Estimados João Batista e Miguel Daoud Sou solidário a sua indignação em relação ao descaso do Governo Federal frente ao cuidado necessário à sanidade animal, que diga-se de passagem é questão de soberania nacional. Porém, frente a esta caótica situação de desmando, me vem a memória uma outra questão. Sou médico veterinário e trabalhei na área avícola na cidade de Crespo, Província de Entre Rios, Argentina, no período de janeiro de 2001 a setembro de 2003. Pois bem, pouco antes de transferir-me para a Argentina, mais precisamente em agosto de 2000, houve o surgimento de focos de febre aftosa no município de Jóia, cidade vizinha da minha, inclusive com fortes suspeitas de que teria vindo “de presente” junto com animais contrabandeados do norte argentino para um assentamento localizado em Jóia. Após a interdição do trânsito de animais na região, as propriedades que tiveram animais diagnosticados como positivos tiveram seus rebanhos eliminados sob o nome de “rifle sanitário”, sendo que ainda existem proprietários que não receberam sua indenização por parte dos governos estadual e federal. Quando fui para a Argentina, ao chegar em Entre Rios me deparei com a seguinte situação: ao invés de ter um foco em uma determinada cidade, fiquei sabendo que nas províncias fronteiriças com o Brasil (Entre Rios, Corrientes e Missiones) havia sim uma epidemia de febre aftosa. O espanto maior foi saber que não foi sacrificado nenhum animal para o controle da situação, sendo muitas vezes indicado o abate imediato dos animais nos frigoríficos e aproveitamento da carne no mercado interno argentino. Antes de ir para a Argentina eu havia trabalhado em uma grande empresa avícola brasileira em Santa Catarina, onde pude apreciar o rígido controle que o Serviço de Inspeção Federal faz nas linhas de abate dos frigoríficos, com a presença permanente de auxiliares de inspeção na linha de abate e veterinários durante todo o tempo necessário na empresa. Nesta outra empresa que fui trabalhar na Argentina, fiquei estarrecido ao saber que o veterinário da SENASA que deveria inspecionar o abate também era responsável por mais 6 (isso mesmo, seis) outros frigoríficos, tanto de aves como bovinos. Agora o pior de tudo: as exportações de carne Cota Hilton da Argentina cresceram em torno de 20 vezes mais que as exportações de carne Cota Hilton do Brasil no ano de 2001, logo após o surgimento da febre aftosa. Por que? Porque se os investidores internacionais não retirassem o dinheiro deles naquela época de forte crise argentina na forma de carne, leite, petróleo e cereais (trigo, soja e milho), iriam resgatar seus capitais como? Quando iremos decretar nossa soberania? Quando nos daremos conta de que este país é o verdadeiro celeiro do mundo? Quero ver os japoneses comendo computadores, os chineses comendo produtos manufaturados, os venezuelanos e os árabes comendo petróleo, os estadoo-unidenses comendo seus “progressos”... E nós continuamos pensando que a solução é produzir mais e investir em tecnologia para ter melhor produtividade no campo... A solução é produzirmos com baixa tecnologia (para ter o menor custo de produção possível), até porque se ficarmos sem produzir nada transformaremos o país em um imenso assentamento por considerarem que nossas áreas não cumprem a função social, e buscarmos o cultivo de produtos de subsistência da família produtora, dispensar os funcionários que estiverem envolvidos na produção “comercial” e declararmos moratória de todos os compromissos bancários, além de somente comercializarmos o estritamente necessário para a nossa sobrevivência. Sabe o motivo disso não acontecer? O produtor não se conforma com a idéia de que ele está pobre, e cada dia mais. É a classe mais desunida que existe neste Brasil. O produtor está adiando a morte com um funeral mais pobre. Se iria ser sepultado em um caixão de segunda hoje, amanhã terá somente um saco plásico... Desculpa-me por ter me prolongado, mas a minha indignação com tudo isso é muito grande, assim como percebi a tua no programa de hoje no início da tarde, que sempre acompanho, ainda mais por ser filho de produtor rural e felizmente ver a propriedade de meu pai sendo sub aproveitada por ver que a atividade está sendo anti-econômica. Grande abraço Marcelo Cerutti de Castro
