No EL PAÍS: Um PT paralisado vê escalada da crise sem ‘mea culpa’ e com críticas a Dilma

Publicado em 07/08/2015 08:58
Lula, Dilma e Rui Falcão vão à TV pedir apoio. Panelaços ocorrem nas principais cidades (por MARINA ROSSI, da sucursal do El PAís em S. Paulo)

Às vésperas das eleições do ano passado, os marqueteiros do PT gravaram um programa político dentro do TUCA, o teatro da PUC São Paulo. Do lado de dentro, intelectuais, acadêmicos, artistas e antigos militantes prestavam seu apoio à campanha de Dilma Rousseff, que, naquele momento acirrado da disputa, reforçava o discurso à esquerda na economia e se colava mais que nunca no imaginário de militante contra a ditadura da presidenta. Do lado de fora, centenas de militantes surgiam espontaneamente e se aglomeravam com bandeiras e camisetas vermelhas ao redor do teatro.

Menos de um ano depois, para muitos petistas o ‘espírito do Tuca’ talvez tenha sido o último suspiro da militância do Partido dos Trabalhadores. A Governo de Dilma Rousseff tem que lidar com a escalada de uma grave crise econômica e política sem contar com sua base, quer no Congresso ou nas ruas. Os militantes históricos e à esquerda que se empolgaram no teatro parecem atordoados ante o escândalo da Lava Jato, que provocou nova prisão do ex-ministro José Dirceu, acusado de corrupção e de "enriquecer pessoalmente" com esquema. Tampouco digerem o mal-estar com as medidas do ajuste fiscal, após uma campanha que martelou que não haveriaarrocho. Por fim, petistas defendem que a presidenta deveria pedir desculpas publicamente à população. Acreditam que o Governo se comunica mal com sua base com sua base e que falta humildade a Dilma.

“Mais do que um pedido de desculpas do Governo, faltou um pedido de desculpas por parte do PT", diz o cientista político Claudio Couto, citando o escândalo da Petrobras, a medidas do ajuste fiscal e a falta de clareza na comunicação com o eleitorado. "E isso vai se refletir nas eleições municipais do ano que vem".

Para ele, as chances de impeachment estão crescendo. “Quando se tem uma degradação do ambiente político como essa, com manifestações de rua, fragilidade no Congresso e a economia em recessão, cria-se um cenário muito favorável à queda do presidente”, afirma Couto.

“A militância se desarmou com o ajuste fiscal”, disse um dirigente com mais de 20 anos de filiação, no momento em que o PT tenta reagir à crise e aos novos protestos anti-Dilma marcados para 16 de agosto mobilizando setores tradicionais da militância, como sindicatos e movimentos sociais. Couto compartilha da mesma visão: “Muita gente ficou desapontada com a política econômica da Dilma, inclusive muita gente do partido”.

Grandes parcelas do PT não se convencem da guinada que a própria presidenta deu em sua política econômica, após anos de políticas para expansão do consumo e medidas para criar uma nova matriz econômica, mais alinhada com as teses desenvolvimentistas do partido. Repelem a argumentação de orientação ortodoxa do ministro Joaquim Levy de que é preciso equilibrar as contas e aumentar os juros para conter a inflação provocada pela onda do consumo. “A estratégia de medida do ajuste fiscal foi feita de maneira errada”, disse um dirigente que participou da fundação do partido. “Parece que o [ministro da Fazenda Joaquim] Levy foi para a Europa, ficou lá por uns 10 anos e voltou de lá impregnado das medidas econômicas europeias sem saber o que estava acontecendo no Brasil”, reclama.

A frágil base política, aliada a uma oposição cada vez mais forte no Congresso é a outra haste manca nesse pilar. Na primeira semana da volta do recesso, o Congresso produziu a primeira derrota do Governo neste segundo semestre. Nessa quarta-feira, aprovou a proposta que vincula o salário de funcionários da Advocacia Geral da União ao dos ministros do Supremo, que pode gerar um custo de 2,4 bilhões de reais ao ano para a União. Nem a bancada do PT votou de acordo com a orientação do Governo e apenas 3 deputados petistas foram contra à PEC. Na mesma madrugada, PTB e PDT romperam com a base governista.

“O Governo não tem controle sobre a sua base”, disse o presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ontem. A opinião do oposicionista é compartilhada pelo PT.  “A base está muito desorganizada de maneira geral, por uma série de demandas que não foram atendidas, relativas a emendas e a participação no Governo”, afirmou o deputado Carlos Zarattini, um dos únicos três  que votaram contra a PEC ontem. Para ele, o Governo deveria reorganizar seus ministérios, mas não arrisca falar em nenhuma Pasta específica.

Reunião e panelaço

Nesta quinta-feira, Dilma Rousseff convocou todos os ministros filiados ao PT para uma reunião de urgência. Pediu a eles um plano a curto prazo para aliviar a crise. Poucas horas depois, a presidenta apareceria em rede nacional, no programa do PT, afirmando que sabe "suportar pressões e até injustiças" e para lembrar que “já enfrentamos crises piores”.

