Editorial do ESTADÃO: "A Eletrobrás, outra vítima"...
Se fossem governos com inclinação neoliberal, seria possível suspeitar de um plano perverso para desmoralizar e arrasar as maiores estatais do País, a Petrobrás e a Eletrobrás. A primeira, aparelhada e saqueada por muitos anos, chega ao fim de março de 2015 sem ter fechado o balanço do terceiro trimestre de 2014. A outra publicou na semana passada o balanço do ano, relatando prejuízo pelo terceiro exercício consecutivo. Ninguém jamais chamou de neoliberal, ou mesmo de simpatizante, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nem sua sucessora, Dilma Rousseff, agora no começo do segundo mandato. Não se suspeita, portanto, de uma política orientada por um plano de redução das atribuições e da intervenção do Estado na economia, como aquela conduzida pela primeira-ministra britânica Margaret Thatcher.
A explicação deve estar em outros fatores, alguns políticos, como a confusão entre partido e Estado, outros mais prosaicos, como a incompetência administrativa exibida nos últimos quatro anos com requintes de virtuosismo. Essa incompetência é visível, por exemplo, nas perdas impostas à Petrobrás e às empresas do setor elétrico pelo controle de preços, numa tentativa tosca de represar a inflação.
Empresas do setor elétrico - e este é igualmente o caso da Petrobrás - foram prejudicadas também pela decisão imprudente de antecipar a renovação das concessões. Nem todas aceitaram, mas um grupo controlado pela União teria de se sujeitar a um capricho do governo.
A Eletrobrás fechou o balanço de 2014 com prejuízo de R$ 3,03 bilhões. O Ebtida (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) também ficou negativo em R$ 179 milhões. Mas a companhia apontou uma evolução positiva: o prejuízo foi 51% menor que o do ano anterior, de R$ 6,29 bilhões. As perdas, segundo o relatório, foram causadas principalmente pelo custo da energia comprada para revenda, pela provisão para contingências judiciais e pela baixa de crédito fiscal. O aumento do custo da energia obviamente só resultou em prejuízo porque foi impossível o repasse aos compradores finais. As tarifas voltaram a subir no ano passado, mas em ritmo insuficiente para compensar a variação de custos.
Ao apresentar o balanço de 2013, em março do ano passado, a direção da empresa chamou a atenção para a melhora do resultado: o prejuízo havia sido 8,6% menor que o de 2012. Para o ano seguinte, a promessa era retornar ao azul. "Todos os nossos estudos", disse na ocasião o presidente da companhia, José da Costa Carvalho Neto, "indicam que em 2014 a Eletrobrás deve ter lucro." Os fatos desmentiram essas projeções.
Em relação às tarifas, o governo cometeu pelo menos quatro erros. O primeiro foi tentar maquiar as pressões inflacionárias, sem levar em conta a necessidade de uma correção, quase sempre muito custosa. O segundo erro foi enviar um sinal errado aos consumidores. A redução dos preços estimulou o consumo numa fase de aumento de custos. O terceiro foi prejudicar o fluxo de caixa e a lucratividade das empresas, dificultando a realização de investimentos e a expansão da capacidade instalada. O quarto foi menosprezar o efeito fiscal dessa política: o Tesouro seria forçado a socorrer várias empresas e a endividar-se para isso.
Raramente um governo, mesmo de reconhecida incompetência, incorre em tantos equívocos, criando problemas para as estatais, para o setor privado (prejudicado pela insuficiência de investimentos) e para si mesmo, por causa das consequências fiscais e do impacto da correção dos preços.
Esses erros combinam com outros equívocos acumulados nos últimos anos e refletidos na estagnação econômica. O segmento de produção e de distribuição de eletricidade, gás e água recuou 2,6% no ano passado, depois de haver avançado apenas 0,4% em 2013.
A primeira-ministra Margaret Thatcher desmontou as estatais britânicas com um custo muito menor e com resultados positivos para a economia. Mas ela tinha um plano, sabia administrar e seu partido tinha ambições modestas - comandar a política do país, sem se confundir com o Estado.
