Em O GLOBO (exclusivo): "Protestos expressam insatisfação com modelo de democracia representativa"
RIO - As ruas do país voltam a ser ocupadas. Os protestos a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff são mais um exemplo de um novo jeito de se manifestar possível com a disseminação da internet e das redes sociais. Para Massimo Di Felice, fundador do Centro de Pesquisas Atopos, da Universidade de São Paulo (USP), apesar de ser um retrato da disputa entre governo e oposição, o descontentamento vai além da desaprovação do mandato da presidente. Ele reforça o desgaste da democracia representativa parlamentar, que tem nos partidos e lideranças políticas sua principal engrenagem.
Desde junho de 2013, o país vivencia uma série de protestos impulsionados pelas redes sociais. É um novo momento?
É um tendência mundial. Cada país obviamente tem sua especificidade política, seus momentos particulares, mas estamos diante de um novo tipo de ativismo, que chamamos de net-ativismo, que tem nas redes seu principal aspecto não somente de organização, mas também de atuação.
Como definir esse ativismo?
Uma característica é a origem de atuação. São movimentos que nascem nas redes digitais. É uma ecologia complexa, que começa nas redes, ganha as ruas e continua nas redes. São movimentos sem líder, têm uma forma distribuída. O anonimato também é um valor forte, pelo fato de que são movimentos que nascem críticos a instituições partidárias e tradicionais. Também são movimentos que não lutam pelo poder, não têm objetivo de disputar eleições. Tivemos dois casos apenas, que foi o do Podemos, na Espanha, e do Movimento 5 Estrelas, na Itália. A maioria continua sem disputar o poder, fora da democracia representativa. Também não são portadores de ideologias unitárias. Nos movimentos tradicionais, há uma centralização das informações pela liderança que são disseminadas depois para a população, de cima para baixo. Ao contrário, esses movimentos nascem da inovação tecnológica, que permite a cada cidadão acesso a informações importantes. Os net-ativistas são movimentos espontâneos, que não possuem líderes, mas cidadãos conscientes, que se informam através dos meios de informação tradicionais, mas também utilizando o poder de comunicação da internet. São ainda geralmente movimentos temporários. Isto é, não tendendo à institucionalização, tendem ao desaparecimento.
As manifestações deste domingo podem ser chamadas de net-ativismo?
É híbrido. Há partidos políticos e movimentos sociais que tentam monopolizar o anseio legítimo da população e direcioná-los. No âmbito das redes, não se consegue manipular a vontade ou a pauta de manifestação. Fui ao protesto de 8 de março, das mulheres, na Avenida Paulista, em São Paulo. Havia um racha entre um grupo que colocou uma facha com apoio explícito à presidente e outra parte do movimento que não se identificou com isso. Não é mais possível monopolizar e direcionar manifestações. O protesto deste domingo tem um pouco das duas alas: dos partidos políticos, que tentam aproveitar o momento para seus interesses específicos e não os da população, e, do outro lado, existe um movimento espontâneo de pessoas, que, não sendo filiadas, atua livremente sobre seu direito de expressão. O Brasil vive um momento híbrido. Tem a ver com as características da cultura política no país, que é muito centrada em figuras personalísticas, líderes que dirigem as massas, mas esse momento é de desapego às instituições do passado.
Há polarização?
Há interesse em dividir o país, em particular dos partidos políticos. É a forma de um tipo de cultura política obsoleta, da participação que ronda em torno de alguns líderes, que são os mesmos. Isso não vale apenas para os partidos políticos. Se perguntar quem são os líderes do Movimento Sem Terra hoje, você com certeza vai me responder os mesmos nomes de quando se constituiu o movimento. É um vício da política moderna. Num contexto de sociedade da informação, isso, além de ser impraticável, é suicídio, porque nós temos uma tecnologia que permite aproveitar as inteligências, contribuições e ideias de um país inteiro. Não precisamos mais delegar. É o exato contrário dessa polarização partidária, que é de interesse de lobbies, como são os partidos políticos. São instituições que foram importantes em um determinado período, no caso do Brasil na volta da democracia, mas que não representam mais. Durante a democracia tiveram um mérito muito grande, mas hoje, em um outro contexto, são nocivas ao desenvolvimento da democracia.
