Dono da JBS teve 'aula de delação' 15 dias antes de gravar conversa com Temer (na FOLHA)

Publicado em 20/05/2017 23:15
Por RAQUEL LANDIM e RENATA AGOSTINI, da FOLHA DE SÃO PAULO

No dia 19 de fevereiro, um domingo, às 12 horas, Anselmo Lopes, procurador da República no DF, recebeu uma ligação inesperada. Do outro lado da linha, Francisco de Assis e Silva, diretor jurídico da JBS, comunicou uma decisão que abalaria o país: Joesley e Wesley Batista iriam confessar seus crimes e colaborar com a Justiça.

A conversa durou só 19 minutos e eles agendaram um encontro para o dia seguinte. Na segunda-feira, Lopes e a delegada Rubia Pinheiro, que lideram a Operação Greenfield, da PF, deram uma "aula de delação": explicaram em detalhes ao advogado, profissional da estrita confiança dos Batista, como funcionaria a colaboração premiada.

  Zanone Fraissat/Folhapress  
SAO PAULO/SP-BRASIL,29/08/13 wesley Batista (esq) e Joesley Batista (dir), donos da friboi na cerimonia de entrega do premio as Melhores da Dinheiro 2013 no Credicard Hall .(Foto: Zanone Fraissat /MONICA BERGAMO)
Os irmãos Wesley Batista (esq.) e Joesley Batista (dir.), donos da JBS

Duas semanas depois, Joesley entrou no Palácio do Jaburu dirigindo o próprio carro, com um gravador escondido no bolso, para um encontro com o presidente Michel Temer. Durante 40 minutos, arrancou diálogos constrangedores, que, ao serem revelados, deixaram o mandato de Temer por um fio.

O empresário disse aos investigadores que sua missão era informar o presidente que vinha comprando o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha e do doleiro Lúcio Funaro, ambos presos em Curitiba. Temer nega que tenha concordado com isso.

Segundo pessoas próximas, o empresário gravou o presidente por iniciativa própria, um recurso que causa controvérsia no meio jurídico. Pouco tempo depois, dizem, seu advogado comunicou os procuradores do encontro e do teor da conversa. Joesley, Wesley e cinco executivos assinaram então um pré-acordo de delação com a PGR (Procuradoria-Geral da República).

A partir daí, começariam oficialmente as "ações controladas", nas quais conversas e mensagens seriam monitoradas para engordar o arsenal dos Batista. O senador Aécio Neves (PSDB) foi outro que caiu na armadilha ao ser flagrado pedindo dinheiro. No total, a delação da JBS envolve 1.829 políticos do país.

SANGUE FRIO

Joesley demonstrou sangue frio ao gravar os políticos. Ele foi o escolhido porque tratava pessoalmente das propinas, com auxílio de um funcionário fiel, Ricardo Saud, também delator.

Ao contrário da Odebrecht, que tinha um departamento de propina, Joesley marcava em planilhas os pagamentos feitos e os benefícios obtidos pela empresa, como crédito de bancos estatais ou aprovação de leis.

Da primeira ligação do advogado da JBS ao procurador Anselmo até a última quinta (18), quando a PF deflagrou a Operação Patmos, baseada na delação dos Batista, se passaram 88 dias. A Odebrecht demorou o dobro para se acertar com o Ministério Público Federal.

Os donos da JBS conduziram a negociação de forma totalmente diferente da empreiteira, até então o caso mais ruidoso da Lava Jato. Em vez de contratar um batalhão de advogados, deixaram quase tudo nas mãos de Silva, que não é criminalista. Na Odebrecht, 78 executivos tornaram-se delatores.

Na JBS, são sete delatores, e um time de apenas dez pessoas coletou provas. Algumas nem sequer imaginavam que haveria delação. Joesley e Wesley redigiram pessoalmente anexos da colaboração com os procuradores e revisaram o acordo linha por linha.

Na noite de quarta (17), quando soube-se que Joesley gravara o presidente da República, funcionários do alto escalão da empresa tentavam, atordoados, entender o que estava acontecendo. Dois executivos disseram que até agora o sentimento é de perplexidade.

A família Batista, no entanto, sempre chamou a atenção pela relação com o poder, que foi fundamental para multiplicar a sua fortuna. Em 2006, o frigorífico JBS já era uma empresa grande, com R$ 4,3 bilhões em receitas –mas ainda uma fração do que se tornaria em apenas uma década.

