Lula volta à ONU com discurso sobre desigualdade e críticas a países ricos

Publicado em 19/09/2023 14:29

Logotipo Reuters

Por Lisandra Paraguassu

(Reuters) - Ao abrir a Assembleia Geral das Nações Unidas, nesta terça-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva trouxe de volta em seu discurso a desigualdade social, a fome e a necessidade de mudanças na governança global em um mundo cada vez mais desigual, em uma fala marcada pela ideia de que "o Brasil está de volta" ao cenário internacional.

"Se hoje retorno na honrosa condição de presidente do Brasil, é graças à vitória da democracia em meu país", afirmou. "O Brasil está se reencontrando consigo mesmo, com nossa região, com o mundo e com o multilateralismo. Como não me canso de repetir, o Brasil está de volta."

A declaração rendeu a primeira de sete rodadas de aplauso recebidas pelo presidente durante seu discurso, que teve críticas duras aos países desenvolvidos e à própria ONU, mas não levantou posições polêmicas sobre temas como a guerra na Ucrânia, citada em meio a outros conflitos no mundo tratados com menos atenção.

O centro de sua fala foi a desigualdade no mundo e a incapacidade das organizações internacionais de ajudar na solução do problema, incluindo a imobilidade das Nações Unidas.

"A comunidade internacional está mergulhada em um turbilhão de crises múltiplas e simultâneas: a pandemia da Covid-19; a crise climática; e a insegurança alimentar e energética ampliadas por crescentes tensões geopolíticas. O racismo, a intolerância e a xenofobia se alastraram, incentivadas por novas tecnologias criadas supostamente para nos aproximar", disse.

"Se tivéssemos que resumir em uma única palavra esses desafios, ela seria desigualdade. A desigualdade está na raiz desses fenômenos ou atua para agravá-los", ressaltou.

Lula lembrou que, a menos de sete anos de cumprir seu prazo, a agenda 2030 da ONU -- os chamados objetivos do milênio, que pretendiam melhorar as condições de vida no mundo -- está praticamente sem avanços.

"A mais ampla e mais ambiciosa ação coletiva da ONU voltada para o desenvolvimento – a Agenda 2030 – pode se transformar no seu maior fracasso", destacou. "O imperativo moral e político de erradicar a pobreza e acabar com a fome parece estar anestesiado.

Organizações de governança mundial em que todos os países tinham voz, afirmou, perderam espaço, enquanto instituições como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial beneficiam países desenvolvidos e "o protecionismo dos países ricos ganhou força".

A desigualdade econômica e política hoje assolam as democracias, afirmou Lula, o que levou a uma "massa de deserdados e excluídos".

"Em meio aos seus escombros surgem aventureiros de extrema-direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas. Muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário", disse.

Lula cobrou uma ação mais efetiva das Nações Unidas, que resgate o que chamou de "melhores tradições humanistas" que inspiraram sua criação.

"A comunidade internacional precisa escolher: de um lado, está a ampliação dos conflitos, o aprofundamento das desigualdades e a erosão do Estado de Direito. De outro, a renovação das instituições multilaterais dedicadas à promoção da paz", afirmou.

O próprio presidente lembrou que, ao fazer seu primeiro discurso, em 2003, levou o tema da fome e da desigualdade à ONU, e voltou a fazê-lo agora. Disse que a desigualdade precisa "inspirar indignação" e que a "ONU precisa cumprir seu papel de construtora de um mundo mais justo, solidário e fraterno."

CONSELHO DE SEGURANÇA

Outro foco das críticas do presidente à governança global foi o Conselho de Segurança da ONU. Ao criticar os conflitos, citou a guerra na Ucrânia como resultado da "incapacidade coletiva" de fazer valer os princípios da carta das Nações Unidas, mas citou ainda o conflito no Iêmen, e as crises na Palestina, Burkina Faso, Gabão, Guiné-Conacri, Mali, Níger e Sudão, no Haiti e na Líbia, além do risco de golpe na Guatemala.

"Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz. Mas nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo. Tenho reiterado que é preciso trabalhar para criar espaço para negociações", disse. "Os conflitos armados são uma afronta à racionalidade humana."

A maior crítica foi dirigida justamente ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, sobre o qual o Brasil cobra há pelo menos três décadas uma reforma no modelo que deu a Estados Unidos, Reino Unido, França, China e Rússia -- os vencedores da 2ª Guerra Mundial -- assentos permanentes e poder de veto.

Nos últimos 20 anos, os principais conflitos mundiais passaram por ações unilaterais desses mesmos membros permanentes, como as invasões do Iraque pelos Estados Unidos e da Ucrânia, pela Rússia.

"O Conselho de Segurança da ONU vem perdendo progressivamente sua credibilidade. Essa fragilidade decorre em particular da ação de seus membros permanentes, que travam guerras não autorizadas em busca de expansão territorial ou de mudança de regime. Sua paralisia é a prova mais eloquente da necessidade e urgência de reformá-lo, conferindo-lhe maior representatividade e eficácia", defendeu Lula.

Apesar da reforma ser em tese aceita por alguns dos membros permanentes, nunca houve movimentos efetivos para alterações, com o poder de veto das cinco potências bloqueando ações mais concretas.

Este foi o 8º discurso de Lula na abertura da Assembleia Geral. Quando presidente, compareceu em sete de oito anos de seus dois mandatos. Ao abrir sua fala, lembrou do primeiro discurso, em 2003.

"Há vinte anos, ocupei esta tribuna pela primeira vez. E disse, naquele 23 de setembro de 2003: 'Que minhas primeiras palavras diante deste Parlamento Mundial sejam de confiança na capacidade humana de vencer desafios e evoluir para formas superiores de convivência'. Volto hoje para dizer que mantenho minha inabalável confiança na humanidade."

Já segue nosso Canal oficial no WhatsApp? Clique Aqui para receber em primeira mão as principais notícias do agronegócio
Fonte:
Reuters

RECEBA NOSSAS NOTÍCIAS DE DESTAQUE NO SEU E-MAIL CADASTRE-SE NA NOSSA NEWSLETTER

Ao continuar com o cadastro, você concorda com nosso Termo de Privacidade e Consentimento e a Política de Privacidade.

0 comentário