"O impeachment silencioso", artigo de DEMETRIO MAGNOLI na FOLHA DE S. PAULO

Publicado em 28/03/2015 10:59
e mais artigos de articulistas da FSP (imperdíveis!!!)

O impeachment silencioso

por DEMETRIO MAGNOLI, na FOLHA DE S. PAULO (edição deste sábado)

Dilma Rousseff "está numa armadilha", diagnosticou FHC à Folha (26/3). "Ela não tem o que fazer. O que tinha, já fez: nomeou o Levy. E isso só aumenta a armadilha, porque agora ela não pode demitir. É refém dele." O diagnóstico está certo, mas ilumina só um terço do cenário. A presidente é refém, igualmente, do PMDB (de fato, do trio Renan Calheiros/Eduardo Cunha/Michel Temer) e do lulopetismo (de fato, de Lula e dos movimentos sociais que operam ao redor dele). Numa entrevista ao "Estadão", Eduardo Graeff explicou que o governo Dilma "chegou ao fim". É verdade: imobilizada na armadilha triangular, sem "credibilidade" nem "capacidade de ação política" (FHC), Dilma reduziu-se a "uma assombração política" (Graeff). Já aconteceu um impeachment tácito, informal.

Levy é proprietário da credibilidade econômica. O ministro funciona como uma delgada película que separa a economia de um catastrófico rebaixamento pelas agências de rating. Dilma não pode demiti-lo pois, sem a promessa do ajuste fiscal que ele personifica, o país seria tragado no vórtice da fuga de capitais. Mas, como registrou FHC, "a racionalidade econômica pura esmaga tudo" –ainda mais, acrescente-se, quando essa "racionalidade" está contaminada pelo dogma ideológico do equilíbrio fiscal a qualquer custo. O ajuste sem reformas estruturais de Levy, complemento simétrico da farra fiscal de Mantega, não serve ao país, mas conserva no Planalto a "assombração" de uma presidente sem poder.

O trio peemedebista é proprietário da maioria no Congresso, que hoje se forma pela oscilação do PMDB entre o governo e a oposição. Dilma não pode confrontá-los, pois eles empunham o sabre do impeachment formal e o fazem girar, sadicamente, em torno do pescoço da presidente. O jogo da chantagem, uma norma do nosso doentio "presidencialismo de coalizão", atinge níveis agônicos. Os chefões do PMDB utilizam esse poder extraordinário em nome dos seus próprios interesses, desenhando a reforma política que lhes convêm e articulando com o governo os acordos de leniência destinados a resgatar as empreiteiras do "petrolão".

Lula, com seu cortejo de movimentos sociais (CUT, a UNE, o MST), é proprietário da sustentação partidária de Dilma. O candidato declarado às eleições de 2018 pode cortar, num momento conveniente, o tubo do regulador que ainda fornece ar comprimido ao fantasma do Planalto. Os andrajos da autonomia da presidente, que atendem pelos nomes de Aloizio Mercadante, Miguel Rossetto e Pepe Vargas, já foram descartados no cesto de roupa suja. Nas ruas, dia 31, repetindo o dia 13, o "exército" de Lula, força mercenária em declínio, não oferecerá um contraponto impossível às manifestações anti-Dilma, mas cobrará novos gestos de submissão da "companheira". Eles exigem iniciativas simbólicas (e verbas publicitárias sonantes), destinadas a compensar a militância pela dores do apoio ao ajuste fiscal.

No presidencialismo, o chefe de Estado não pode tudo –mas tem o poder de determinar os rumos estratégicos do governo. A legitimidade emanada do voto popular é o ativo intangível que proporciona ao presidente o poder de contrariar interesses entranhados no sistema político. FHC confrontou o conjunto da elite política ao estabelecer a Lei de Responsabilidade Fiscal. No seu primeiro mandato, Lula confrontou o PT ao conservar o tripé da estabilidade macroeconômica herdado de seu antecessor. Capturada na teia da mentira, Dilma perdeu a legitimidade concedida pelos eleitores. Sem o rito da denúncia, processo e julgamento, a presidente sofreu um impeachment silencioso.

Assombrado pela figura errante da presidente destituída, o Planalto está entregue ao triângulo de beneficiários do impeachment silencioso, que agem em direções diferentes, sob motivações distintas. O desgoverno não pode perdurar por quatro anos.

 

Um país nas cordas

por LUIZ FERNANDO VIANNA, na Folha deste sábado

RIO DE JANEIRO - As forças políticas do país estão desafiando as leis da física. Têm esticado as cordas até o limite da irresponsabilidade. Se ninguém ceder, elas vão arrebentar.