Graças aos aportes do BNDES para aquisições dentro e fora do país, o faturamento da JBS chegou a R$ 170 bilhões no ano passado. Com o caixa vitaminado pelo frigorífico, os Batista partiram para outros negócios: criaram a Eldorado Celulose, compraram a Vigor e a Alpargatas.

Com medo de ir para cadeia e assistir a ruína do seu império, como aconteceu com Marcelo Odebrecht, Joesley tentava se tornar delator desde dezembro. Mas os procuradores afirmavam que não tinham agenda para se encontrar com o empresário.

A Lava Jato já tinha dois anos quando chegou aos negócios dos Batista. A porta de entrada foi a delação de Fábio Cleto, ex-vice-presidente da Caixa, ligado a Eduardo Cunha, considerado o operador da JBS no Congresso.

À força-tarefa, Cleto contou que, em troca de propina, facilitara empréstimo do FI-FGTS à Eldorado. Nos meses seguintes, o grupo foi alvo de três operações da PF, que apuram irregularidades em empréstimos com recursos públicos e investimentos de fundos de pensão de estatais.

As sedes das empresas foram reviradas, os irmãos tiveram bens bloqueados e acabaram afastados temporariamente dos seus cargos. Joesley se sentiu emparedado e tomou sua decisão.

PLANO

Cinco dias antes de seu advogado informar sua intenção de delatar, Joesley rompeu o silêncio. À Folha disse que estava perplexo com a corrupção que via na TV e que não tinha feito nada de errado. Mas as entrevistas faziam parte do plano. Ele queria sinalizar aos políticos que não cederia, deixando-os à vontade para confessar seus crimes sem saber que estavam sendo gravados.

Na reta final, até o advogado dos Batista se tornou delator. Assis era o interlocutor de um dos procuradores que havia sido subornado para passar informações.

Os sete delatores da JBS pagarão R$ 225 milhões para se livrar das punições, cerca de metade do acertado para os 78 executivos da Odebrecht, conforme uma pessoa a par do assunto. Ainda falta o acordo da empresa, que custou R$ 6,7 bilhões à Odebrecht. Os procuradores querem que a JBS pague R$ 12 bilhões, mas o grupo oferece R$ 1 bilhão.

Pouco antes do escândalo vir à tona, Joesley viajou a Nova York, acompanhado da mulher, Ticiana Villas Boas, com autorização da Justiça. Assistiu ao escândalo pela televisão a salvo de fotos constrangedoras. Se nada mudar, ele vai salvar seu império sem passar um dia na cadeia. A Procuradoria da República e a JBS não comentaram.

Anexar áudio de Temer sem perícia foi inaceitável, dizem peritos da PF (na FOLHA)

Por RUBENS VALENTE e LETÍCIA CASADO, da FOLHA DE S. PAULO, em BRASÍLIA

Em nota divulgada neste sábado (20), a APCF (Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais) considerou "inaceitável" que a PGR (Procuradoria Geral da República) tenha anexado o áudio da conversa mantida entre o presidente Michel Temer e o delator Joesley Batista sem uma perícia técnica por peritos federais.

Afirmou ainda que é "temerária" a homologação de acordos de delação premiada "sem a devida análise pericial".

  Jorge Araújo/Folhapress  
Movimentação de agentes federais em frente à casa de Joesley Batista, do grupo JBS, em São Paulo
Agentes federais em frente à casa de Joesley Batista, do grupo JBS, em São Paulo

Antes de anexar o áudio ao pedido de abertura do inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal), acolhido pelo ministro Edson Fachin, a PGR submeteu o áudio ao setor técnico do órgão, mas não para uma perícia técnica completa na Polícia Federal.

A associação recomendou "o envio imediato" do áudio e do equipamento usado na gravação para uma perícia completa no INC (Instituto Nacional de Criminalística).

"Inaceitável que, tendo à disposição a perícia oficial da União, que possui os melhores especialistas forenses em evidências multimídia do país, não se tenha solicitado a necessária análise técnica no material divulgado, permitindo que um evento de grande importância criminal para o país venha a ser apresentado sem a qualificada comprovação científica", diz a APCF.