Estimados João Batista e Miguel Daoud Sou solidário a sua indignação em relação ao descaso do Governo Federal frente ao cuidado necessário à sanidade animal, que diga-se de passagem é questão de soberania nacional. Porém, frente a esta caótica situação de desmando, me vem a memória uma outra questão. Sou médico veterinário e trabalhei na área avícola na cidade de Crespo, Província de Entre Rios, Argentina, no período de janeiro de 2001 a setembro de 2003. Pois bem, pouco antes de transferir-me para a Argentina, mais precisamente em agosto de 2000, houve o surgimento de focos de febre aftosa no município de Jóia, cidade vizinha da minha, inclusive com fortes suspeitas de que teria vindo “de presente” junto com animais contrabandeados do norte argentino para um assentamento localizado em Jóia. Após a interdição do trânsito de animais na região, as propriedades que tiveram animais diagnosticados como positivos tiveram seus rebanhos eliminados sob o nome de “rifle sanitário”, sendo que ainda existem proprietários que não receberam sua indenização por parte dos governos estadual e federal. Quando fui para a Argentina, ao chegar em Entre Rios me deparei com a seguinte situação: ao invés de ter um foco em uma determinada cidade, fiquei sabendo que nas províncias fronteiriças com o Brasil (Entre Rios, Corrientes e Missiones) havia sim uma epidemia de febre aftosa. O espanto maior foi saber que não foi sacrificado nenhum animal para o controle da situação, sendo muitas vezes indicado o abate imediato dos animais nos frigoríficos e aproveitamento da carne no mercado interno argentino. Antes de ir para a Argentina eu havia trabalhado em uma grande empresa avícola brasileira em Santa Catarina, onde pude apreciar o rígido controle que o Serviço de Inspeção Federal faz nas linhas de abate dos frigoríficos, com a presença permanente de auxiliares de inspeção na linha de abate e veterinários durante todo o tempo necessário na empresa. Nesta outra empresa que fui trabalhar na Argentina, fiquei estarrecido ao saber que o veterinário da SENASA que deveria inspecionar o abate também era responsável por mais 6 (isso mesmo, seis) outros frigoríficos, tanto de aves como bovinos. Agora o pior de tudo: as exportações de carne Cota Hilton da Argentina cresceram em torno de 20 vezes mais que as exportações de carne Cota Hilton do Brasil no ano de 2001, logo após o surgimento da febre aftosa. Por que? Porque se os investidores internacionais não retirassem o dinheiro deles naquela época de forte crise argentina na forma de carne, leite, petróleo e cereais (trigo, soja e milho), iriam resgatar seus capitais como? Quando iremos decretar nossa soberania? Quando nos daremos conta de que este país é o verdadeiro celeiro do mundo? Quero ver os japoneses comendo computadores, os chineses comendo produtos manufaturados, os venezuelanos e os árabes comendo petróleo, os estadoo-unidenses comendo seus “progressos”... E nós continuamos pensando que a solução é produzir mais e investir em tecnologia para ter melhor produtividade no campo... A solução é produzirmos com baixa tecnologia (para ter o menor custo de produção possível), até porque se ficarmos sem produzir nada transformaremos o país em um imenso assentamento por considerarem que nossas áreas não cumprem a função social, e buscarmos o cultivo de produtos de subsistência da família produtora, dispensar os funcionários que estiverem envolvidos na produção “comercial” e declararmos moratória de todos os compromissos bancários, além de somente comercializarmos o estritamente necessário para a nossa sobrevivência. Sabe o motivo disso não acontecer? O produtor não se conforma com a idéia de que ele está pobre, e cada dia mais. É a classe mais desunida que existe neste Brasil. O produtor está adiando a morte com um funeral mais pobre. Se iria ser sepultado em um caixão de segunda hoje, amanhã terá somente um saco plásico... Desculpa-me por ter me prolongado, mas a minha indignação com tudo isso é muito grande, assim como percebi a tua no programa de hoje no início da tarde, que sempre acompanho, ainda mais por ser filho de produtor rural e felizmente ver a propriedade de meu pai sendo sub aproveitada por ver que a atividade está sendo anti-econômica. Grande abraço Marcelo Cerutti de Castro