EDITORIAL DA FOLHA: Cada vez mais grave (edição deste sábado)

Publicado em 29/08/2015 02:56
FOLHA DE S. PAULO

A recessão brasileira é maior do que se calculava até sexta-feira (28), quando foram divulgados os números do PIB relativos ao segundo trimestre. A atividade econômica recuou 1,9%, desempenho próximo das piores estimativas; os dados do final de 2014 e do início de 2015 foram revisados para baixo.

As previsões para o ano tendem a se tornar mais sombrias. Projetava-se regressão de 2% a 2,5% do PIB. Os novos prognósticos já ultrapassam o teto dessa banda de pessimismo, confirmando que a economia brasileira deve sofrer a maior contração desde a queda de 4,3% em 1990, no governo Fernando Collor (então no PRN).

Não há, por ora, como contradizer as avaliações mais negativas.

O consumo das famílias declinou pelo segundo trimestre consecutivo, o que não ocorria desde 2003, na crise que marcou o final dos anos Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O investimento em novas instalações produtivas e em construção encolhe agora por oito trimestres consecutivos. O nível de confiança do consumidor e dos empresários está nas mínimas históricas, há estoques em demasia nas empresas e a deterioração do mercado de trabalho deve continuar pelo menos até meados de 2016.

As taxas de juros devem permanecer em níveis escorchantes por algum tempo. A degradação da situação financeira do governo da presidente Dilma Rousseff (PT) e sua desorientação política devem solapar ainda mais o ânimo de investimento das empresas.

A solitária nota positiva do balanço da economia deve-se à melhoria nas contas externas. A produção nacional torna-se mais barata devido à desvalorização do real, e a indústria passa a substituir itens antes importados.

É provável que a baixa do PIB trimestral no restante do ano não seja tão grande quanto a verificada de abril a junho. Não será melhoria, mas retrocesso menor.

Para 2016, o avanço adicional no setor externo e a baixa na inflação devem tornar o quadro menos dramático, embora se projete estagnação, na melhor das hipóteses.

Seja como for, muito depende da solução da crise de governo, de um plano que impeça a degradação contínua das contas públicas e de um projeto politicamente viável de reformas.

Uma crise crônica, porém, pode lançar ainda mais descrédito sobre a capacidade de pagamentos do governo e incentivar fugas de capitais, que derivariam em desvalorizações então daninhas do real e em altas de juros.

Não se trata de destino, mas seria o resultado do descaso ou da incapacidade de lidar com a emergência crítica: um cenário cada vez mais realista de grave desordem.

Com colapso do investimento, recessão será a mais longa do real

Ainda em andamento, a recessão da economia brasileira caminha para ser a mais prolongada desde o lançamento do Plano Real, em 1994.

A produção e a renda do pais já encolheram por dois trimestres consecutivos, sem perspectiva visível de recuperação. Pelos critérios da Fundação Getulio Vargas, a recessão já completou cinco trimestres, porque a atividade econômica não retomou os patamares do início de 2014.

A medição de recessões não é ciência exata. Leva-se em consideração não apenas a retração da indústria, do comércio e dos serviços, mas também indicadores como o desemprego e a confiança dos consumidores.

A crise atual se distingue de suas antecessoras pela dimensão da queda dos investimentos -ou seja, dos gastos públicos e privados destinados a ampliar a capacidade produtiva do país.

São oito trimestres consecutivos de um declínio que se aproxima dos 18%. Não há nada parecido nas estatísticas disponíveis desde a década de 1990.

Até então, a maior sequência de queda dos investimentos havia sido a de cinco trimestres a partir da segunda metade de 1998, na virada do primeiro para o segundo mandato de FHC. Naquele período, o Real vivia um colapso e o país precisava do socorro do Fundo Monetário Internacional.

Na virada de 2008 para 2009, durante o auge da crise internacional, a queda foi quase tão aguda como a de agora, mas durou apenas dois trimestres, com forte recuperação depois.