A associação disse que, "ao se ouvir o áudio, percebe-se a presença de eventos acústicos que precisam passar por análise técnica, especializada e aprofundada, sem a qual não é possível emitir qualquer conclusão acerca da autenticidade da gravação".

Desde que a gravação veio a público, nesta quinta-feira (18), surgiram dúvidas sobre a idoneidade do material, pois há sinais perceptíveis de interrupções na conversa.

A pedido da Folha, um perito apontou que houve "edição" no material. Outro perito, Ricardo Molina, que não fez um laudo sobre o tema, apontou a necessidade de se periciar também o aparelho utilizado na gravação.

Folha apurou que Joesley Batista não entregou o equipamento utilizado para a gravação. Segundo a revista "Época", ele teria utilizado um equipamento não detectável por aparelho de raio-x, pois tinha medo de ser flagrado na tentativa de gravar o presidente no Palácio do Jaburu.

A PGR não enviou o áudio para a Polícia Federal, segundo a Folha apurou, porque considerava que essa era uma etapa posterior na investigação, depois de aberto o inquérito, e que eventuais dúvidas poderiam dirimidas ao longo da apuração.

Em nota enviada nesta sexta-feira (19), a PGR informou: "A Procuradoria-Geral da República informou que foi feita uma avaliação técnica da gravação e concluiu que o áudio revela uma conversa lógica e coerente.

A gravação anexada ao inquérito do STF é exatamente a entregue pelo colaborador e que sua autenticidade poderá ser verificada no processo".

Mais um solavanco, editorial da FOLHA

Não há dúvida de que o brusco enfraquecimento político do presidente Michel Temer (PMDB), de evolução ora imprevisível, lança dúvidas consideráveis sobre o processo de retomada da economia que mal dá seus primeiros passos.

Dissipou-se a melhora de humor dos mercados que era nítida nas últimas semanas. Dada a incerteza quanto ao andamento da agenda de reformas no Congresso, o setor produtivo tende a postergar projetos de investimento.

Mesmo antes de vir à tona a delação do empresário Joesley Batista, da JBS, a expectativa de crescimento neste ano não passava de 0,5%. Uma taxa tão modesta é, naturalmente, vulnerável a quaisquer solavancos de percurso.

Isso considerado, não há razões para imaginar um desenlace tão traumático quanto alguns dos especulados sob o impacto inicial da crise de governabilidade.

O país vive hoje sob condições econômicas bem mais confortáveis do que as observadas nos estertores do governo Dilma Rousseff (PT), quando aprofundava-se uma das recessões mais longas e agudas da história nacional.

Hoje, a inflação está em queda consistente. Mesmo com a escalada recente das cotações do dólar, resultado da insegurança dos investidores, é improvável que volte a acelerar-se a alta dos preços de mercadorias e serviços. Afinal, o consumo permanece restrito pelo desemprego renitente.

Com isso, o Banco Central pode dar continuidade aos cortes dos juros, que devem encerrar o ano em um dígito -contribuindo, adicionalmente, para minorar as despesas financeiras do governo.

Contabiliza-se forte ingresso de moeda estrangeira, tanto pela via do comércio -as exportações devem superar as importações em mais de US$ 50 bilhões neste ano, montante recorde- quanto pela do investimento. Assim, a desvalorização do câmbio perde fôlego.

As dívidas externas das companhias vêm sendo equacionadas. A Petrobras, maior motivo de preocupação dois anos atrás, conseguiu reduzir sua fragilidade financeira.

A equipe responsável pela gestão da economia mostra-se capaz, coesa e autônoma. Não se veem riscos de mudanças de rumo ao sabor das turbulências de Brasília.

Há, sim, previsível resistência às reformas trabalhista e, especialmente, previdenciária -esta crucial para o ajuste duradouro das finanças públicas e a recuperação mais célere do ânimo de empresários e investidores.

Entretanto as propostas já se encontram em estágio avançado de tramitação legislativa, com textos acordados entre os partidos da coalizão governista. Tal concertação, por defeituosa que seja, pode e deve ser preservada, qualquer que seja o desfecho da crise.

Sem isso, estaremos fadados a uma travessia ainda mais longa, difícil e acidentada até a normalidade econômica e política.

