Mercado espera anúncio da morte, por VINICIUS TORRES FREIRE

Publicado em 18/03/2016 06:20
na FOLHA DE S. PAULO

Dilma Rousseff passou ontem o controle do PAC, do Programa de Aceleração do Crescimento, do Ministério do Planejamento para a Casa Civil, pasta que Lula talvez tenha assumido, a depender da decisão da Justiça.

E daí? Nada ou quase nada. Quase ninguém liga.

Mesmo as associações empresariais, políticas por natureza, inclusive as sempre governistas, abandonam Dilma Rousseff.

Na praça do mercado, pouco se presta atenção ao que faz o governo, com exceção de medidas que afetem a gestão imediata do dinheiro. Por exemplo, ontem o Banco Central resolveu aproveitar a calmaria mundial e a baixa do dólar para anunciar que vai intervir menos no câmbio (vinha agindo para evitar desvalorização do real).

Política econômica é, por ora, motivo de piada.

Isso quer dizer que a fatura está decidida? Claro que não. Sabe-se lá o que virá da Lava Jato, se a cúpula do PMDB cai inteira nas denúncias, se a deposição da presidente se arrasta etc. No entanto, o pessoal do dinheiro pensa na data do passamento do governo.

No "mercado", as conversas especulativas do dia a dia agora parecem voltadas para: 1) Antecipar vazamentos da Lava Jato; 2) Prestar atenção às decisões da Justiça, em especial do STF; 3) Acompanhar o placar do impeachment.

Por exemplo, se o governo começa sem maioria na comissão do impeachment e o PMDB indica já nesta sexta que vai desembarcar, isso decide o destino de uns milhões aqui, outros ali, para fazer uma caricatura da coisa. Em suma, o pessoal vive agora de "precificar" o "último fim" do governo, como se diz no jargão. Isto é, decidir quando deve vender ou comprar tal ou qual ativo financeiro, dado que a morte cerebral do governo estará decretada em tal ou qual dia, embora o corpo morto ainda possa respirar por aparelhos.

E o PAC nas mãos de Lula, o que significa?

Nada, porque discutir medidas de governo, em particular de administração econômica, tornou-se atitude ociosa, pois o Planalto ora pouco mais é do que um comitê alucinado de salvação de si próprio.

Ou perto de nada. A mudança do PAC é uma anotação relevante do diário de bordo no navio que afunda. Isto é, um indicativo das tarefas que seriam assumidas por Lula, caso a ruína do governo não fosse tão frenética. Ressalte-se o que é o PAC: é o nome de fantasia que se dá à administração de quase todos os dinheiros de investimentos em obras. O que
Lula fará disso, ou faria, é ainda um mistério.

Na tarde de quarta-feira, antes do terremoto que quase acabou de destruir a muralha do Planalto, discutia-se ainda se Lula no governo seria Lula 3, com nova administração econômica. Discutia-se a "virada à esquerda", a "saída pela direita" ou a continuação do presente arroz com feijão queimado, enriquecido por um torresmo de crédito. Lula quer "esperança", medidas que reanimem a economia catatônica.

Dilma Rousseff então foi à TV e procurou dizer que ainda estava no controle da economia, que nada mudaria na Fazenda ou no Banco Central. Duas horas depois, a revelação das escutas de Lula dissolveu ainda mais no éter, no espaço, as intenções da presidente e as especulações sobre a política econômica de Lula 3.

 

Os riscos de atacar Moro, POR BERNARDO MELLO FRANCO

BRASÍLIA - O governo saiu da defensiva e decidiu adotar a tática do confronto com o juiz Sergio Moro. A guerra foi declarada por Dilma Rousseff ao dar posse ao padrinho Lula na chefia da Casa Civil.

A presidente protestou contra os grampos da Lava Jato e se disse alvo de uma "conjuração". Ela sustentou que seus direitos constitucionais foram violados com a divulgação de conversas telefônicas.

"Os golpes começam assim", afirmou Dilma, acusando o juiz de tentar "convulsionar a sociedade brasileira em cima de inverdades, de métodos escusos e de práticas criticáveis".

O discurso foi reforçado por aliados da presidente. O novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, sugeriu que Moro cometeu crime ao divulgar o grampo. O líder do governo no Senado, Humberto Costa, acusou o juiz de conduta "ilegal e arbitrária".

A ofensiva empolgou a militância petista, mas é uma estratégia arriscada para o governo. A atuação midiática transformou Moro em herói das passeatas pró-impeachment. Torná-lo alvo pode ser uma forma de engrossar os protestos nas ruas.

As críticas de Dilma também inflamaram setores da Justiça e do Ministério Público que já estavam politizados. O ministro Gilmar Mendes, sempre ele, começou a dar entrevistas antes das nove da manhã. O procurador Deltan Dallagnol fez uma espécie de comício em Curitiba. O próprio Moro comparou Dilma a Richard Nixon, presidente americano que renunciou para não ser cassado.