O PT e a avestruz
DENIS LERRER ROSENFIELD - O ESTADO DE S.PAULO
O PT está se comportando como avestruz. Pensa que escondendo a cabeça ninguém mais verá o resto do corpo. Os escândalos se sucedem, o mensalão passa para o petrolão e o partido insiste em frisar sua virgindade ética, como se tudo fosse uma grande artimanha das oposições. Ainda assim, deveria ser bem explicado a que oposição seus líderes se referem, pois, se ela existe, tem sido incapaz de conduzir qualquer coisa. Segue a reboque das ruas, que nas últimas semanas se tornaram as grandes protagonistas do País.
Vamos convir que a posição de vítima assumida pelo partido não tem nenhuma chance de vingar. O PT está no quarto mandato presidencial e é, portanto, responsável por tudo o que nele aconteceu e acontece. De nada adianta continuar culpando o ex-presidente FHC de todo mal que nos aflige, pois se esse argumento for levado a sério ele terminará sendo responsável por qualquer unha encravada. O que, sim, tem faltado ao governo e seu partido principal é o humilde reconhecimento de seus erros, algo que parece situar-se além da soberba reinante.
Se o País vive, do ponto de vista governamental e partidário, uma espécie de desmoronamento ético, isso se deve ao aparelhamento da máquina estatal, tornada mero instrumento de consecução de fins partidários. O discurso oficial é contra a corrupção, quando a prática partidária consiste em acobertá-la. O PT nem consegue punir seus envolvidos tanto no mensalão quanto no petrolão. Uns são considerados "guerreiros do povo brasileiro", outros ainda não o são por não terem sido condenados.
O atual tesoureiro continua protegido e a Petrobrás segue blindada na verdadeira apuração de suas responsabilidades. Tudo é um grande jogo de cena. Acontece que essa cena não está mais "colando", não gera nenhuma adesão dos cidadãos. O PT caiu na lama e não consegue sequer se levantar.
Em contrapartida, o País vive um despertar ético, demonstrando real preocupação com suas instituições. As manifestações de 15 de março foram uma efetiva tomada de consciência, com as ruas plenas de indignação, independentemente de faixa etária, classe social e gênero. O governo e seu partido não conseguem mais tapar o sol com a peneira. Não há marketing que resolva essa situação. Os mágicos ficaram sem mágica!
Não tem o menor cabimento o PT reclamar de uma grande orquestração da mídia, como se fosse ela a responsável pelas grandes manifestações de rua, pelos escândalos da Petrobrás, pela inflação e pelo PIB zero. Jornais, revistas e meios de comunicação em geral, em sua diversidade e pluralidade, retratam o que está acontecendo.
O que pretendem os dirigentes partidários? Que as ruas repletas de gente não sejam filmadas, retratadas e descritas? Que o PIB zero não seja comentado? Que a inflação que acomete os cidadãos seja desconsiderada, quando ela é sentida diariamente nos supermercados? Que a corrupção na Petrobrás não seja noticiada? Que o trabalho da Justiça e do Ministério Público seja denegrido?
A política petista de feroz crítica aos meios de comunicação consiste na tentativa de matar o mensageiro para que a mensagem não seja transmitida. Em vez de o partido enfrentar seus reais problemas, termina apelando para seu arsenal ideológico de ideias antiquadas e ultrapassadas, desta feita a de "controle social da mídia" ou "democratização dos meios de comunicação".
Para falar claro: trata-se da tentativa de restabelecer a censura no País, agora nos moldes do que já é feito na Venezuela, na Bolívia, na Argentina e no Equador, nessa via comunista, soviética, agora denominada "socialismo do século 21", como se assim a proposta autoritária se tornasse mais palatável! A moralidade é estropiada em nome de uma "superioridade moral do socialismo".
