Pecuária gaúcha: enquanto prejuízos pelas enchentes são contabilizados, recomposição de rebanhos e sanidade preocupam
Cerca de um mês após o início das tempestades que atingiram 469 dos 497 municípios do Rio Grande do Sul (até segunda-feira, 27 de maio), integrantes da cadeia produtora de proteína animal, agroindústrias e associações que representam o setor ainda contabilizam os prejuízos, sejam eles financeiros ou de perda de animais. A continuidade das chuvas, cheias em alguns rios, dificuldades logísticas e de comunicação complicam o levantamento de dados em sua completude. Desta maneira, as entidades divulgam periodicamente atualizações das informações de cada setor.
Em meio ao caos e à tentativa de entender o tamanho do estrago, os setores de pecuária leiteira, avicultura (de corte e postura) e suinocultura traçam estratégias de como recompor os rebanhos perdidos, mantendo os protocolos de sanidade.
A Organização Avícola do Rio Grande do Sul (O.A.RS) e suas entidades Asgav e Sipargs informaram a perda, até o momento, de 497.448 aves de corte e 158.752 aves de postura. A Associação de Criadores de Gado Holandês do Rio Grande do Sul (Gadolando), estima a morte de cerca de duas mil vacas leiteiras, enquanto a Associação de Criadores de Suínos do Rio Grande do Sul (ACSURS) projeta 12,6 mil suínos mortos com as cheias dos rios.
Convertido em valores, a estimativa de perda na área da suinocultura atinge R$ 40 milhões e na avicultura, R$ 247.216.306,60, de acordo com as entidades consultadas. A Gadolando ainda não tem um levantamento de perdas financeiras para o setor leiteiro justamente pela dificuldade em captar informações em meio à tragédia ainda em curso no Rio Grande do Sul.
RETOMADA VAI LEVAR MESES E CUIDADOS
Segundo José Eduardo dos Santos, presidente Executivo da Organização Avícola do RS (Asgav/Sipargs), para além de recursos financeiros, a avicultura gaúcha, que representa 11% da produção nacional de frangos de corte, vai precisar de planejamento e cuidados com a biosseguridade.
‘A avicultura sempre foi um setor de muito planejamento, o sucesso da avicultura está no planejamento, na genética. Temos também a condição de reprogramar e redirecionar a nossa produção conforme as necessidades. Mas se precisar buscar aves e fornecedores em outros estados, contar com as empresas de reprodução genética e contar com o amparo dos órgãos oficiais para dar condições para recompor os plantéis, com questões sanitárias. O tempo vai depender. Um aviário que perdeu 90 mil aves, por exemplo, em que fase estas aves estavam? Eu calculo aproximadamente, vendo a necessidade, cerca de seis meses, no mínimo”, disse Santos.
Outro ponto citado pela liderança é de que, desde o dia 15 de maio de 2023 o vírus da influenza aviária de alta patogenicidade está circulando pelo país. Segundo dados do Ministério da Agricultura, até o momento (27 de maio), são 165 casos da doença, sendo 3 em aves de subsistência e 5 em mamíferos marinhos. O restante dos casos é em aves silvestres, e nenhum em plantéis comerciais.
“O vírus da gripe aviária ainda está em aves silvestres. Então reforçamos nosso compromisso junto a toda a questão do amparo ao setor, manter a biosseguridade. Neste caso, uma contaminação nessa situação, que vai se prolongar por alguns meses, seria uma catástrofe maior ainda”, disse José Eduardo dos Santos.
Marcos Tang, presidente da Associação de Criadores de Gado Holandês do Rio Grande do Sul (Gadolando), estimou, inicialmente, a morte de cerca de duas mil vacas leiteiras devido às enchentes. Entretanto, além deste número poder aumentar ao longo dos dias devido ao contato com pecuaristas e o levantamento de novas informações, doenças podem acometer os animais que ficaram nas propriedades.
“Vai se sentir essa tragédia por dois, três anos, porque tem que recompor rebanho, comida, solo, plantio de pastagens. Estamos perdendo um mês de reprodução, são terneiras que pegaram ou que ainda podem pegar pneumonia, vacas que deixaram de emprenhar, estamos tentando tratar as vacas para ficar bem para daí inseminá-las”, destaca Tang.