A derrocada de agora é o sinal mais evidente de uma incerteza recorde em relação ao futuro da economia, na qual os temores com a inflação, os juros e a dívida pública ganharam a companhia da incerteza política.

Governo Dilma fica alarmado com "retração sem prescedentes"

O governo já estava preparado para uma queda do PIB, mas ficou alarmado com a "retração sem precedentes, que derrubou a taxa de investimento, sinalizando que a recuperação vai demorar mais que o esperado.

A avaliação interna do Planalto é que o governo precisa "urgentemente" recuperar a confiança de empresários e consumidores na economia para que o investimento volte a crescer no país.

Sem essa recuperação, dizem assessores presidenciais, o clima político não vai melhorar nos próximos meses. Isso torna a presidente refém de seus aliados e alvo constante das ações da oposição em sua estratégia de tentar forçar a abertura de um processo de impeachment.

Auxiliares presidenciais disseram à Folha que o governo tem tomado as medidas necessárias para reduzir a inflação, reequilibrar as contas públicas e tentar fazer o investimento crescer, mas não conseguiu o mais importante para que essas políticas tenham o efeito desejado: recuperar a confiança dos agentes econômicos no país.

O senador Aécio Neves (MG), presidente do PSDB, disse que a queda do PIB "traduz o desastre econômico em curso no Brasil". Para o tucano, "o pior ainda está por vir".

Economistas revisam para baixo projeções para o PIB em 2015

forte contração do PIB (Produto Interno Bruto) no segundo trimestre, acompanhada da revisão para baixo dos dados dos primeiros três meses do ano, levou economistas a reduzirem suas projeções para o desempenho da economia em 2015.

A expectativa, afirmam, é de que ainda haja retração econômica neste trimestre e na segunda metade do ano. Segundo os analistas, indicadores divulgados sobre os meses de julho e agosto são pouco animadores. São dados de emprego, inflação, confiança, produção, estoques entre outros.

As projeções dos economistas ouvidos pela Folha para o desempenho do PIB neste ano variam entre -2,3% e -3,0%. Antes, as previsões ficavam em torno de -2%.

Entres os indicadores da economia que deram sinais negativos no segundo semestre, a confiança do consumidor recuou 1,7% na passagem de julho para agosto, atingindo 80,6 pontos. Foi o quinto recorde negativo este ano,  segundo a FGV.

Nas indústrias, o segundo semestre começou com queda na produção da indústria, juros elevados e desemprego crescente, segundo indicadores de julho compilados em pesquisa pela CNI (Confederação Nacional da Indústria).

O índice de elevação da produção da indústria, por exemplo, foi de 44 pontos em julho. É um aumento na comparação a junho (40,3 pontos), mas ainda abaixo de 50 –o índice acima desse patamar indica expansão da produção da indústria.

Leia abaixo as avaliações dos economistas:

"Os dados forçaram uma revisão na projeção de PIB para 2015, de -2% para -2,5%. A forte revisão da contração no primeiro trimestre e um comportamento negativo do consumo das famílias já no início do ano também surpreenderam. E esse indicador deve cair mais forte nos próximos trimestres, prejudicado pelo ajuste no mercado de trabalho, tornando-se o principal vetor para baixo do desempenho econômico."
André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos

"No terceiro trimestre deste ano, na comparação ao segundo trimestre, a queda do PIB será de 0,4%. [Essa queda menos intensa] dará a impressão de algo melhor, mas na comparação com o ano passado será pior, com queda de 3,1% do PIB. O terceiro trimestre seguirá sendo de piora nos investimentos e no consumo. Este, especialmente, deve dar um tom bem forte de baixa para a economia até o ano que vem. Por isso, reduzimos nossa projeção para o PIB em 2015 de queda de 2,1% para contração de 2,5%."
Sérgio Vale, economista da MB Associados