A militância petista –hoje mais virtual do que presencial– e os dirigentes do partido insistem que integram um núcleo de virtuosos perseguidos pela "mídia burguesa". Escolheram ser os violinistas do "Titanic". Continuam tocando enquanto o navio afunda.

Dos tucanos não se ouve uma ideia original. Fazem oposição escondidos na barra da saia do PMDB. Torcem para o barco ir a pique travestidos de Linda Batista: "Eu não quero mais nada/ Só vingança, vingança, vingança".

O ministro Joaquim Levy faz jus à fama que tem e não abre mão dos cortes que considera necessários. Contra ele estão governadores, prefeitos, sindicalistas, parlamentares bem e mal intencionados. Se conversas não forem abertas e acordos não forem fechados, a economia mergulhará no brejo.

O governo não se defende pedindo desculpas pelos erros nem parte para o ataque botando o dedo na cara de seus algozes. Está imobilizado e sem voz. Diante da fraqueza do governo, setores da imprensa trabalham sem disfarces para acelerar a volta ao poder de seus homens de confiança.

Nas passeatas dominicais, as legiões de verde e amarelo pedem o pescoço de Dilma. Acham que, trocando-se a cabeça, todo o corpo será regenerado. Miram de antolhos o futuro.

E ainda falta um personagem: quem vá às ruas, sem vínculo com partidos, denunciar o Congresso como endereço do que há de pior no momento: projetos obscurantistas e fascistas; sabotagem consciente do país comandada por duas figuras que, investigadas por corrupção, não poderiam presidir a Câmara e o Senado.

O quadro é horrível. Mas ficará pior se ninguém atirar a primeira corda ao chão.

 

Petistas têm de ler Marx

por REINALDO AZEVEDO, que escreve às sextas para a Folha de S. Paulo

Com todos os equívocos que abriga, o "18 Brumário de Luís Bonaparte", de Karl Marx, é um dos grandes livros de política. É leitura obrigatória para esquerdistas e conservadores. Nos anos recentes, estes têm se dedicado mais à teoria do que aqueles, o que é natural: os oprimidos costumam se preparar intelectualmente para a luta com mais afinco do que os opressores, que tendem a substituir a formação pelo proselitismo arrogante.

Quando eu era trotskista e quase criança, havia uma disputa para ver quem sabia quase de cor "O Programa de Transição". Hoje em dia, já percebi, as pessoas não decoram nem a batatinha-quando-nasce da "revolução permanente", apesar da crença fervorosa. Ocorre que a convicção que nasce da ignorância só produz fundamentalismo burro. Adiante.

Por que o "18 Brumário"? Lá está uma das boas frases sobre Luís Bonaparte, o sobrinho que seria o tio redivivo como farsa. O tirano da oportunidade, segundo Marx, vestindo a máscara napoleônica, "se torna vítima de sua própria concepção de mundo" e se transforma no "bufão sério que não mais toma a história universal por uma comédia, e sim a sua própria comédia pela história universal". A síntese, concorde-se ou não com ela, é genial no sintagma, no arranjo de palavras. Acho fascinante esta imagem: pessoas que se tornam "vítimas de sua própria concepção do mundo".

Tenho lido o que escrevem esquerdistas ilustrados sobre a derrocada do petismo. É evidente que não perco meu tempo com blogs sujos, com pistoleiros da internet, com gente incapaz de pensar com a coluna ereta –ou, nos termos celebrizados pelo documento da Secom, ignoro a "munição" que é "disparada" pelos "soldados de fora". Não! Se André Singer escreve nestaFolha, no entanto, presto atenção ao que diz. Não lamento pelos outros. A Singer, dedico duas furtivas lágrimas.

Poucos, como ele, são tão vítimas de sua própria concepção de mundo. Singer avalia que Lula é a causa geradora de um movimento que, potencialmente –e isto digo eu–, pode destruir o próprio PT. Um esquerdista jamais acredita que possa existir algo de novo sob o sol, exceto a antítese liderada pelas forças da reação ou a dor necessária provocada pelas vanguardas disruptivas –nesse segundo caso, ainda que a coisa toda possa ser desagradável no começo, utopistas como Singer sugerem que a gente goza no fim... Nem que seja no fim da história.

Tentei achar nos seus textos onde estão os sujeitos que fazem história fora das hostes da esquerda. Não há. Ou os homens que disputam as narrativas estão engajados num movimento que traz em si o germe da mudança necessária ou estão articulando as forças da reação, o que levaria o mundo a andar pra trás.

