Câmara aprova privatização da Eletrobras; governo nega impacto na tarifa
A Câmara dos Deputados concluiu nesta segunda-feira, em segunda votação, a votação da medida provisória da privatização da Eletrobras, proposta com potencial de aumentar custos da energia ao criar reserva de mercado para termelétricas a gás natural e outras fontes, o que governo nega.
A MP segue agora à sanção do presidente Jair Bolsonaro, que vê na Eletrobras um marco do processo de privatizações --a MP perderia a validade na terça-feira. A oposição já avisou que recorrerá ao Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a constitucionalidade da medida.
A MP manteve, segundo o relator da proposta, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), cerca de 95% do texto aprovado pelo Senado, permitindo que a desestatização seja executada por aumento do capital social, com renúncia do direito de subscrição de ações pela União, que assim terá diluída sua fatia de 61% na empresa.
A oferta de ações da Eletrobras deve levantar ao menos 25 bilhões de reais, de acordo com expectativa já divulgada por integrantes do governo, recursos esses que serão pagos pela empresa ao Tesouro em outorgas pela renovação de contratos de hidrelétricas.
Depois da operação, a previsão é de que a Eletrobras ainda tenha de direcionar outros 25 bilhões de reais para aliviar tarifas nos próximos anos, uma vez que a elétrica terá contratos renovados das hidrelétricas em condições mais favoráveis.
Questionado sobre esses montantes, discutidos em público por integrantes do governo, o Ministério de Minas e Energia disse que os custos relativos a outorgas e aportes para "amenizar" tarifa serão estabelecidos pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), considerando as premissas estabelecidas na lei resultante da aprovação da MP.
POLÊMICA ENTRE LIBERAIS
O texto-base foi aprovado por 258 votos favoráveis, 136 contrários e 5 abstenções, placar com maior folga do que o registrado quando a MP foi votada no Senado.
Ainda assim, a medida enfrentou resistências entre deputados, não apenas entre a oposição, tradicionalmente contra o processo de privatização, mas também entre siglas mais identificadas com o liberalismo, caso do Novo.
"Nós não concordamos nem com o texto que foi criado aqui na Câmara dos Deputados nem no Senado Federal. Nós preferíamos muito mais o texto apresentado pelo antigo presidente Michel Temer, que fazia, de fato, uma privatização", disse o deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP).
"O que nós temos agora é uma deturpação do processo todo... Se é para privatizar dessa forma, dando para grupos privados como se fosse à Vladimir Putin, nós também não queremos."
Logo após a votação do texto principal, foi colocada -- e aprovada -- a recomendação do relator de rejeitar inteiramente cinco emendas e parcialmente outras duas.
ESPINHA DORSAL
Nascimento, no entanto, não alterou pontos que segundo especialistas ameaçam elevar os custos da energia aos consumidores, os chamados "jabutis", temas sem relação direta com a privatização da Eletrobras incluídos do texto aprovado pela Câmara e reformulado no Senado.
Os custos aos consumidores, considerando as propostas da Câmara e Senado, deverão atingir 56 bilhões de reais, com quase metade desse valor associado à construção de térmicas a gás natural, muitas delas em locais sem produção do insumo, segundo avaliação da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace).
A Abrace estimou ainda outros 10 bilhões de reais adicionais por conta de políticas regionais incluídas na MP, além de 18 bilhões de reais em impostos, totalizando 84 bilhões em custos aos consumidores.
Nascimento e o relator da MP da Eletrobras no Senado, o senador Marcos Rogério (DEM-RO), negam que os "jabutis" irão elevar os custos dos consumidores.
Procurado, o Ministério de Minas e Energia seguiu na mesma linha, dizendo que a contratação de geração no setor elétrico não ocorre pelo custo de remuneração dos investimentos.
O MME afirmou que os projetos competem entre si nos leilões, vencendo aquele que ofertar o menor preço para o consumidor, o qual deve ser suficiente para arcar com todos os custos, tanto de implantação quanto de operação.
Além disso, acrescentou o ministério, "o comando introduzido pela Câmara dos Deputados limita o preço dessa nova contratação ao valor máximo equivalente ao preço teto estabelecido para geração a gás natural do Leilão A-6 de 2019, atualizado".
A pasta ainda minimizou outros impactos tarifários citados por especialistas, como aquele resultante da descotização das usinas da Eletrobras, que hoje vendem energia a valores mais baixos, mas com a renovação dos contratos devem ter alta.
Além disso, o ministério apontou que o texto aprovado na Câmara prevê uma redução tarifária decorrente da quitação da maior parte dos custos para construção da usina de Itaipu.
"Como esses (custos) serão fortemente reduzidos a partir de 2023, com a quitação das principais dívidas, o dispositivo incluído na Medida Provisória tem o condão de alocar 75% do excedente ao consumidor", afirmou.
Dessa forma, o efeito total percebido pelo consumidor relativamente à tarifa de Itaipu seria de uma redução média de 4,2%.
Considerando outras medidas (incluindo o efeito de Itaipu), o impacto tarifário para os consumidores cativos seria queda de 6,34% nas contas, no cenário base adotado pelo MME.
O deputado relator também destacou que foi retirado do texto dispositivo que tratava de mercado livre, uma vez que o tema será abordado em projeto do Marco Regulatório do Setor Elétrico já em discussão na Casa. Segundo ele, comissão sobre o assunto deve ser instalada "nos próximos dias".
A inclusão da abertura do mercado livre, "sem a modernização do setor elétrico", havia sido criticada pela Abrace.
Ao defender em plenário a aprovação da proposta, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), também afirmou que ela não resultará em aumento do preço de energia ao consumidor.
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