O PT não consegue nem se entender no que diz respeito ao seu apoio ao governo Dilma. A austeridade fiscal que está sendo introduzida não é a responsável pela inflação, pelo PIB zero, pela desvalorização do real e pelos altos juros. Estes nada mais são que consequências das políticas econômicas conduzidas pelo governo Dilma e pelo segundo mandato do governo Lula. São, reitero, meras consequências. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, nada mais está fazendo que tentar corrigir o descalabro reinante, que é produto do que foi feito até aqui.
Agora, que o partido se insurja contra o ministro e, indiretamente, contra a presidente, em nome das políticas desastradas que nos levaram até esta situação, é um manifesto contrassenso. Caberia, isso sim, apoiar a mudança de rumo, em nome da governabilidade e, sobretudo, do País, que é maior do que qualquer partido e que a soma de todos. Como pode a presidente exigir o apoio incondicional do PMDB quando o seu próprio partido é o maior opositor de sua política atual?
A proposta de alguns setores partidários de radicalização do processo político, por meio de uma nova aliança com os movimentos ditos sociais, é de uma grande irresponsabilidade. Movimentos como o MST são expressões de um projeto político de tipo marxista, para instalar no País um regime totalitário de tipo socialista.
Trata-se, no caso, de uma organização de tipo leninista, que tem vários braços, como os Sem-Teto, as Mulheres Campesinas, os Atingidos pelas Barragens, os Pequenos Agricultores e a Via Campesina. Todos obedecem a uma mesma estratégia e ao mesmo comando, tendo na Venezuela e em Cuba seus maiores exemplos. A faceta social é mera roupagem.
Insistir nessa via significaria lançar o País na ingovernabilidade e numa eventual crise institucional. Quando Lula chamou o "exército do Stédile" às ruas, ele conclamou essa milícia a se preparar. Permaneceram ele e os seus apoiadores cegos e surdos aos clamores populares.
No dia 15 de março, um dos seus dizeres era: "A rua brasileira jamais será vermelha!". Como bem expressaram os manifestantes em suas roupas: "Ela é e sempre será verde-amarela!".
*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia da UFRGS. E-mail: [email protected]
Um outro mundo é possível
LUIZ WERNECK VIANNA - O ESTADO DE S.PAULO
Isso que aí está é o fim do mundo ou é começo de outro? Os sinais que vêm das ruas, ocupadas por multidões, que se renovam quase semanalmente, embora desencontrados, expressam, cada qual a seu modo, a mesma sensação de mal-estar com os rumos do País e de desconfiança na ação dos partidos e, em geral, na dos dirigentes políticos. À diferença das manifestações de 2013 que apresentavam agendas de políticas públicas definidas sobre temas concretos, como os da mobilidade urbana, dos serviços de saúde e de educação, as que se iniciaram a partir de 15 de março de 2015, bem mais encorpadas, optaram pela marca difusa de um protesto contra a política na forma como a que temos praticado.
No espaço de dois anos o País se vê varrido por duas grandes ondas de mobilização social - mais duas estão a caminho. Sem contar a dos sindicatos que têm feito das ruas e rodovias lugar de teatralização das suas manifestações - a ocupação da Ponte Rio-Niterói por uma passeata de metalúrgicos foi a mais contundente -, a que se somam as de incontáveis movimentos sociais. As ruas têm sido instituídas numa esfera pública paralela, à margem dos partidos e das organizações formais, mas, ao contrário das gregas e espanholas, nelas não se delibera e não se procura produzir autoesclarecimento sobre o que, afinal, nos aflige na hora presente.
De fato, não há por que tergiversar com a gravidade da situação, nem se pode contar com a garantia de que o caráter pacífico dessa leva de manifestações dos idos de março será preservado, pois a cólera e as paixões irracionais, se não contidas por ações responsáveis, trazem o risco de converter disputas políticas em guerra entre facções. Não se pode ignorar que a sociedade, independentemente de suas clivagens partidárias, sente que seus sonhos foram roubados. O principal deles é o de que estaríamos em marcha batida para a afluência, com o bilhete premiado do pré-sal, cornucópia que nos permitiria o acesso a recursos abundantes para a modernização do nosso parque industrial e para políticas afirmativas de inclusão social.