Ao longo de dez minutos, o programa, apresentado pelo presidente do partido, Rui Falcão, Lula e o ator José de Abreu, além de Dilma, expôs números, tentou explicar o ajuste fiscal como algo positivo e necessário, admitiu a crise —a palavra ‘crise’ foi citada 26 vezes, nenhuma delas por Dilma Rousseff. Nas ruas, a resposta foi a mesma de todas as vezes em que a presidenta foi à tevê neste ano: panelaço por diversas cidades do país. Prevendo a reação, o programa, no final, ironizou: "Vamos continuar enchendo as panelas de comida e esperança. Esse é o panelaço que gostamos de fazer".

À diferença do programa do TUCA, no ano passado, não foi fácil achar esperança na mensagem. "Sei que a coisa não está fácil e que a crise já chegou nas nossas casas", disse Lula, e apelou à memória das crises anteriores, que aconteceram num Brasil mais pobre e com menos colchão social na forma de programas de transferência de renda. O ex-presidente que chegou ao poder "vencendo o medo" em 2002 ofereceu, dessa vez, uma advertência. Falou sobre os riscos de a crise econômica aprofundar a crise política: “A ditadura foi resultado de uma grave crise política e durou 21 anos.”

'Panelaço' desta quinta-feira. / NACHO DOCE (REUTERS)

 

AS DORES DE CABEÇA DE DILMA

Brasil vive um momento especialmente infeliz, com a presidenta Dilma Rousseff como protagonista de sua própria tragédia política poucos meses após ser reeleita. O país do boom econômico e dos aplausos internacionais como sólida potência política e financeira já parece distante enquanto a investigação do esquema de corrupção na Petrobras se amplia, a economia não dá sinais de melhora e a popularidade da governante está no chão. Forte descontentamento popular e a avidez de parte da oposição para tentar retirar a presidenta do poder formam o coquetel da crise.

Entenda a crise política e as apostas de opositores para tentar o impeachment

Por Marina Rossi

AS APOSTAS DA OPOSIÇÃO CONTRA DILMA

Opositores apostam em crime de irresponsabilidade fiscal e/ou financiamento ilegal de campanha para tentar impugnar a presidenta

A palavra Impeachment deriva do latim e expressa a ideia de ser pego ou preso. Tem analogias modernas no verbo francês empêcher (impedir) e no inglês impede (impedir). O Brasil esteve prestes a aplicá-lo contra Fernando Collor, em 1992, mas o então presidente renunciou antes

CRIME DE
RESPONSABILIDADE FISCAL

1

TCU E AS PEDALADAS FISCAIS

Tribunal de Contas da União (TCU) vai julgar as contas do Governo de 2014 porque detectou que o Governo fez pedaladas fiscais, manobra para atrasar repasses do Tesouro Nacional a bancos estatais e autarquias e maquiar contas. O TCU espera a defesa do Governo, que admitiu a prática e disse que faria as correções. Se as contas de Dilma forem rejeitadas, será algo inédito

QUEM FORMA O TCU - 9 ministros: seis indicados pelo Congresso, um pelo presidente da República e dois escolhidos entre auditores e membros do Ministério Público.

2

CONGRESSO

O veredito do TCU será levado à Câmara. A Casa, que há anos ignora os julgamentos do tribunal, deve agora votá-lo. Eduardo Cunha já afirmou que o assunto será prioridade assim que os deputados voltarem do recesso parlamentar, no dia 3 de agosto. Parte da oposição aposta em usar a rejeição das contas para condenar Dilma por crime de responsabilidade fiscal e tentar embasar um pedido de impeachment

3

PROBLEMAS

As contas julgadas são de 2014, e juristas argumentam que a rejeição não contaminaria o atual mandato, iniciado em 2015. Uma eventual comprovação de que as pedaladas seguiram em 2015 poderia complicar o cenário

4

O QUE PODE ACONTECER

Se o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), submeter ao plenário o pedido de impeachment de Dilma (que tem de ser aprovado por 2/3 dos deputados), o processo segue para o Senado. Se Dilma de fato for afastada pelos senadores, seu vice, Michel Temer (PMDB), assume a presidência

FINANCIAMENTO
ILEGAL DE CAMPANHA

TSE E O CAIXA DOIS

PSDB move ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para investigar financiamento irregular e abuso de poder da campanha de Dilma Rousseff em 2014. O processo é turbinado pelas investigações da Lava Jato

QUEM FORMA O TSE – 7 magistrados: Três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), dois do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dois indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

O JULGAMENTO

TSE analisa depoimentos dos delatores da Lava Jato. Um deles, o empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC, afirmou que parte das propinas que pagou para manter contratos com a Petrobras foram mascaradas em forma de doações para a campanha de 2014. A Corte também investiga se o Governo pressionou para adiar divulgação de números oficiais da estatal para não prejudicar a campanha, o que configuraria abuso de poder

PROBLEMAS

“Só nos cabe intervir quando a manifestação de vontade do eleitor é viciada”, disse o corregedor do TSE, João Otávio de Noronha, sinalizando que serão necessárias provas contundentes para justificar a cassação da eleição. Cabe recurso no STF

O QUE PODE ACONTECER

Se o TSE invalidar os resultados das eleições em 2014 e isso prevalecer no STF, Dilma e Temer perderão o mandato. Eduardo Cunha, presidente da Câmara, assume a presidência e convoca eleições para os próximos 90 dias

 

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Fonte:
EL PAÍS

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