Um funeral para o agronegócio

Publicado em 07/02/2011 09:05
Por André Meloni Nassar, diretor-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone).
Lendo o decreto do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) e os esclarecimentos sobre como o processo de consulta à sociedade foi feito, sou induzido a chegar à seguinte conclusão: o agronegócio não interessa à sociedade e ao governo brasileiros, pelo menos sob a perspectiva de garantia de direitos humanos. Diria, portanto, que conceitualmente o PNDH-3 enterra o agronegócio e atesta seu óbito no Decreto 7.037, datado de 21 de dezembro de 2009.

Os argumentos para o funeral do agronegócio, extraídos do atestado de óbito: o agronegócio contribui para, potencialmente, violar o direito de pequenos e médios agricultores e populações tradicionais; seus componentes, as monoculturas da cana-de-açúcar, do eucalipto, da soja e a grande pecuária (não sabia que havia a pequena pecuária), fazem mal ao meio ambiente e à cultura dos povos e comunidades tradicionais. Ainda estou meio fora de prumo com o julgamento do agronegócio que é apresentado no PNDH-3.

Por mais que tente colocar-me no lugar das pessoas que participaram da elaboração do PNDH, tenho dificuldades em enxergar esse "agronegócio do mal" refletido no programa. Posso entender que exista uma corrente neste governo que acredite em outro modelo de produção agropecuária e florestal. Vá lá. Mas daí a afirmar que o agronegócio vai contra os interesses do Brasil em direitos humanos me parece algo fora de propósito e baseado numa hipótese heroica - ou seja, impossível de ser provada -, a de que a produção agropecuária não baseada no agronegócio (seja lá o que isso for) respeita os direitos humanos e o meio ambiente. Difícil de acreditar.

As manifestações passionais sobre o agronegócio que aparecem no PNDH não são fato isolado. A contestação do modelo que o Brasil seguiu na produção de alimentos, fibras, biocombustíveis e matérias-primas industriais de base agrícola e florestal tem se repetido em outros fóruns e ocasiões. O PNDH, a meu ver, foi o canal encontrado para tentar (espero que sem êxito) criar instituições que viabilizem a implantação de um novo modelo. Se, de fato, a sociedade brasileira fosse capaz de se imaginar com um modelo de produção agropecuária e florestal do tipo do da Índia, que é o que os contra-agronegócio, no fundo, defendem, ela barraria qualquer tentativa de enterrar o agronegócio como o conhecemos hoje.

O interessante é que o agronegócio nem sempre foi visto como vilão. É uma espécie de moda: daqui a algumas estações, muda a tendência de novo. Se o funeral do agronegócio foi em 2009, seu surgimento ocorreu em 1990, tudo registrado no livro Complexo Agroindustrial: o Agribusiness Brasileiro. Foi uma morte precoce, não? À época, os autores do livro nem poderiam imaginar que definir as cadeias produtivas de base agrícola e florestal como agronegócio produziria seu próprio calvário 20 anos depois. Deve haver alguma explicação no inconsciente coletivo dos "esclarecidos brasileiros". Colocada a designação agronegócio, já se ganha a pecha de algo ruim, que a sociedade brasileira não merece.

A despeito da nossa memória curta, o agronegócio brasileiro já teve seus dias de glória. Há dez anos era ovacionado mundo afora. Ninguém conseguia entender como um agronegócio tão jovem pôde ter crescido tão rápido. Foi nessa época que um sem-número de estrangeiros passou a conhecer o Brasil mais de perto. Mas não era apenas fora do Brasil que havia essa admiração. Aqui dentro, também. Dizia-se que o agronegócio era responsável por gerar divisas para o balanço de pagamentos brasileiro. Reconhecia-se que o setor havia trazido desenvolvimento para o interior do País, financiando as atividades econômicas que permitiram o nascimento de diversas cidades. E se via o agronegócio como uma solução para parte dos problemas dos agricultores familiares, porque, por meio das cadeias agroindustriais organizadas, estes tinham acesso ao mercado.

Ao longo dos anos 2000 as coisas foram mudando. Ganharam força no governo as linhas de pensamento que acham que um modelo de produção agropecuária baseado em milhões de pequenos produtores seria ambiental e socialmente melhor. Eu não acredito nisso. Os resultados do Censo Agropecuário de 2006 ilustram bem a situação. Até para poder reafirmar as classificações de tipos de produtores definidas no passado, o censo de 2006 trouxe dados de agricultores familiares e assentados em separado. Na grande maioria dos produtos, o censo indica que a produtividade (quantidade de produto por unidade de área) dos agricultores assentados é menor que a da média dos agricultores familiares e comerciais. Isso indica que uma agricultura estruturada em pequenos agricultores pode até ser boa para segurar o homem no campo, mas não será boa para o consumidor urbano.