A descoberta de uma sinistra trama a envolver a Petrobrás numa rede de relações corruptas com empresas e partidos da base governamental, inclusive com o hegemônico, afetando suas atividades e a própria credibilidade da empresa, não só posterga a concretização desses legítimos anseios, como já deixa em seus rastros o desemprego de milhares de trabalhadores e a ruína de cidades que prosperaram em torno dos seus negócios. Mas como tudo o que é ruim pode piorar, mal saído de uma eleição presidencial o País é advertido pela presidente Dilma de que, ao contrário do que sustentou quando candidata, seria necessária uma mudança de rumos: um severo ajuste fiscal tomaria o lugar da aceleração do crescimento.
Trocar sonhos por pesadelos não é uma boa experiência. Chamada à realidade por eles, a sociedade defronta-se com um mundo para o qual não tem referências para se situar diante dos novos desafios a que está exposta. Sem confiar nos partidos, descrente do governo, faz das ruas um tribunal, pondo a política no pelourinho. Perigosamente, o demos se dissocia da República, abrindo passagem para soluções salvacionistas e homens providenciais, dos quais temos a infausta memória do regime militar e da eleição de Collor na sucessão presidencial de 1989.
A sinalização está feita - esta é uma hora que demanda com urgência a ação dos Poderes republicanos a fim de preservarmos e aprimorarmos as instituições conquistadas com a democratização do País. As reformas políticas têm de ser feitas e os crimes contra o patrimônio público ser apurados e punidos. Mas essas tarefas, embora necessárias e ingentes, não nos bastam. A emergência às ruas das multidões, em si auspiciosa, também tem revelado a rusticidade da nossa cultura política. A desinstalação do capitalismo de Estado como ideologia reinante nos chega por imperativos sistêmicos, e não pela ação autocrítica do governo, que não reconhece os seus erros.
Décadas de passividade, de empobrecimento do debate público, sob o obscurantismo de concepções anacrônicas sobre os poderes demiúrgicos de um Estado tutelar e de heróis providenciais nos apresentam, agora, a sua conta: o maniqueísmo é a marca dominante da nossa cultura de massas. Saudáveis como são, essas manifestações de 2015, além de erráticas - quem defende o governo discorda de sua política econômica, quem o ataca a defende -, vêm à luz, contudo, condenadas ao efêmero, não nos deixando em seus rastros ideias novas. Nada nelas evoca os movimentos que deram partida ao Syriza, na Grécia, nem os que, na Espanha, serviram de base para a organização do Podemos e dos Cidadãos.
Elas são apenas especulares da miséria intelectual - sintomático o "nós contra eles" - a que nos condenou uma política realizada em nome de uma esquerda que, mesmo diante das inúmeras oportunidades que se apresentaram para abrir caminho em direção ao moderno, optou, com um pragmatismo sem alma, pela caixa de ferramentas e pelo repertório herdados do nosso passado, concedendo vida nova ao nacional-desenvolvimentismo e à estatolatria, sempre presente em nossa História.
Não se vive um fim do mundo, mas desse mundo aí. A crise que o anuncia é a hora de oportunidade para a afirmação dos Poderes republicanos, em particular do Judiciário e do Legislativo, este último a se desprender - não importando as motivações de algumas de suas lideranças - da sua gravitação em torno do Executivo. Sob a modalidade bastarda como o conhecemos, soou a hora final para o nosso presidencialismo de coalizão, forma velada com que o autoritarismo político encontrou passagem para se reproduzir no cenário da Carta de 88.
Em meio a um cenário de escombros, com o que ainda resta de pé dá para entrever que um outro mundo é possível.
*Luiz Werneck Vianna é sociólogo (PUC-Rio)
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