É impressionante que mesmo os esquerdistas que leram mais de três livros ignorem que os valores do homem médio –que, no fim das contas, asseguram a estabilidade disso que entendemos como civilização– também podem ser afirmativos, não apenas reativos ou derivados da mobilização esquerdista. Bakunin, numa crítica pela esquerda, apontava "a falta de simpatia" de Marx pela raça humana. A crítica era pertinente. O furunculoso nunca se interessou pelo homem que há, aquele que realmente faz história, mas sempre pelo homem a haver, que existe como projeto.

O petismo perdeu o bonde. Também perdeu a rua, como ficará claro, de novo!, no dia 12 de abril. O petismo já morreu. Tornou-se vítima de sua própria concepção de mundo.

 

O cachorro reaça

por TATI BERNARDES (escreve às sextas, na Folha de S. Paulo)

Lênin, um lulu-da-pomerânia que foi comprado no shopping Higienópolis por R$ 12 mil, não consegue se conformar com seu destino. Seus pais, dois jovens intelectuais bem-nascidos eco hipsters, são de esquerda. Se ele pudesse, diria: "Vocês moram nesse apartamento com pé-direito altíssimo, pagam esse condomínio exorbitante, e, ao invés de promoverem intensas surubas regadas a pó e a vodka Ciroc, ficam lendo e comendo linhaça? Idiotas!".

Lênin tentou mostrar sua revolta mijando, quinzenalmente, na "Carta Capital". Dando patadas violentas no nobreak da Net, toda vez que seu dono entrava no DCM ou no Havana Connection. Acharam que era apenas carência, que ele queria brincar com o "jacarezinho com apito".

Ninguém naquela casa com sal marinho e couve congelada valoriza a opinião política de Lênin, o cachorro reaça. E ele só foi ficando mais enervado, cheio de coceiras, deixando bolotas de fezes pela casa.

Para acalmá-lo, pensaram num adestrador ativista, numa ração orgânica feita por ativistas, num hotelzinho pra cachorro cujos donos são ativistas e servem rações orgânicas, mas sempre que Lênin escuta "ativistas" ou "orgânico" ele se faz de morto e vai parar no petcare do Pacaembu (não se brinca com saúde!). Como Lênin adora! Ele apronta essa de propósito só pra ficar no meio daquela gente cheirosa, como diria sua jornalista preferida! Exame de sangue padrão laboratórios Fleury, ressonância padrão Einstein. Só doente Lênin consegue ter o atendimento VIP que "nasceu pra ter", então ele vive simulando enfermidades.

Indignado quando não ganha gravatinhas azuis pós-banho (seus irmãos, adotados por pais tão mais legais, até colares Swarovski e sapatinhos usam), Lênin puxa papo com Sapeca, um labrador gente boa, e defende a maioridade penal pra oito anos de idade. "Criança é um porre!". Mas Sapeca só chacoalha a cabeça, pensam que é otite, e lá vai ele aturar pomada com antibiótico. Se soubessem que era só lamento aos absurdos de Lênin...

Lênin, o cachorro que se pudesse iria até um cartório Vampré mudar de nome (queria se chamar Campeão ou Farofa), está tomando remédio pra tosse (só está tentando dizer "petraaaaalhas!"). Ele sabe que é um cachorro "da moda" e, por isso, fica fulo quando sua família insiste em tratá-lo como vira-lata. Enquanto não entenderem que ele só quer uma bandana da CBF (porque é contra a corrupção) e um passeio na Paulista, ele segue fazendo "potinhaço" na varanda quando a presidenta aparece na TV.

Seu ódio por cicloativistas é tão grande que Lênin chega a temer que a vacina da raiva não dê conta. Pessoas que gastam mais numa bicicleta do que o porteiro gastou num Corsa usado, mas se acham superiores (esses são pensamentos do cão).

Pessoas que se vestem inteiras de "outfit outlet de Miami" e saem por aí xingando os outros de "camisa polo com brasão" (pensamentos do cão again). Lênin só se acalma quando o taxista malufista amigo passa a mão na sua cabeça.

Certa feita, um desses "night bikers" estava nu (porque, se não bastasse tudo o que ele reivindicava, ele queria reivindicar a natureza de seu corpo oprimido pelo sistema). Lênin tentou matá-lo. Foi quando a coisa piorou muito. Lênin acabou internado. Seus pais são contra "dramas classe média", mas, pra não sacrificar o pequeno endiabrado, contrataram um especialista em psique animal. Diagnóstico: carência, os pais precisam ler menos e brincar mais com o jacarezinho com apito. Lênin, ao ouvir tamanha insensatez, cansado dessa merda toda, começou a bolinar oralmente seu próprio membro. Parou quando viu a cor vermelha.

 

 

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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