Os casos da China e da Índia, que têm um modelo de agricultura parecido com o ideal do grupo antiagronegócio, são ilustrativos. A pobreza no campo é muito maior que no Brasil, os problemas ambientais são muito mais profundos, porque os produtores utilizam tecnologias rudimentares de produção. O consumidor urbano tem problemas de segurança alimentar porque o setor agrícola produz menos do que o país consome. O governo é obrigado a gastar enormes quantidades de dinheiro subsidiando o produtor e o consumidor, perpetuando uma agricultura de baixa produtividade, e não consegue fazer políticas de renda no campo porque o contingente de pessoas vivendo na pobreza no meio rural é muito grande.

Cobrar as responsabilidades sociais e ambientais do agronegócio faz sentido. Carrear grande parte dos subsídios agrícolas para fortalecer os agricultores familiares, também. Criar instituições baseadas na hipótese de que o modelo de agronegócio é ruim para a sociedade brasileira é um erro. Já devíamos saber disso aqui, no Brasil.

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Fonte:
André Meloni Nassar

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7 comentários

  • Telmo Heinen Formosa - GO

    A repercussão desta noticia mede o interesse do nosso setor nos assuntos em que está envolvido. Nossa turma é craque em 'chorar' pelo Leite derramado, acho que faz mais de ano que o André Nassar escreveu este artigo.

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  • Flávio Pompei Uberaba - MG

    Caro André, infelizmente lamentações não tem valor de mercado. Os "eufóricos torcedores" do agronegócio tem responsabilidade grande pela perpetuação das PeTralhices como as PNDH-3. Afinal, de cada 3 votos nessa gente que continua 1 procedeu diretamente da agricultura. Agora só teremos nova chance de mudanças daqui a 4 anos. Até lá teremos que "aguentar" essa falta de visão de futuro, porque não exercitamos a altivez e o discernimento que estamos cobrando do governo. Mais de 50% escolheu isso que chamam de governo, um "saco de gatos" sem rumo e sem filosofia para a nação. Auguro que a nossa agropecuária lembre bem disso na próxima eleição, para que não tenha que continuar "chorando sobre o leite derramado".

    Não é justo querermos políticos com visão de futuro elegendo essa "gentalha" sem visão. O que teremos, por 4 anos, será a falta de visão e dentro dessa realidade desconfortável que teremos que encontrar nossas alternativas. Ou nos organizamos daqui para frente, ou nos organizamos... são as alternativas. Boa sorte, porque iremos precisar dela.

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  • EDILSON PEREIRA Recife - PE

    Oxalá, você tivesse razão Kleber.

    Infelizmente, perdi o privilégio de ignorância, pois tenho mais de 30 anos na lida com o campo, com os "homens do interior" e com o Agronegócio.

    Talvez não tenha me expressado direito e peço desculpas por isso.

    Conheço muito bem o tal "agronegócio", inclusive assisti o nascimento dessa expressão, nos idos de 1991.

    Enfatizo que existe um abismo intransponível entre o agricultor profissional e, os que " o governo e estudiosos chamam de "agricultores familiares". Esses últimos, quase só existem nas estatísticas e nos "livros". E, quanto aos primeiros, se não se integrarem a política "global" das commodities, também se extinguirão.

    A razão é muito simples, produzir leite, arroz, feijão, ovos e carne é muito mais caro e complicado do que produzir soja, algodão e cana-de-açúcar. E, se os grandes não conseguem fazê-lo de forma rentável, quem dirá os pequenos e os “calouros”.

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  • CLEBER REYNALDO ARAUJO DA SILVA PALMAS - TO

    Caros, creio q o sr. Edilson deve ser o cidadão urbano q conhece o meio rural através de livros. Por isso concordo com o sr. Schurt e revelo q parei de produzir e espero q os produtos agropecuarios fiquem mais caros td dia. A situação do produtor é mto mais nefasta, a consequência é q gdes grupos americanos, europeus e até argentinos estão comprando terras no Brasil, por meio de empresas de fachada.

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  • Gerd Hans Schurt Cidade Gaúcha - PR

    Para terminar com essa ladainha contra o produtor rural sugiro que devemos parar de vez. O resultado, tenho certeza que vai aparecer, quando deixarmos de comprar e principalmente de produzir alimentos.

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  • Paulo de Tarso Pereira Gomes Brazópolis - MG

    Eu que tanto lutei contra a ditadura militar, não podia imaginar que com a Globalização o sentimento nacionalista dos brasileiros foram para o espaço, hoje os produtores rurais são cidadãos de segunda classe e os ecoterroristas da sos mata atlantica e greenpeace tem mais voz nesse nefasto governo petista com seus vagabundos "intelectuais de esquerda", que me desculpe o pessoal da esquerda ideologica e pura.

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  • EDILSON PEREIRA Recife - PE

    Caro André,

    Muito oportuno o seu artigo.

    Aproveito o contexto "Fúnebre" para afirmar que estou convicto de que os nossos "moradores do interior" estão mais para "carpideiras" do que para homens rurais.

    Um breve olhar sobre "Raízes do Brasil" poderia enterrar esse "mito" na mesma cova do Agronegócio.

    Aproveito para recomendar a leitura do Livro: "A Guerra Pelos Alimentos", de Walden Bello.

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