Neste clima de engajamento, um juiz que milita contra o governo nas redes sociais não se considerou impedido para conceder a liminar que suspendeu a posse.

Para azar do Planalto, um dos grampos divulgados por Moro também mexeu com os brios do Supremo Tribunal Federal, que Lula chamou de "acovardado" ao telefone. A reação enérgica do ministro Celso de Mello indicou que o ex-presidente não deve esperar simpatia da corte, com ou sem foro privilegiado.

 

Dilma deu tapa na cara da sociedade

Por ROGÉRIO GENTILLE,  de SÃO PAULO - 

Ao nomear Lula para o ministério, Dilma Rousseff não apenas renunciou na prática ao cargo para o qual foi eleita, reconhecendo sua incapacidade para governar e sua pequenez na história do país, como também agrediu a sociedade com um tapa na cara.

No domingo, houve a maior manifestação já medida por um instituto de pesquisa no Brasil. Apenas na cidade de São Paulo, em apoio às investigações da Operação Lava Jato e ao juiz Sergio Moro, 500 mil pessoas ocuparam a avenida Paulista formando um impressionante corredor verde-amarelo.

Dilma, no entanto, em ostensivo desdém aos protestos de 13 de março, entregou o governo ao mais notório investigado, sobre o qual paira um pedido de prisão ainda não julgado. Nomeou para a Casa Civil aquele que, com razão ou não, é identificado pelas ruas como o principal responsável pelo escândalo que hoje tumultua e espanta o país. Mais da metade dos brasileiros, vale lembrar, segundo o último Datafolha, considera que o ex-presidente beneficiou construtoras (58%) e foi beneficiado por elas (62%).

A nomeação de Lula para o governo é também um ato de escárnio para com o Judiciário brasileiro. As constrangedoras gravações reveladas na noite de ontem confirmam isso. Com a presidente na corda bamba do impeachment, uma crise econômica angustiante e um escândalo que traz revelações escabrosas quase que diariamente, o petista não ganha nada ao entrar no ministério, a não ser justamente o tal foro privilegiado que tira o juiz Moro do seu caminho. Dilma fez pelo antecessor o que nenhum advogado conseguiu.

O recado subliminar dessa manobra, dessa chicana processual com o timbre de uma mandatária menor, é o de que Lula considera que o Supremo Tribunal Federal, a quem cabe analisar o seu caso a partir de agora, deverá ser mais benevolente e flexível com seus atos. Será mesmo essa a postura da principal Corte do país?

 

Os golpes contra a democracia brasileira

Por RAQUEL LANDIM

Já se vão 30 anos desde que acabou a ditadura. O país viveu uma década perdida na economia, passou por um impeachment, estabilizou a hiperinflação, e assistiu a chegada do primeiro operário ao poder. Mas, nesse período, a democracia nunca esteve tão em xeque como agora.

Investigados pela Operação Lava Jato, Lula, Aécio, Temer, Renan, Cunha - cada um a seu modo - procuram dar um "golpe" num governo frágil, incompetente e sob suspeita de caixa 2 em sua campanha. Vale ressaltar que esses políticos representam o partido do governo (PT), sua base de sustentação (PMDB) e a oposição (PSDB).

Primeiro, o "golpe" de Lula. Dilma empossou nesta quinta-feira (17) seu antecessor na Casa Civil, para que ele ganhe foro privilegiado, e como última cartada para salvar o governo.

Se conseguir se manter no cargo, apesar da resistência da opinião pública, Lula vai negociar com o Congresso, trazer ministros e, pelos menos retoricamente, alterar a política econômica.

Sua presença no Planalto esvazia o papel de Dilma, que o chama de "presidente" e "senhor". Juridicamente pode não ser "golpe", mas, na prática, o poder está sendo transferido das mãos de quem teve votos para quem não teve.

Com Lula, o PT tenta barrar a iniciativa do vice-presidente Michel Temer (PMDB), do ex-governador Aécio Neves (PSDB) e do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), que também queriam transformar Dilma na "rainha da Inglaterra" com o semiparlamentarismo. Essa jabuticaba é "golpe" porque a Constituição não prevê esse tipo de regime.

E ainda nesta quinta-feira (17), o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), deu prosseguimento ao processo de impeachment de Dilma. Impeachment não é golpe, mas os motivos do deputado e do PMDB, que querem derrubar o governo na esperança de serem esquecidos pela Lava Jato, não são nada nobres.

Os três poderes da República estão em xeque. A fragilidade de Dilma não é só resultado dos ataques que recebe, mas principalmente de realizar um dos governos mais ineptos política e economicamente dos últimos anos, comparado apenas a Collor.

A credibilidade do Congresso está em frangalhos com tantos políticos envolvidos na Lava Jato, que, mesmo assim, seguem em seus cargos, tomando decisões quando o conflito de interesse é evidente.

E, finalmente, o Judiciário começa a enveredar por um caminho perigoso. Ao agradecer o apoio nas manifestações do dia 13, o juiz Sérgio Moro entrou na luta política e colocou sua isenção em risco.