"Esperamos uma queda de 2,5% no PIB neste ano —ante uma projeção anterior de -2,1%, em primeiro lugar, porque a contração da economia no primeiro semestre foi maior que a esperada. E não há sinais de melhora. O PIB deve cair novamente no terceiro trimestre, influenciado pela queda nos índices de confiança, a taxa de juros elevada, o crédito desacelerando. O cenário político também está contribuindo para piorar a economia porque inviabiliza as reformas necessárias para melhorar o desempenho econômico. A contração nos próximos meses, porém, deve ser menor que no segundo trimeste."
Luciano Rostagno, estrategista-chefe do Banco Mizuho do Brasil

"O resultado do segundo trimestre vem em linha com o que projetávamos. A piora nos dados do primeiro trimestre, porém, forçam uma revisão da previsão de PIB para o ano, de -2,2% para -2,5%. Apesar disso, espero uma contração menor do PIB no segundo semestre. Isso porque o setor de serviços [do lado da oferta] e o consumo das famílias [do lado da demanda] terão pequena melhora, beneficiados por uma inflação mais baixa e o ajuste de salários em categorias importantes, como petroleiros, metalúrgicos, químicos e bancários."
Carlos Pedroso, economista-chefe do Banco de Tokyo-Mitsubishi

"A recessão mais profunda em 2015 vai contaminar a projeção para o crescimento de 2016. Considerando o dado pior do segundo trimestre e a revisão para baixo da contração no primeiro trimestre, nossa projeção para a segunda metade de 2015 aponta agora para uma queda de 2,5% no PIB em 2015 [contra -2,1% da previsão anterior]."
Banco Goldman Sachs, em relatório ao mercado

"Continuamos a projetar um crescimento real do PIB de -3,0% neste ano, e de -1,0% em 2016. Nós temos estado frequentemente alguns passos à frente do consenso em nossas visões sobre a economia brasileira. Acreditamos que a projeção de consenso continuará nos seguindo e sendo reduzida, tanto para 2015 quanto para 2016."
Banco BNP Paribas, em relatório ao mercado

"O resultado do segundo trimestre foi um pouco abaixo das nossas projeções. Os indicadores já divulgados apontam para nova contração da atividade econômica no terceiro trimestre. A confiança dos empresários e consumidores seguem em seus mínimos históricos. Os estoques permanecem altos, o que deve reduzir a produção na indústria nos próximos meses. Finalmente, o mercado de trabalho apresenta deterioração adicional, sobretudo nos dados do emprego formal. Então, avaliamos que há riscos de que a queda do PIB em 2015 seja maior que a que temos hoje no cenário (atualmente, projetamos -2,3%)."
Rodrigo Miyamoto, economista do Itaú BBA, em relatório ao mercado

"Estamos com uma projeção de queda de 0,3% do PIB no terceiro trimestre, frente aos três meses anteriores. E de 3% na comparação ao mesmo período do ano passado. Indústria e serviços devem contrair no terceiro trimestre no ano sobre ano, mas os dados com ajuste será bem menos negativo. Enfim, a recessão continua, mas em magnitude menor. Quando sairemos da recessão é uma pergunta de 1 milhão de dólares. No primeiro trimestre do ano que vem podemos ter uma taxa positiva, mas será um 'falso positivo', já que não está claro que o trimestre seguinte será bom."
Silvia Matos, economista do IBRE/FGV 

ANÁLISE de mauro zafallon:

Agropecuária ainda sustenta PIB do Brasil no semestre

A agropecuária se mantém como um dos sustentáculos do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. Foi o único setor que manteve crescimento no primeiro semestre deste ano, em relação a igual período do ano passado.

Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgados nesta sexta-feira (28), o PIB caiu 1,9% no segundo trimestre frente aos três primeiros meses do ano.

Apesar da crise econômica vivida pela economia brasileira, a evolução da agropecuária foi 3% superior à da média de igual período de 2014. Nesse mesmo período, o PIB geral teve recuo de 2,1%.

