‘Sou contra isolamento sem sintomas do vírus’ , diz infectologista da USP
Artigo do reconhecido infectologista Esper Kallás, titular de Imunologia Clínica e Alergia de Medicina da USP:
Sou contra regime de quarentena sem sintomas e não concordo com fechamento de fronteiras por causa do corona vírus. Acredito, sim, em isolamento sintomático: isto é, quando o indivíduo começa a sentir os efeitos da contaminação já descritos, ele tem que se isolar. Esse abrandamento seria possível se conseguíssemos frear, um pouco, a disseminação do vírus. Como? Investindo em testes para diagnóstico em larga escala. Não é tarefa fácil, mas foi o que mais funcionou em Cingapura, Coreia do Sul, Alemanha e Hong Kong. Todos adotaram essa estratégia e estão observando menores taxas de morte em decorrência do Covid-19. A pessoa tem sintomas, faz o teste e tem resultado rápido. Se for positivo, vai para casa e evita contato com idosos e pessoas doentes. A escassez de insumos e a logística complicada no País são grandes obstáculos, mas não intransponíveis. Acho que vale a pena tentar, mas temos pouco tempo.
Além do impacto na saúde das pessoas, o Covid-19 traz outra ameaça que é o apagão econômico. Não dá para parar tudo por muito tempo. Num país com cerca de 40% das pessoas dependentes de trabalho informal, muita gente vai ficar sem ganhar nada e passar fome. Quando os matemáticos projetam os modelos da pandemia, costumam só contar os casos de doença, mas a gente não se atenta para os que não conseguirão acesso ao remédio no dia a dia, não poderão ir ao hospital, não terão dinheiro para necessidades básicas. É preciso ter sensibilidade para a dificuldade que teremos e encontrar o momento, o mais cedo possível, para restabelecer atividades em escolas, empresas e mobilidade.
Há muita gente tentando aprender com a pandemia. É nessas horas que os cientistas precisam arregaçar as mangas, apoiados por todos. Os profissionais da saúde, cada descoberta, trazem uma ferramenta nova que ajuda a evitar ou tratar muitos casos. Imagina se descobrimos um remédio que funciona. Os cientistas precisam agir rápido, pois os casos graves estão nos nossos calcanhares. A USP, bem como também várias outras instituições de ensino e pesquisa brasileiras, já entrou nesse caldeirão e precisa de suporte.
Desde que decidi ser infectologista, inspirado pelo médicos Guido Levi e João Mendonça, sempre estudei epidemias. E já vivi algumas, incluindo AIDS, gripe suína, ebola e zika. Mas nunca imaginei uma pandemia como o do Covid-19. Meus colegas infectologistas – embora assustados com a dimensão do problema – exercem nossa especialidade para enfrentar momentos como esse. O mesmo vale para profissionais de saúde na linha de frente: pneumologistas, intensivistas, epidemiologistas, enfermeiras, auxiliares, farmacêuticos, suporte administrativo, os que limpam os quartos. É emocionante a dedicação de todos. São os atuais heróis da sociedade.
O Covid-19 começou como algo distante. Parecia mais um surto localizado na longínqua China, que, como outros surtos de coronavírus no passado, teria duração curta e esgotaria por lá. Infelizmente estava errado. Foi se alastrando e, por onde passava, criava um impacto muito grande, especialmente nos serviços de saúde. Do Leste da Ásia chegou à Pérsia, veio ao Oriente Médio e chegou na Europa e na América do Norte. E, claro, não iria poupar a América do Sul.
A pandemia, decretada pela OMS no último dia 11, é causada por um vírus muito transmissível. Espalha com muita facilidade. O que a gente ainda não sabe é qual a porcentagem da população pode se infectar durante essa onda de transmissão. Enxergamos as pessoas que tem doença mais grave, seguido daquelas com sintomas mais intensos, depois os que têm sintomas leves. Mas não vemos quem pega o vírus e não tem nada ou que tem algo leve. Principalmente porque o exame para coronavírus, nessas pessoas, não ajuda.
Pelo contrário. Há quem esteja fazendo exame, um atrás do outro, sem sentir nada. Isso lota as filas dos laboratórios só porque ‘a tia da vizinha do sobrinho da madrasta acha que pegou’. O teste é ruim em quem não tem sintomas, mesmo porque o resultado pode vir mesmo que você tenha pego o vírus. Há prazo de incubação e o exame negativo dá falsa sensação de segurança. E o infectado ‘vai visitar o vovô alguns dias depois’, transmitindo o vírus para quem mais risco corre.
A cada dia que passa, acredito em mais gente infectada. Não sabemos como o vírus se comportará no Brasil. Estamos no calor. Não dá para dizer que será a mesma coisa vista na China ou Europa. A gente precisa se preparar para cuidados mais graves. Rever e equipar as UTIs, fazer contingenciamento, preparar o pessoal da saúde, adquirir tudo o que precisa para o melhor atendimento possível. O Brasil é desigual e veremos realidades diferentes. É muito duro estar na pele de um membro da equipe técnica do Ministério da Saúde ou das Secretarias Estaduais ou Municipais de Saúde. A gente precisa ter paciência e dar apoio a esses colegas, senão eles não aguentam.
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