Levy na frigideira, Juros fervem no óleo de Levy, Demitiram a Dilma e De quem é a culpa? (artigos na Folha de S. Paulo)

Publicado em 03/09/2015 08:01
edição desta 5.a-feira da FOLHA DE S. PAULO + Josias de Souza (do UOL)

BERNARDO MELLO FRANCO

  1. Levy na frigideira

BRASÍLIA - Na política, um "não" repetido muitas vezes pode confirmar mais do que um "sim". A presidente Dilma Rousseff deu um exemplo disso nesta quarta, ao negar, negar e negar que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, esteja "desgastado" ou "isolado" no governo.

Dilma foi questionada sobre a fritura após uma fastidiosa solenidade no Planalto. "Olha, eu acho que nessa questão do ministro Levy, eu já disse uma vez que tem fatos que não são verídicos, não são verdadeiros. O ministro Levy não está desgastado dentro do governo", respondeu. "Não contribui para o país esse tipo de fala de que o ministro Levy está desgastado, que ministro A briga com ministro B. Não contribui para o país. Ele não está desgastado."

Uma repórter perguntou, então, se Levy está "isolado". "Ele também não está. E isolado de quem? De mim ele não está. Então, não está isolado", disse Dilma. "Me desculpa, mas acho que é um desserviço para o país esse processo de transformar e falar que o ministro Levy está isolado, está desgastado. Não está, não. Dentro do governo, ele não está. Nós temos o maior respeito pelo ministro."

As 12 vezes em que a presidente pronunciou a palavra "não" só ajudaram a reforçar que Levy está, sim, desgastado e isolado no governo.

O novo revés veio com a decisão presidencial de fechar o Orçamento de 2016 com previsão de deficit, contra a vontade do ministro. Sua fritura alcançou temperatura recorde, e ele sabe disso –não é um político profissional, mas também não é bobo.

Depois de mais uma derrota pública e sob fogo cerrado do PT, Levy tem motivos de sobra para se perguntar se deve sair do governo. Ao menos para ele, as 12 negativas da chefe podem não ser a melhor resposta.

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Ao deixar o PT, a senadora Marta Suplicy disse que "não tinha mais como conviver" com a corrupção. Agora que decidiu se filiar ao PMDB, será colega de Cunha, Jader e Renan.

 

VINICIUS TORRES FREIRE

Juros fervem no óleo de Levy

'Obra aberta' do Orçamento e boataria sobre ministro levam juros ainda para cima, apesar do BC

JOAQUIM LEVY "não está desgastado", "não está isolado", faz parte de uma "família que tem várias opiniões", que não "está desunida", disse ontem Dilma Rousseff no início da tarde de um dia de taxas de juros e câmbio subindo em espiral de fumo para os céus. Não adianta, sob certo aspecto, que o Banco Central tenha deixado a taxa "básica" da economia em 14,25%. Na praça, o sangue continua correndo.

Pior essa emenda da presidente do que a epopeia pelo avesso que vive o ministro da Fazenda. Pelo menos para os donos do dinheiro grosso e seus operadores, para quem a declaração presidencial apenas confirmou que o plano de Levy é apenas um dentre tantos de que eles, "mercado", não gostam.

A presidente acabou por dizer que o ministro está "prestigiado", lembrando a velha e caricata história do presidente de clube de futebol com time em crise, na zona de rebaixamento, a dizer que o técnico não vai cair. Foram umas gotas adicionais de vinagre em um dia azedo pelos boatos de que o ministro conversara com a presidente e com Michel Temer sobre seu "futuro incerto" no governo.

Dada a boataria dispersa, é uma temeridade ainda maior dizer se e o que a presidente conversou ontem com Levy. Quanto à conversa com o vice-presidente, gente do PMDB vazava sem dó para o "mercado" e para jornalistas que o ministro da Fazenda dissera estar em dúvida sobre o que fazer de seu "futuro incerto" no governo e muito preocupado com o futuro da eco- nomia, com o presente "descontrole". Um peemedebista dizia alegremente que o ministro está "frito e desenganado". Parcela importante do PMDB tem uma birra incompreensível com Levy.

O dia nem precisava de mais notícias confusas, telefones sem fio e azedume. Começara com o ministro da Fazenda dado como destituído em vida em vários jornais, embora o problema de fundo nem de longe seja esse, mas o fato de um gover- no que já tem não apoio popular e parlamentar agora não contar também com um Orçamento. Ou que talvez tenha um Orçamento em prestações, parcelado, como insinuou ontem a presidente quando adiantou a ideia exótica de que seu governo mandará ao Congresso um adendo ao projeto de lei orçamentária. Trata-se de uma obra em progresso, menos inteligível que o Finnegans Wake, de James Joyce, que popularizou o termo.

