Cacauicultura brasileira vê risco fitossanitário em importações da Costa do Marfim
A cacauicultura brasileira corre risco fitossanitário com a importação de amêndoas fermentadas e secas de cacau da Costa do Marfim. O produto do país africano entra no Brasil sem ser submetido a tratamento com brometo de metila contra pragas e doenças quarentenárias. Além de ameaçar as plantações nacionais da fruta, tal situação tem potencial, em caso de alguma ocorrência adversa, para propagar doenças em outras culturas, como soja, milho, arroz, feijão, cana-de-açúcar, sorgo e milheto.
O alerta é da presidente da Associação Nacional dos Produtores de Cacau (ANPC), Vanuza Barroso, ao defender a rediscussão de Instrução Normativa (IN) nº 125, de 23 de março de 2021, da Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). A IN 125 eliminou a exigência de tratamento com brometo de metila para ingresso de amêndoas fermentadas e secas de cacau da Costa do Marfim no território brasileiro.
A norma do Mapa de 2021 revogou a IN nº 18, de 28 de abril de 2020. Esta exigia que as amêndoas fermentadas e secas de cacau importadas pelo Brasil da Costa do Marfim fossem tratadas com brometo de metila, na dose de 48g/m3em temperatura ambiente, com 24 horas de exposição ao gás, para o controle das pragasCaryedon serratus, Trogoderma granarium, Mussidia nigrivenella, Phytophthora megakarya e Striga spp.
“Num momento em que a cacauicultora brasileira está se recuperando, depois de quase ter sido dizimada pela vassoura da bruxa no sul da Bahia, no final da década de 1980, convivemos agora com o risco de entrada no país de pragas e doenças quarentenárias, como a Striga”, diz a presidente da ANPC. “Se hoje essa situação é uma ameaça direta ao cacau, amanhã pode se estender a outras culturas, porque a Striga é uma doença de rápida disseminação.”
De acordo com ela, a IN 125 da SDA/Mapa atendeu interesses de multinacionais com atuação no Brasil, representadas pela Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC). A AIPC tem como associadas a Olam Agrícola, a Barry Callebaut e a Cargill Agrícola, que juntas processam 97% do cacau nacional, em unidades industriais que geram mais de quatro mil empregos diretos.
Em ofício encaminhado a então ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, em 20 de julho de 2020, a AIPC pediu a revogação do uso do brometo de metila como exigência fitossanitária para importação da Costa do Marfim, tendo em vista o banimento do produto no território marfinense há mais de 10 anos.
No documento, a AIPC alegou que a compra da amêndoa de cacau da Costa do Marfim era necessária para atender a capacidade instalada da indústria moageira, estimada em 275 mil toneladas. Dados de 2021 mostram que o Brasil produz cerca de 198 mil t/ano de cacau e processa em torno de 224 mil t, gerando um déficit interno de 26 mil t.
“Esse déficit foi suprido pelas importações, que foram de 60 mil toneladas no ano passado, ultrapassando a necessidade em 34 mil toneladas. E esse mesmo déficit foi quase que totalmente coberto com as importações da Costa do Marfim. Ou seja, com uma amêndoa de cacau que não é tratada adequadamente e põe em risco a nossa cacauicultura”, reforça a presidente da ANPC.
Para Vanuza Barroso, o Mapa ignorou os produtores de cacau ao editar a IN 125. “Essa medida pôs em risco a nossa única lavoura totalmente sustentável, a nossa floresta de chocolate”, diz, referindo-se ao sul da Bahia e ao Pará, que respondem, junto com o Espírito Santo e Rondônia, pela maior parte da produção brasileira de cacau.
A presidente ANPC considera urgente a necessidade de o Mapa rever a IN 125 para que o Brasil se livre da ameaça de pragas e doenças quarentenárias, como a Striga, conhecida como erva da bruxa. “Há uma preocupação muito grande entre os produtores de cacau com o risco a que estamos expostos, principalmente no sul da Bahia.”
A maior parte do cacau marfinense entra no Brasil pelo Porto de Ilhéus. Segundo Vanuza Barroso, a fiscalização no local é uma atribuição da SDA/MAPA, que a repassou à Ceplac (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira). “Temos a informação que o serviço foi terceirizado para uma empresa privada, o que nos deixa ainda mais preocupados com a situação.”
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