – USAID, junto ao Banco Mundial e WWF, deu  suporte ao programa de Áreas Protegidas da Amazônia – ARPA, que criou milhões de  hectares de Unidades de Conservação, exatamente ao longo da BR 163.
Esses colonizados trazidos pelo Governo Federal para ocupar e desenvolver a  agropecuária e silvicultura naquela região, hoje estão  marginalizados, são invasores das referidas UCs. Já  existem
vários processos no Supremo Tribunal Federal sobre o tema. Em 2005, o  WorldWatch Institute, publicou extenso artigo, onde revela que a  Usaid age junto ao Banco Mundial e WWF, para promover programas de  interesse dos EUA nos países de terceiro mundo, oferecendo dinheiro
para que as  ações desses governos sejam revertidas em seu favor.
Vale lembrar que  após a implantação do ARPA, a  Embrapa fez estudo sobre o território brasileiro da  Amazônia, e revelou que não havia mais espaço para as pessoas viverem na região,  na verdade, falta 8% da Amazônia para atender as exigências que a criação dessas  UCs criaram. Um absurdo técnico e político, que certamente não é  sustentado pelos brasileiros.

 Naquele caso, como no caso dos pagamentos por serviços ambientais, os  produtores rurais estão sendo marginalizados para promover programas supostamente ambientais, mas que são voltados para tornar  permanentes as intervenções externas na condução das  políticas públicas nacionais. Não é possível negar a contribuição do  agronegócio e de suas cadeias produtivas na prestação de serviços ambientais,  ignora-la na formulação das políticas é mais uma forma de pressionar  os produtores rurais brasileiros e suas formas de cultivo da  terra.

 É preciso agregar aos sistemas de cultivo da terra o inventário dos  serviços ambientais, como forma de capacitar o produtor rural a  dimensionar sua produção de acordo com sua capacidade de gerar e receber  serviços ambientais. Com a remuneração gerada por esse pagamento, estão  lançadas as bases para que a mudança nos sistemas de cultivo ocorra  naturalmente, tornado o produtor rural, além de gerador de comida e fibras, em  um prestador de serviços ambientais para a sociedade, favorecendo e fortalecendo  as práticas rurais sustentáveis.

 Naturalmente que o produtor rural precisa trabalhar, e lhe falta o tempo para  tratar de todas essas questões. Entretanto, se ficar novamente apenas assistindo o desenrolar desse Projeto de Lei, não
restará espaço para que a  agricultura possa respirar nesse país, e sua imagem  vai sair mais uma vez desgastada, em prol de supostas ações ambientais,  que não tem respaldo na técnica. As Unidades de Conservação, por exemplo, não prestam a mesma quantidade e qualidade dos  serviços ambientais prestados por cultivos florestais mistos, ou mesmo por  sistemas agroflorestais e silvipastoris, mas mesmo assim estão sendo priorizadas  na atual política. Com isso, recebe quem contribui menos, enquanto quem  mais contribui, fica vendo a banda  passar...

 Eder Zanetti é engenheiro florestal. Master  Universitat de
Freiburg – Alemanha. Professor convidado da Universty of Chicago.
Doutorando pela UFPR.

 Robson Zanetti é advogado. Doctorat  Droit Privé Université de
Paris 1 Panthéon-Sorbonne – Corso Singolo Diritto  Privato
Università degli Studi di Milano.

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Fonte:
Eder Zanetti e Robson Zanetti

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2 comentários

  • joão leite machado Capitólio - MG

    Acho que O Governo Brasileiro,tem que continuar como està: parar de dizer amem ,a tudo que os Estados Unidos determinam.

    Isto està acontecendo,desde quando o Lula entrou e barrou a ALCA.

    Nesta reforma do còdigo Florestal,os Produtores Rurais tem que ficar atentos a tudo que està acontecendo.Se for preciso ir a Brasilia precionar os Congres

    sistas,vamos là.

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  • Antonio José de Mattos Barbosa Ferraz - PR

    Parabenizo pelo artigo , muito elucidativa, verdadeiro raio x da situação critica em que nos encontramos . Não é somente crítica porém apresenta soluções rurais-urbanos. Obrigado!

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