Em paniquito pela falta de sentido dessa obra aberta, o "mercado" reagiu à altura, levando as taxas de juros da praça e o dólar para as alturas. A taxa de juro real de curto prazo, um ano, foi a 8,72% (14,87% nominais), para onde não viajava desde novembro de 2008. Os juros longos, taxas que os donos do dinheiro cobram para ficar com papéis do governo que vencem em dez anos ou mais, por aí, foram a 7,5% (por exemplo, papel de 2024), em disparada quase contínua desde a trégua de meados de julho. Para constar, a taxa real de juros estava em 7,7% na data da reunião anterior do BC para decidir juros, quando elevou a Selic para 14,25%, em 29 de julho.

Na praça do mercado, as condições de negociar dinheiro estão mais duras. O aperto monetário, na prática, continua. Mesmo sem histerias e especulações desvairadas, o aperto deve continuar até o início de 2016.

 

ROGÉRIO GENTILE

Temer quer ser o novo Itamar

SÃO PAULO - Dilma Rousseff precisa começar a governar neste segundo mandato, sob o risco de em breve não ter mais condições políticas de o fazer, se é que ainda tem.

Não é à toa que um empresário do porte de Abílio Diniz diz publicamente que "o Brasil precisa trancar FHC, Lula e Temer numa sala para resolver a crise política" e deixa a atual mandatária do lado de fora.

Os seus últimos atos foram de um amadorismo quase que obsceno, inimagináveis para uma presidente e para um partido que estão há tanto tempo no poder.

Primeiro, Dilma anunciou uma reforma ministerial sem definir quais pastas vão sumir e, principalmente, como ficará a configuração de forças na Esplanada. Simplesmente jogou a informação no ar e tchau, agravando um clima que há tempos já é de pega pra capar na base aliada.

Depois, lançou uma CPMF sem combinar com ninguém, como se fosse possível aprovar uma medida impopular desse tipo apenas por vontade pessoal. Com 71% de rejeição na opinião pública, Dilma teve de recuar em três dias. Em 1996, para comparação, o tributo foi criado em meio a uma grande batalha no Congresso por um governo FHC que tinha, à época, reprovação de apenas 25%, e contava com o empenho e o prestígio de Adib Jatene.

Por fim, sem a CPMF e sem saber como fazer para fechar as contas, Dilma tentou transferir o problema do Orçamento para o Congresso. Resolvam aí esse pepino, disse, na prática, para Eduardo Cunha e companhia, aumentando ainda mais a desconfiança sobre a capacidade deste governo de conduzir a economia brasileira. Ouviu um sonoro não, claro.

O dado novo é que, enquanto Dilma abusa do direito de errar, os profissionais do PMDB, que há décadas alinham-se a todo e a qualquer governo, não estão lá mais para ajudá-la. A bem da verdade, começaram a jogar contra, pois Temer convenceu-se de que há uma grande chance de virar um novo Itamar Franco.

 

CLÓVIS ROSSI

Demitiram a Dilma

Proposta de Abilio Diniz de reunir Lula/FHC/Temer exclui a presidente, que vai se tornando invisível

Leia, por favor, a frase abaixo e diga qual é o sujeito oculto:

"Tem que juntar o Temer, o Fernando Henrique, o Lula, trancar dentro de uma sala e jogar a chave fora, para encontrar a solução."

Sim, você adivinhou (convenhamos que era fácil): o sujeito oculto é Dilma Vana Rousseff, que vem a ser a presidente da República mas que foi "demitida" de uma sonhada reunião de caciques para encontrar solução para a crise.

Se o autor da frase fosse um doidivanas qualquer, desses que infestam as redes sociais, eu nem prestaria atenção.

Mas foi pronunciada por uma das figuras mais sensatas, sóbrias e ativas do mundo empresarial, Abilio Diniz, que foi dono do Pão de Açúcar quando Pão de Açúcar era sinônimo de supermercado no Brasil (é ainda hoje, mas o dono, agora, é o Casino, marca francesa não utilizada na rede, exatamente porque Pão de Açúcar tem muito mais apelo).

Abilio raramente ocupou cargos de comando em entidades de classe, mas transita no mundo político com grande facilidade (e muita audiência).

Ao "demitir" Dilma Rousseff, o empresário está apenas ecoando o que se ouve frequentemente entre seus pares.

Boa parte dos homens de negócio do Brasil já não conta com a presidente para desatar o nó que ela própria criou.

Em outros tempos, mais sombrios, essa gente correria para os quartéis e pediria uma intervenção militar. Agora, ao contrário, pedem que se reúnam líderes políticos de signos opostos para encaminhar uma solução.

Avançamos, pois, muitos passos na direção da civilização.

O descarte da presidente é consequência, direta ou indireta, de suas próprias renúncias.

Primeiro, renunciou à condução da política econômica, entregando-a a um "Chicago boy", como tal contrário às suas convicções.

Depois renunciou à coordenação política, passando-a a Michel Temer, que, por sinal, também renunciou a ela, deixando um vazio.

Aliás, antes de Abilio Diniz, o próprio Temer havia igualmente"demitido" Dilma, com aquela frase sobre a necessidade de encontrar alguém para "reunificar" o país.

Em bom português, Temer tratou Dilma como "ninguém".

