Café: ESG se manteve em evidência na agenda doméstica e internacional em 2022
*Por Marcos Matos e Silvia Pizzol - Diretor Geral e Gestora de Sustentabilidade do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé)
Apesar dos desafios geopolíticos e econômicos, a busca pela neutralidade climática e a preservação da biodiversidade esteve em evidência na agenda regulatória global em 2022, com impactos nas relações de comércio. Paralelamente a essas discussões, a tendência de aperto regulatório indica um caminho sem volta para mais transparência e prestação de contas ao longo das cadeias de fornecimento globais em relação à proteção ambiental e ao respeito aos direitos humanos.
Na agenda regulatória externa, a emergência de novas normas unilaterais, que visam coibir o comércio de commodities relacionadas a desmatamento, geram incertezas em tempos de enfraquecimento da Organização Mundial de Comércio (OMC). O Cecafé se engajou nas discussões e consultas públicas promovidas por Reino Unido, Estados Unidos e União Europeia ao longo de 2022, sempre destacando a responsabilidade socioambiental da cafeicultura brasileira e os riscos de exclusão social e de aumento dos custos de transação ao longo da cadeia produtiva dos cafés do Brasil.
Como parte das estratégias relacionadas à neutralidade climática e à proteção da diversidade, a União Europeia intensificou, em 2022, as discussões sobre um novo regulamento a respeito do Uso Sustentável de Pesticidas, propondo metas vinculativas para redução da aplicação desses insumos químicos. Na prática, esse plano, que é parte do Green Deal, já produziu efeitos na redução de Limites Máximos de Resíduos (LMRs) em território europeu, com base em critérios ambientais, para ingredientes ativos que são parte da estratégia de proteção fitossanitária de várias culturas produzidas em regiões tropicais, incluindo o café.
Ainda relacionado ao Green Deal, a União Europeia chegou a um acordo, no final de 2022, para reformar seu mercado de carbono, que é o maior do mundo, apertando as regras para setores regulados, visando reduzir o teto de suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 62% até 2030, além de prever a inclusão de novos segmentos econômicos. Entre as mudanças, está a criação do imposto de fronteira (CBAM, em inglês), uma sobretaxa para determinados produtos importados de acordo com sua pegada de carbono.
Embora o café não esteja listado entre os produtos a serem afetados pelo CBAM, o monitoramento desses movimentos regulatórios esteve no radar do Cecafé com o objetivo de prevenir riscos futuros ao comércio e de avaliar o impacto na precificação dos créditos de carbono. Conforme publicação do portal Reset, os preços no mercado de carbono europeu apresentaram forte trajetória de alta nos últimos dois anos, sob a expectativa de regras mais restritivas. Em agosto, a tonelada equivalente de carbono atingiu € 99.
Na dimensão social, a Comissão Europeia adotou, em fevereiro de 2022, uma proposta de diretiva sobre a devida diligência em matéria de sustentabilidade corporativa, visando ancorar os direitos humanos, além de aspectos ambientais, na governança corporativa das empresas. As regras em discussão estendem-se a fornecedores fora da UE e buscam assegurar que as empresas abordem os impactos negativos das suas ações e atividades.
A proposta surge após uma onda recente de legislações de Membros da UE, a exemplo de França (2017), Países Baixos (2019) e Alemanha (2022), que passaram a adotar a devida diligência obrigatória em diretos humanos, exigindo das empresas identificar, prever, mitigar e responder pelos danos causados ou para os quais contribuíram.
Na agenda regulatória doméstica, 2022 também trouxe importantes avanços na responsabilidade socioambiental, que estão alinhados às emergentes exigências internacionais. Em relação à proteção da vegetação nativa, o Decreto 11.015/2022 contribui para a implementação do Código Florestal ao instituir o Plano Nacional para a Regularização Ambiental dos Imóveis Rurais – RegularizAgro, que promoverá a integração de dados e sistemas, catalisando a conjugação de esforços e ações da União e das unidades federativas para a efetiva execução dos planos de regularização ambiental dos imóveis rurais.
Visando a incentivar a adoção de práticas de agricultura de baixo carbono, o Plano Safra 2022/23 destinou R$ 6,19 bilhões para a mitigação das mudanças climáticas, o maior volume de recursos da história do Plano ABC+, fomentando o sequestro de carbono da atmosfera via mais eficiência produtiva e conservação de solo, água e vegetação. Ademais, produtores que adotam essas práticas foram autorizados a acessar o seguro rural com condições mais atrativas.
Na dimensão social, o Ministério do Trabalho e Previdência lançou o Programa Trabalho Sustentável, que tem por objetivo promover a conduta empresarial responsável e o trabalho decente, com foco em algumas cadeias produtivas, entre elas a do café. O Programa tem sido uma importante fonte de informações sobre aplicação da legislação trabalhista no campo, disponibilizando orientações específicas para a contratação de frentes de trabalho para a colheita do café.
Em linha com todos esses avanços, o Cecafé, como representante do segmento exportador, investiu no fortalecimento de sua agenda de responsabilidade socioambiental, no ano passado, desenvolvendo projetos pioneiros e se engajando em ações coletivas.
Um destaque foi o “Projeto Carbono Etapa Arábica”, desenvolvido sob a liderança técnico-científica do Prof. Carlos Cerri (Esalq/Usp) e do Imaflora, que avaliou o impacto da transição de práticas convencionais, em fazendas de café de Minas Gerais, para aquelas que aportam mais matéria orgânica no solo e o mantêm sob cobertura vegetal. O resultado destaca a magnitude do serviço ambiental associado aos cafés do Brasil, pois foi obtido um balanço negativo de carbono da ordem de 10,5 t CO2eq/ha de café cultivado. Em 2023, o Cecafé promoverá a “Etapa Conilon” de seu Projeto Carbono, no Estado do Espírito Santo.
Em atenção às normas internacionais emergentes de segurança alimentar, o Cecafé desenvolveu seu mais amplo Projeto de Monitoramento de Resíduos, cujos resultados atestaram o respeito às boas práticas agrícolas no campo e os desafios que emergem de decisões unilaterais, sem embasamento científico, em importantes mercados de destino para o café brasileiro. Além disso, os dados do Projeto Cecafé permitiram parceria com importadores europeus para a promoção de estudos científicos visando adequar processos regulatórios em andamento na UE, com impacto no fluxo de comércio dos cafés do Brasil.
A iniciativa coletiva de “Bem-estar Social na Cafeicultura Brasileira”, da qual o Cecafé é um dos coordenadores, avançou em 2022 favorecendo a promoção do trabalho decente e a melhoria contínua do ambiente de laboral no setor café. Importante componente desta ação foi a mensuração da renda digna dos cafeicultores, valorizando o pilar econômico da sustentabilidade.
O Cecafé também trabalhou e investiu no desenvolvimento de um ambiente virtual para promover a inclusão digital e a capacitação de agricultores e trabalhadores em práticas sustentáveis e alinhadas às normas de segurança alimentar. Em parceria com a Plataforma Global do Café (GCP), o Cecafé lançará a Plataforma EAD de seu Programa Produtor Informado, em 2023, visando à disseminação de boas práticas agrícolas, ambientais e sociais no campo.
O segmento exportador de café inicia 2023 com um cardápio de ações estratégicas, com foco na responsabilidade socioambiental, para que o Brasil continue atendendo, com excelência, à demanda mundial crescente por cafés sustentáveis.
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