A Operação Lava Jato é um marco no combate à corrupção no país, mas o papel de Moro é julgar com isenção e cabe ao Ministério Público investigar todos os envolvidos no petrolão, independentemente de suas ligações partidárias.

Com a crise política, a recessão se agravando, o desemprego subindo e a popularidade no chão, Dilma não consegue governar e o setor privado perdeu as esperanças de que ela tire o país do buraco em que o meteu.

Mas as poucas lideranças políticas que sobraram precisam conduzir o impeachment ou a cassação de chapa - opções previstas na Constituição - com calma e provas concretas.

A população insatisfeita também não deve deixar de pressionar, mas não pode perder a racionalidade e se deixar levar por soluções golpistas ou até coisas piores para se livrar do PT. Ruim com os políticos, pior sem eles. Já parecemos de volta aos anos 80, mas podemos evitar um retrocesso ainda maior.

 

Lula ministro, para quê?

Por IVES GANDRA DA SILVA MARTINS E HAMILTON DIAS DE SOUZA

Há dias circulavam rumores de que o alto escalão do governo federal e a cúpula do PT estudavam a nomeação do ex-presidente Lula, acusado de envolvimento em casos de corrupção, para o cargo de ministro. Tais boatos se concretizaram na última quarta (16).

O objetivo da manobra, ao que tudo indica, é garantir ao ex-presidente a prerrogativa de "foro privilegiado". Como consequência, as denúncias contra ele dirigidas deixariam de ser examinadas pela Justiça Federal comum, evitando que o caso chegue às mãos do juiz Sergio Moro. O STF (Supremo Tribunal Federal) é que decidiria a questão.

A Constituição confere à presidente o poder de escolher seus ministros. Trata-se, porém, de uma faculdade apenas aparente, pois sujeita a limitações rígidas, decorrentes, primordialmente, do fato de que a atuação da administração deve ser pautada por fins e interesses públicos, nunca particulares.

De fato, os poderes constitucionalmente conferidos ao governante são garantidos a ele na qualidade de integrante do Estado. Existem apenas para que possa cumprir seu dever de atender aos interesses da coletividade.
São estes, nunca é demais recordar, que justificam a existência do próprio aparelho estatal e da posição ocupada.

Justamente por isso é que o artigo 37 da Constituição determina que as autoridades conduzam seus atos com impessoalidade e moralidade. Simpatias pessoais e/ou interesses de facções e grupos ligados ao governante não podem interferir na gestão da coisa pública.

Diante desse quadro, não há dúvidas de que a nomeação do ex-presidente esbarra nas limitações referidas. Isso porque realizada com objetivo preponderante de protegê-lo ou de amenizar a sua complicada situação, na qualidade de pessoa próxima à presidente. Como tal, é completamente inválida.

O STF é firme em reconhecer que o tratamento privilegiado que não decorra de "causa razoavelmente justificada" implica inadmissível "quebra de moralidade".

A Corte Suprema, a propósito, já analisou questão idêntica, decidindo que: "A nomeação para o cargo de assessor... é ato formalmente lícito. Contudo, no momento em que é apurada a finalidade contrária ao interesse público, qual seja, uma troca de favores..., o ato deve ser invalidado, por violação ao princípio da moralidade administrativa e por estar caracterizada a sua ilegalidade, por desvio de finalidade".

A propósito, não se diga que a presença do ex-presidente no corpo ministerial pode contribuir para amenizar a grave crise de legitimidade do governo. Nem que pode, de alguma forma, auxiliar na reversão da cambaleante situação econômica do país.

Afinal, se assim fosse, a nomeação teria ocorrido muito antes, já que esse quadro se arrasta há meses.

A situação foi agravada pela divulgação do diálogo entre os dois protagonistas, no qual, nitidamente, fica evidenciado que o intuito da nomeação foi proteger Lula do pedido de prisão preventiva que seria examinado pelo juiz Sergio Moro.

Tal gravação comprova que foram feridos quatro princípios fundamentais da administração pública, elencados pela Constituição Federal.

São eles: o princípio da moralidade (nomeação para ministro de Estado de um investigado por corrupção), da impessoalidade (nomeação no interesse pessoal do amigo, e não no interesse público), da eficiência (nomeação exclusivamente para blindá-lo, não em virtude dos atributos para o exercício do cargo) e da legalidade (desvio de finalidade na nomeação).

O juiz Moro, por sua vez, atendeu ao princípio da publicidade ao retirar o sigilo da gravação, já que o interesse público justifica a divulgação da conversa.

A nomeação de Lula ao cargo de ministro, portanto, com evidente desvio de finalidade, conduz a uma questão da mais alta relevância: não constitui, ela própria, ato de improbidade administrativa capaz de motivar o impeachment de Dilma?

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 81, advogado, é professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra

HAMILTON DIAS DE SOUZA, 72, é jurista e mestre em direito pela USP

 

 

 

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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