Deve ser triste para a presidente verificar que seu vice não a considera capaz de reunificar o país, ou seja, de ser a presidente de todos os brasileiros, como prometem, um após o outro, os que chegam ao Palácio do Planalto.

Como é insólito ver um empresário de antenas ligadas excluir a presidente da discussão de uma saída para a crise.

Uma reunião Lula/FHC tal como proposta por Diniz faria todo o sentido. Poderia produzir a luz no fim do túnel e seria, pois, a solução, mas não dá rima, considerados os egos e interesses da dupla.

De todo modo, a proposta de Diniz deixa a nítida sensação de que Dilma tornou-se invisível aos olhos de uma parte do establishment político e empresarial. Pior: mais que invisível, tornou-se inconveniente para um número recorde de eleitores, conforme aponta a mais recente pesquisa do Datafolha.

Bem que o Financial Times escreveu outro dia que o Brasil é "um filme de terror".

No comando (coluna Painel):

A iniciativa de Dilma Rousseff de chamar o vice Michel Temer e os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, para conversas em particular foi uma tentativa de mostrar que não está isolada e sem reação diante da crise que corrói seu governo. A presidente quer, ainda, evitar que o PMDB se una em torno da ideia de iniciar um processo de impeachment –negociação que corre nos bastidores da Câmara, com expoentes de vários partidos da base aliada.

Orelha ardendo Temer fez um relato a Dilma de vários episódios em que Aloizio Mercadante (Casa Civil) teria "travado" negociações que ele entabulou na articulação política. "Mas é um desastrado", replicou a presidente.

Uma mão... No encontro com a presidente na terça-feira, Renan sinalizou que o Congresso pode trabalhar pela criação de novas receitas sugeridas pelo Executivo.

... lava a outra Isso, disse o presidente do Senado, desde que o rombo no Orçamento seja reduzido consideravelmente e o governo dê demonstrações concretas de que vai enxugar a máquina.

Nem pro cheiro O peemedebista avalia que os 1.000 cargos comissionados que o governo prometeu cortar na reforma administrativa são insuficientes para alterar o patamar de gastos.

 

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

De quem é a culpa?

O mea-culpa de Dilma deveria ter começado pela oposição, pelo Congresso e pela mídia, também responsáveis pela recessão que vive o país

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso candidamente sugeriu à presidente Dilma Rousseff que tenha "a grandeza de renunciar" –ainda que defenda agora que sua fala tenha sido mal interpretada.

As razões para a renúncia seriam o declínio de sua popularidade, a recessão e consequente queda de governabilidade. Esquece-se o ex-presidente de que já esteve em posição idêntica com dificuldades iguais, e não renunciou.

Todavia, o que melhor evidencia a sua pequenez como homem público e como intelectual é a falta de originalidade, pois sua proposta não é nada mais que um plágio impudente, para não dizer descarado, do que lhe foi referido pelo ex-presidente Lula quando lamentou que o então presidente FHC não tivesse tido a grandeza de renunciar.

De fato, é verdade que o Brasil está com grandes dificuldades no setor econômico e que há problemas sérios de governabilidade e que, em parte, esta condição é de responsabilidade da atual administração que, como reconheceu recentemente a presidente Dilma, deve-se em parte à demora com que o governo percebeu a gravidade da situação.

Pois bem, aproveitando-se das dificuldades, membros do PSDB, do DEM e outros partidos da oposição, em consonância com a grande mídia escrita, falada e televisada, exigiram um reconhecimento explícito da presidente Dilma de responsabilidade pela crise, uma espécie de mea-culpa.

É, portanto, indispensável que antes de culparmos alguém verifiquemos quem são os verdadeiros culpados e quais os mecanismos que foram necessários para que acontecesse esse particular debacle econômico e político.

Façamos como o famoso detetive Sherlock Holmes. Quais seriam as razões principais para os problemas que enfrentamos na economia e na política nacionais.

1) A recessão mundial com a preponderância da China, que vem reduzindo suas compras de produtos brasileiros nestes últimos anos. Desse e de outros países não podemos cobrar uma mea-culpa por razões óbvias. Acho que não há economista decente que não concorde com essa escolha. Talvez até José Serra.

2) O "mensalão" e as revelações da Operação Lava Jato, pois desmoralizam o PT e suas administrações.

3) A voracidade pelo poder e pelo dinheiro e os despudorados métodos de chantagem da maioria dos membros do nosso infeliz Congresso Nacional, capitaneada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, discípulo e apaniguado de Paulo César Farias.

4) A campanha colérica, apoplética, vociferante da oposição.

5) A obsessão dos meios de comunicação, da mídia elitista pelo debacle do poder político alcançado pelo operariado, pela plebe.

Ora, parece haver consenso de que a recessão é em grande medida resultado da falta de investimento como consequência da derrocada da confiança do cidadão e do capital no futuro do país.

Há, portanto, uma culpa compartilhada pela oposição, pelo Congresso, pela administração do PT e pela grande mídia por essa recessão em que se encontra o país. O mea-culpa deve começar por aqueles que dos outros estão a exigi-la.

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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