 

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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1 comentário

  • Heber Marim Katuete - PY - PI

    Vergonha nacional... Estes são campeões na propina... Salvou o patrimônio, a liberdade e ainda ganhou com a especulação... Nessa hora entendo porque os empresários são tão ligados à política (empresários que crescem)... E entendo também o porquê de os políticos gastarem 100 vezes mais do que é o salário e vantagens durante o mandato pra se elegerem e depois se esquecerem do povo... Por isso que a classe agrícola não tem representante... Não paga propina... Aí entendo porque a matéria-prima não tem valor... Volto a perguntar... Qual a solução?... Aonde vamos parar?...

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    • Rodrigo Polo Pires Balneário Camboriú - SC

      Sr. Heber, a solução é em primeiro lugar admitir que no Brasil impera o sistema fascista, de conluio politico e economico. Em segundo lugar parar de ser respeitoso com essa gente, até um traficante de cocaina gera empregos, nem por isso merece respeito. Lembra da reporter que cobriu a prisão do Nem? A desgraçada da mulher fez uma reportagem onde exaltava os dotes fisicos do meliante, e assim é nossa sociedade quando exalta os feitos empresariais de bandidos, ladrões, criminosos. Enquanto não tivermos oposição de fato a essas nulidades, dizendo na cara deles que há sim, outras maneiras de conquistar status e posição social, bem como dinheiro, sem roubar ninguém.

      0
    • EDMILSON JOSE ZABOTT PALOTINA - PR

      A solução imediata é a Intervenção Militar . Estamos. Sendo atacados em todas as frentes , moral das famílias , econômica , política .

      A única saída é destituição do Congresso , Senado e Presidência . E a prisão destes empresários que usaram as esteiras para o enriquecimento ilícito .

      Trazer de volta dos estados unidos estes Pilantras que armaram não p o Temer mas para se beneficiar de negócios na bolsa de valores .

      Vergonha para nós cidadãos de bem .

      3
    • gerd hans schurt Cidade Gaúcha - PR

      Sr. Edmilson, enquanto estiver no comando do Exercito esse General Villas Boas, não acredito em intervenção Militar. Esse general de conversa mole foi colocado lá pela turma do PT e sua filha é casada com um dos Batista do JBS. Tambem não é por acaso que essa dupla está solta no Estados Unidos.

      1
    • Paulo Roberto Rensi Bandeirantes - PR

      Sr. Heber, você lembra-se de Paulo Maluf? O que instituiu "O rouba, mas faz" e, está há décadas protelando com mentiras seu julgamento, inclusive alguns crimes do qual é acusado já prescreveram. ... ... De quem é a culpa? Do Paulo Maluf que teima em afirmar que não roubou, ou do sistema jurídico em vigência no país? ... ... "VAMOS DAR NOMES AOS BOIS" & EXIGIR MUDANÇAS ONDE ELAS TEM QUE OCORRER !!! ... ... Com o passar dos tempos "O ROUBA, MAS FAZ" progrediu e, os atuais ladrões no poder estão só no : "ROUBA"!!!

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    • EDMILSON JOSE ZABOTT PALOTINA - PR

      Sr. Gerd , fico mais preocupado ainda .

      Mas tenho esperança que dentro do nosso Exército Verde e Amarelo tenha algum Brasileiro de verdade que enfrente está corja.

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    • carlo meloni sao paulo - SP

      Sr Paulo parece que uma gravação para ter validade precisa de aprovação judicial-- Entao temos um juiz compartilhando a arapuca da gravaçao

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    • sandro roberto lautert condor - RS

      Bom dia. Acordem pessoal. O Exercito esta na caserna há anos,anos. Tá bom assim. nao prescisa trabalhar, nao se incomoda com nada.Por favor. acordem.

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    • EDMILSON JOSE ZABOTT PALOTINA - PR

      Vamos acorda-los , com Gritos , movimentos de entidades , Como fizemos os produtores , no Código Florestal , na Destituição da Dilma , nas Questões Indígenas e por aí vai . O Setor Produtivo Rural e forte , basta se movimentar .

      É a única instituição que poderá e tem condições p nós libertar desta manobra cruel destes políticos e empresários bandidos.

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    • sandro roberto lautert condor - RS

      Edmilson. concordoem partes de suas considerações. Mas voce não paga um guarda mensalmente para estar dormindo. Ele deve estar atento no que voce acordou com ele.

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