Os próprios manifestantes vão repelir as tentativas de apropriação?
A tendência é sempre de reação. Nas últimas manifestações, na maioria dos casos, não vi bandeiras de partidos políticos. Geralmente, há sempre algumas bandeiras de legendas minoritárias, mas, mesmo assim, sempre os movimentos demonstravam claramente recusa a qualquer símbolo ligado à organização partidária. É um sinal claríssimo de que a população não quer mais ser representada por lobbies que defendem os interesses da própria instituição para se manter no poder e não os interesses do povo.
Em relação às pautas, vemos uma mudança. Os protestos de junho não tinham reivindicação única. Esses protestos evocam o impeachment.
Essas manifestações são a fotografia do momento da política parlamentar e partidária, mas são híbridas. A manifestação é expressão clara de um desafeto definitivo da população perante às instituições dos partidos e também da forma de democracia representativa que elegeu uma líder. No contexto contemporâneo, o Brasil deveria experimentar formas de participação que não sejam baseadas em um salvador da pátria, mas na livre organização de ideias e de pessoas, que contribuam para o bem coletivo.
Então, a manifestação extrapola a insatisfação com a presidente Dilma?
Acho que sim. Tem um elemento conjuntural, da crise que o país está vivendo, mas é mais que isso. É um dos pontos que vejo entre as manifestações de junho de 2013 e a de domingo. São manifestações de desafeto da sociedade perante as instituições. Um elemento decisivo é que as mídias de massa pautavam as questões públicas e agendavam o debate, o que permitia a participação da população, mas, no contexto midiático de redes, a pauta é criada por qualquer indivíduo. A democracia representativa parlamentar, como a conhecemos deve ser aperfeiçoada. Para isso, as tecnologias digitais são a grande ecologia de participação contemporânea. Não podemos pensar em manter um modelo de democracia parecido com o de Péricles, na Grécia do século V antes de Cristo. (em O GLOBO.COM.BR)
MARTA, AÉCIO E ALCKMIN VAIADOS EM SP (em O GLOBO)
A Avenida Paulista, no Centro da capital paulista, ficou completamente tomada por manifestantes pró-impeachment. Estimativas da secretaria estadual de segurança falam em 1,4 milhão no local. Uma mulher ainda não identificada foi presa pela PM do estado. Ela teria arremessado uma garrafa com água contra policiais.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o senador Aécio Neves (PSDB-MG) foram hostilizados por manifestantes quando chegavam na Avenida Paulista. Os dois não conseguiram discursar e deixaram o local.
Aécio foi chamado de "vagabundo" por uma manifestante. Há pessoas com cartazes de "fora Aécio" e "fora Alckmin". Um senhor disse: "Se Aécio acha que isso aqui vai cair no colo dele, está muito enganado".
A senadora Marta Suplicy foi hostilizada enquanto dava entrevista em frente à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), na Paulista. De acordo com o portal de notícias G1, foram ouvidos gritos de "perua", "vira casaca" e "fora PT". Ela acabou deixando o ato e voltando ao prédio da federação com militantes. A assessoria da senadora, no entanto, disse que Marta "foi positivamente saudada por centenas de manifestantes e que apenas um senhor exclamou em voz alta a frase 'PMDB é igual ao PT'".
Segundo o deputado Mendonça Filho (DEM-PE), o senador José Serra (PSDB-SP) teve uma crise de coluna e por isso não foi ao ato na Avenida Paulista. Mendonça Filho integra o comitê do impeachment. No entanto, a assessoria de imprensa do senador afirmou que ele foi, ficou por cerca de meia hora no local, mas não se encontrou nem com o governador Geraldo Alckmin e nem com Aécio Neves, seus colegas de partido.
