Cacau, o fruto da resiliência, por Aline Lazzarotto e Ingrid Tavares
O cacau produzido no Sul da Bahia tem diversas peculiaridades que tornam seus produtos dignos de respeito e admiração. Ilhéus representa com singularidade as tradições locais. As famosas histórias de Jorge Amado, de Maria Machadão a Gabriela, detalham com romance o poder do coronelismo e fizeram com que se tornasse a capital do cacau.
A Cabruca é o modelo de plantio tradicional na região, que diferente do cultivo a pleno sol, se aproveita da sombra das árvores da Mata Atlântica e pode ser considerado um dos precursores dos sistemas agroflorestais. A técnica preserva a floresta e serve de modelo para a produção de cacau integrado com outras culturas como banana, açaí e seringueira.
Contudo, o cacau vivenciou uma forte crise na década de noventa, em especial devido a proliferação da vassoura de bruxa, um fungo que foi levado de forma criminosa para o Sul da Bahia. A doença provocou danos econômicos, sociais e ambientais, como o desemprego massivo e o endividamento de fazendeiros, que tiveram que se reinventar e aprender a conviver com um problema inédito, até então. Uma verdadeira assombração que se aproveitou da umidade da região, muito característica, uma vez que os pés de cacau estão embrenhados na floresta que fornece muita sombra e água fresca.
A flor do cacau, por sua vez, delicada e com uma beleza singular, representa a superação, e por incrível que pareça, tem apenas um ou dois dias para que possa ser polinizada e gerar o fruto. O que muitos não sabem é que, apenas 5% delas são polinizadas e 0,1% de fato se transformam em frutos. Não é à toa que podemos considerar o cacau um grande símbolo de resiliência. As condições geográficas e climáticas do Sul da Bahia carregam décadas (ou até séculos) de tradição nas práticas agrícolas. Técnicas bastante manuais, principalmente por conta do grande número de áreas declivosas e de difícil acesso.
Força, trabalho e legado
Ainda é possível observar no campo, o uso de mulas e burros que carregam no lombo quilos de frutos nas estrondosas colinas. Esses animais possuem uma incrível resistência, mesmo assim, quando se cansam, empacam, e ninguém consegue fazer com que retornem ao percurso. Resiliência é de fato palavra de ordem no cacau!
Outra característica de resistência da cultura é a predominância masculina. Quase que a totalidade da força de trabalho é formada por homens. Não é difícil encontrar mulheres, mas elas estão cuidando dos filhos, da casa, uma rede de apoio necessária, porém, quase invisível.
A mão de obra é um grande desafio. O êxodo dos mais jovens e a dificuldade no entendimento dos trabalhadores com relação a importância da contratação formal em comparação aos benefícios sociais fornecidos pelo governo, atrelada à dificuldade financeira para sustentar um contrato de trabalho favorável para ambos os lados, acarretam falta de mão de obra e disponibilidade de trabalho técnico.
Mesmo diante de tudo isso, ainda é possível encontrar cenários positivos. Mulheres empreendedoras, que assumem a gestão das propriedades rurais com grande sabedoria e êxito. Da mesma forma, propriedades que utilizam tecnologias no campo que auxiliam na produtividade do trabalho e manejo, seja com tratos culturais mecanizados, ou em técnicas avançadas de fermentação e secagem das amêndoas.
Apoio ao desenvolvimento
Para o desenvolvimento e melhoria dos processos produtivos, é fundamental o avanço contínuo e priorização do apoio de instituições como a Embrapa e Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac). Soluções de pesquisa e inovação auxiliam no aprimoramento genético de clones, uso adequado de insumos agrícolas e tecnologias para maior resistência e adaptação às condições climáticas, pragas e doenças, e aumento de produtividade, que favoreçam a expansão da cacauicultora, bem como promover a sustentabilidade e fortalecimento da agricultura e comunidades regionais.
Outra iniciativa (privada) importante é o Programa Cacau Produtivo, parceria entre a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), a Aiba (Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia) e a Cargill que tem como propósito auxiliar gratuitamente o produtor rural na gestão do seu empreendimento por meio de assistência técnica, capacitação de pessoas e disseminação de boas práticas para melhoria dos indicadores sociais, econômicos e ambientais.
O Cacau Produtivo utiliza a metodologia e os materiais de gestão – manuais de regularização ambiental, construções rurais, gestão de resíduos, vídeos de segurança e caixas de primeiros socorros – do Agro Plus, maior programa privado de assistência técnica agrícola do Brasil que é coordenado nacionalmente pela Abiove.
Quem conhece o cacau é difícil não se apaixonar, produtores rurais, trabalhadores, chocolateiros e consumidores de todas as idades estão conectados de forma direta ou indireta, do plantio à pós-colheita, da fabricação de subprodutos até o consumidor final e da explosão de sabores quando se consome a polpa, geleia e mel de cacau ou o tão amado chocolate. Do cacau aproveita-se tudo. As amêndoas para produção de chocolate, a casca que regenera o solo, e o mel, que rende uma bela caipirinha. Para os amantes de chocolate, vale o aprendizado para dar ainda mais valor a este fruto tão generoso que aguenta até desaforo de tão resiliente, e que sabe equilibrar o doce e o amargo, o rústico e o tecnológico.
Aline Lazzarotto – coordenadora de Sustentabilidade da Abiove
Ingrid Tavares - coordenadora nacional do Programa Cacau Produtivo
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