Os dois momentos da recessão, por Roberto Padovani
A inesperada recessão que o Brasil enfrenta pode ser dividida em dois momentos distintos. No primeiro, prevaleceram os impactos desconhecidos da pandemia sobre a economia. A partir de agora, o foco são os ruídos políticos e seus efeitos sobre confiança e retomada.
A piora nas projeções de crescimento em março e abril podem ser entendidas como ajustes às primeiras informações do choque. Sem experiência prévia de uma parada súbita e simultânea de todas as economias e setores, é natural que os modelos estatísticos tradicionais não consigam descrever a trajetória da crise, fazendo com que a construção de cenários dependa dos dados de curtíssimo prazo.
No caso brasileiro, o confinamento mais prolongado e o colapso de setores como o automobilístico são exemplos que explicam as revisões substanciais, frequentes e pouco comuns das projeções de PIB. Não por outro motivo, os números correntes são piores que os cenários mais extremos desenhados no começo da recessão. Enquanto no início de março a média das estimativas era de um crescimento de 2,0% em 2020, o dado desta semana mostra uma retração de 5,9% ano¹.
Mas mesmo com a divulgação do PIB do primeiro trimestre e os diversos indicadores já disponíveis para o segundo trimestre, as expectativas para o terceiro trimestre passaram a explicar uma nova rodada de revisões para pior nos números.
Isso porque as magnitudes intensas e incomuns das variações trimestrais² fazem com que pequenas mudanças no ritmo de recuperação alterem de modo importante as projeções para o ano. E os sinais não são bons. A sobreposição de riscos globais e domésticos justifica a revisão para pior do PIB no terceiro trimestre, permitindo desenhar uma recessão superior a 7,0% ao ano.
O primeiro risco é global, como já mostra a cautela dos investidores internacionais em maio. Além das incertezas em relação às questões sanitárias e econômicas³, a maior competição eleitoral nos Estados Unidos tem produzido tensões geopolíticas crescentes com a China. O resultado é a manutenção da aversão a risco global, com reflexos sobre bolsas, commodities, fluxos de capitais e condições financeiras, a despeito de toda a liquidez presente.
Os demais riscos são domésticos. É possível que o País apresente uma saída da pandemia mais lenta que a observada na Ásia e Europa, fazendo com que as limitações de oferta reduzam a eficácia dos estímulos fiscais e monetários concedidos4.
Este quadro justifica o fato de as projeções de PIB para o Brasil serem piores que a média sul-americana, o que pode trazer implicações políticas5. Apesar de o choque atual não ter uma causa local, os impactos mais pronunciados sobre o crescimento podem ser interpretados como erro de gestão pública6, gerando danos à avaliação do governo.
Com maior fragilidade política, aumenta a vulnerabilidade a pressão por mais gastos públicos7. Mesmo com toda a credibilidade do discurso de responsabilidade fiscal, o fato concreto é que ainda não há clareza sobre o tamanho do déficit, o que impede a ancoragem das expectativas. Portanto, mesmo que a popularidade do presidente impeça a antecipação de cenários de ruptura política e a crise diminua as chances da volta do populismo e da paralisia das reformas, as incertezas têm feito com que o Brasil seja visto como mais arriscado que outros emergentes. Este quadro implica prêmios mais altos na bolsa, câmbio e juros e, com isso, aperto das condições financeiras e uma retomada mais lenta da confiança.
Neste ambiente, é provável que as projeções de crescimento continuem piorando. Agora, no entanto, não mais pelos impactos desconhecidos e inesperados da pandemia, mas sim pelo aumento das incertezas políticas.
Roberto Padovani é economista-chefe do Banco BV
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1 Dados coletados pelo Banco Central. Os dados indicam pessimismo crescente com a retomada. Mesmo com uma revisão para pior em cerca de 8 pontos percentuais nas projeções de PIB para este ano, as estimativas para 2021 subiram apenas um ponto percentual, indicando uma mudança mais duradoura nos níveis de produção e consumo.
2 A contração aguda do segundo trimestre colocou o produto em níveis excessivamente baixos e distorcidos, o que faz com que a recuperação tenha também variações expressivas e pouco comuns. A saída do confinamento, mesmo que gradual, poderá ser marcada pelo consumido reprimido e pelos estímulos fiscais e monetários.
3 A possibilidade de novas ondas de contágio pode limitar o ritmo de abertura das economias, gerando incertezas em relação ao cenário de crescimento de 2021.
4 Ver Fragelli, R. e Ferreira, P. C. “O novo anormal”, Valor Econômico, 21 de maio de 2020.
5 A experiência mostra que a popularidade é preservada quando um choque global adverso gera efeitos menores no Brasil que em outras economias. Os anos de 1998 (crise russa) e 2009 (crise financeira) são exemplos de situações em que a população identificou o aumento do desemprego como tendo uma causa essencialmente externa. Mas, ao contrário, o presidente é pior avaliado quando um choque desfavorável produz impactos relativamente maiores no País, movimento percebido como sinal de má gestão. Foi a história da recessão de 2014, quando as distorções e fragilidades domésticas potencializaram o choque externo.
6 Abrão, Ana Carla “Mais que palavras”, o Estado de São Paulo, 12 de maio de 2020; e Ajzenman, N., Cavalcanti, T. e Da Mata, D. “More than Words: Leaders’ Speech and Risky Behavior During a Pandemic”, May/2020.
7 Eurasia Group, “Bolsonaro’s snub of economy minister a bad sign for coming fiscal debate”, 7/may/2020.
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