Presente em faixas, máscaras e camisetas, Moro mais uma vez foi o personagem mais saudado pelos manifestantes que foram à Paulista neste domingo protestar contra o governo. A fisioterapeuta Juliana Senoni, de 41 anos, vestia uma camiseta com a foto do magistrado no mesmo estilo da imagem usada na campanha do presidente Barack Obama, em 2008. Abaixo da foto, a frase: "Somos todos Sérgio Moro".
- Ele é o melhor. É sensacional. Só ele para salvar o Brasil - disse Juliana, que participou de todas as manifestações realizadas desde 2015.
O empresário e presidente da Fiesp, Paulo Skaf, participou do ato na Av. Paulista. De acordo com o G1, Skaf disse que os protestos vão acelerar a saída de Dilma Rousseff da Presidência: "Acho que o que aconteceu hoje vai acelerar muito o processo do impeachment (Dilma) no Congresso Nacional", afirmou.
EM BRASÍLIA, PROTESTO PEDE PRISÃO DE LULA
Na capital federal, manifestantes já encerraram o protesto. Os organizadores estimam a participação de 200 mil pessoas, enquanto a PM calcula que 100 mil foram ao ato.
Pela manhã, a concentração começou no Museu da República, e o público, com roupas das cores da bandeira brasileira, seguiu em passeata pela Esplanada. Os manifestantes carregaram faixas contra a corrupção, pedindo a saída de Dilma do cargo, e demonstrando apoio ao juiz Sérgio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava-Jato. Além do impeachment, os manifestantes pediam a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e protestaram contra a possível nomeação de Lula para algum ministério.
Sem partidos políticos, a passeata ficou aberta para causas diversas. Mães usaram os carros de som para defender que os filhos com autismo fossem aceitos em qualquer escola. Aposentados reclamaram da crise e da queda do benefício. Entre todas as demandas, a principal foi a independência da Polícia Federal para investigar.
Enterro de gala do PT
Por FERNANDO CANZIAN, na FOLHA DE S. PAULO
Nada nem próximo da manifestação popular e espontânea que cobriu a avenida Paulista neste domingo (13) foi produzida até aqui pelo PT ou apoiadores da presidente Dilma Rousseff.
Desde que o ex-presidente chamou a militância para apoiá-lo no dia 4, apósdepor na Polícia Federal, só ocorreram poucos atos isolados e esporádicos, dentro de "ambientes controlados". Como na sede de sindicatos ligados à CUT ou bem na frente da casa do líder petista, em São Bernardo do Campo.
Em São Paulo, o que se viu neste domingo foram milhares de manifestantes chegando antes do horário para o evento, vindos a pé ou de metrô. Não havia sinais de "esquemas" oportunistas de transporte de pessoas.
A exceção foi a van tucana do governador de São Paulo que conduziu Geraldo Alckmin e Aécio Neves para a Paulista. Logo foram chamados exatamente de "oportunistas" e hostilizados por parte dos manifestantes.
Marta Suplicy (ex-PT e agora PMDB) também não escapou e teve de fugir do meio dos manifestantes. Mais prudentes, deputados de oposição do DEM se reuniram no hotel Maksoud Plaza, atrás da avenida, e depois circularam discretamente.
No próximo dia 18, PT, CUT e outras centrais, sindicatos e movimentos sociais ligados ao partido terão sua vez de demonstrar força. Assim como no último grande evento que fizeram, será em um dia da semana (desta vez véspera de um fim de semana).
A estratégia, como se viu em outubro, será interromper o dia de trabalho antecipadamente e levar boa parte dos manifestantes e materiais, como bandeiras e balões, em ônibus fretados pela CUT e sindicatos.
A logística será paga com o dinheiro que centrais e sindicatos recebem todos os anos via descontos compulsórios (feitos em março) dos trabalhadores CLT, sindicalizados ou não. São repasses que não exigem qualquer prestação de contas sobre seu destino ou uso.
Se ficarem restritas a isso, sem um genuíno apoio popular, as manifestações pró Lula, Dilma e PT serão só mais um exemplo da falta de transparência político-partidária com o dinheiro público.
Um enterro de gala em plena avenida.
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