"Barata-voa", por IGOR GIELOW

BRASÍLIA - Como notou agudamente Elio Gaspari em sua coluna de quarta (26), a mentalidade de bunker parece dominar os movimentos do pós-governo Dilma-2.

Só o sentimento de "barata-voa", para ficar no jargão brasiliense, explica uma semana que começou com um corte de ministérios sem objetivos e acabou na tentativa de ressurreição bizarra da CPMF.

O tributo surgiu como uma justiça social feita tortamente, e hoje é apenas a segunda parte da sentença. Poderia passar como uma solução emergencial e de consenso nacional que, contudo, só se daria com outra pessoa na cadeira da Presidência.

Esperar apoio congressual ou um abraço de afogados com governadores sugere algo como desespero. Ou alguém vê senadores dando alguma força à ideia de reforçar o caixa de adversários no poder, para ficar no exemplo mais simples? E onde estão agora os banqueiros que correram para proclamar apoio à estabilidade institucional de seus lucros?

É pantomima, assim como a Agenda Brasil ou a tosa na Esplanada anunciada por um ministro aparvalhado em sua imprecisão ("dez" implica algum plano, não?). São todas estopas jogadas na moribunda fogueira do governo.

O resto está dado. Tirar Michel Temer de vez do centro das decisões, ato tolo da semana passada sacramentado nesta, apenas confirma o ritual funerário em curso.

Como num enterro viking, o caixão do governo navega num barquinho à espera da flecha incendiária a atear fogo em tudo, embora o esforço por uma combustão espontânea esteja sendo redobrado pelo Planalto.

O risco, vide o PIB e as contas públicas, é todos nós perecermos juntos no "Götterdämerung", o apocalíptico crepúsculo dos poderosos de Wagner citado aqui mesmo em julho e que hoje terrivelmente parece mais do que uma metáfora. Para voltar ao bunker hitlerista, só nos faltam os bailes sob a artilharia soviética. 

 

 

 

 

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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1 comentário

  • Rodrigo Polo Pires Balneário Camboriú - SC

    O editorial da Folha traz um grande equivoco, se não um grande engodo. Não há nada de positivo na desvalorização cambial, ela não torna a produção mais barata, torna mais cara, como todos os produtores sabem. A desvalorização cambial torna, isso sim, nossos produtos mais baratos aos estrangeiros, o que é coisa bem diferente de tornar a produção barata. Todos os pontos negativos apresentados pelo editorial e comparados ao governo FHC, derivam diretamente da desvalorização cambial, e prova é que no periodo em que ocorreu no governo passado, a desvalorização cambial também foi violenta. Um dos piores, e dos primeiros que ocorrem quando a moeda é desvalorizada é a queda dos investimentos, isso ocorre em todos os países que fazem isso. Por isso o desespero com a China quando ela desvalorizou a moeda. Os financistas sabem que desvalorizações cambiais diminuem o investimento e crescimento economico. É preciso retirar completamente o Estado da economia. Já sabemos o que acontece quando politicos saem mundo afora bancando os empresários com dinheiro público. O pixuleco é a prova.

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    • Valdomiro Rodante Junior Porangatu - GO

      Ainda mais com as trades com as multinacionais cada vez mais famintas , querendo cada vez mais terem mais lucros .

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    • Dalzir Vitoria Uberlândia - MG

      Lembro que os HOMI que fazem custos da agropecuaria são do tempo do óleo crú..pois fazem os cálculos baseado no valor da compra e não no valor da reposição...vejam meus comentários sobre custos de confinamento...os entendidos mostravam margem...mas diziam que na hora da venda cada valor de compra de boi vendido só comprava 0,85 boi..ou seja o resultado era negativo...assim fazem com a soja...milho...etc...devem os astutos especialistas em custos usar o lapis atras da orelha...

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