Conforme nota emitida pela Gadolando, Marcos Tang também ressaltou o custo elevado para a reconstrução das instalações destruídas pelas águas nas propriedades leiteiras. Informa que na parte dos equipamentos em geral, desde a ordenhadeira, tanques, bombas, trator, geradores e muitos outros utensílios fundamentais, alguns poderão ser consertados mas outros terão que ser comprados. O presidente da Gadolando também lembra da necessidade de ressemear os pastos. “A maioria já havia gasto altos valores com a semeadura das pastagens de inverno. Tudo foi lavado. As sementes de azevém, aveia, etc, estão em um preço de difícil acesso para os produtores de leite”, pontua.
No caso da suinocultura, de acordo com Valdecir Luis Folador, presidente da Associação de Criadores de Suínos do Rio Grande do Sul (ACSURS), além das perdas de animais que morreram afogados ou foram levados pelas águas, ainda tem as perdas indiretas, levando em conta os animais ficaram com restrição de alimentação, matrizes que estão em gestação e podem ter menos leitões, abortar, ou leitões que estão com menor desempenho por causa da menor disponibilidade de leite. “São perdas indiretas e difíceis de mensurar”, afirma.
Sobre o tempo para a reconstituição da atividade à normalidade, Folador aponta que a perda estrutural atinge diretamente o produtor, porque é por conta dele a estrutura física. “Talvez quem perdeu instalações mais antigas ou em locais em que não pode mais ficar limpo após o ocorrido não volte mais, ou quem pode voltar, aí leva tempo, demora cerca de seis meses, dependendo das condições financeiras do produtor. A suinocultura é uma atividade de ciclo contínuo, então essa recomposição vai ser continuada, os matrizeiros continuaram. Estes 12,6 mil animais só não chegaram aos frigoríficos, mas seguem sendo criados”, afirmou.
AGROINDÚSTRIA EXPOSTA À TRAGÉDIA
As indústrias da Cooperativa Dália Alimentos (de suínos em Encantado e a avícola em Arroio do Meio), passaram cerca de 15 dias inoperantes devido às enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul desde o final de abril deste ano, conforme nota emitida pela cooperativa. As atividades nestas duas plantas foram retomadas na última segunda-feira (20 de maio).
Em nota, o presidente do Conselho de Administração, Gilberto Antônio Piccinini, conta que a experiência das cheias em setembro e novembro de 2023 levaram a Cooperativa a adotar medidas importantes para reduzir as consequências da maior catástrofe climática do Estado. "Nos preparamos para enfrentar essa tragédia e, portanto, as fábricas de rações mantiveram seu funcionamento normal por meio de geradores", afirma.
Em relação ao setor leiteiro da Cooperativa, ele conta que o Complexo Industrial Lácteo em Arroio do Meio retomou as atividades de envase de leite UHT, em pequena escala, após alguns dias do início das cheias, embora tenha levado mais tempo para retomar a produção de leite em pó devido à falta de abastecimento de energia elétrica.
Piccinini afirmou no comunicado que a unidade mais atingida foi o frigorífico de suínos, localizado na matriz em Encantado, mas que a recuperação foi rápida e eficiente. “Mesmo com a equipe reduzida, pois muitos colaborados também tiveram suas casas atingidas, conseguimos realizar a limpeza de forma bastante rápida”, disse.
Já o Complexo Industrial Avícola em Arroio do Meio foi pouco atingido pela inundação, mas ficou impedido de operar pela falta de energia elétrica na localidade. “Este foi outro lugar que necessitou de limpeza e troca de alguns equipamentos eletrônicos”, relata o presidente do conselho ao mencionar que, inicialmente, a retomada será com menor volume de produção e em breve, a projeção é atingir a capacidade produtiva normal da indústria.
Durante o período mais crítico, o gestor relata (e agradece), integrantes das cadeias produtivas gaúcha, catarinense e paranaense que ajudara, fosse entregando rações ou adquirindo animais vivos.
O presidente Executivo da Cooperativa, Carlos Alberto de Figueiredo Freitas, destaca a importância de priorizar a reconstrução da infraestrutura logística na região, enfatiza que ainda é cedo para mensurar os prejuízos dos associados e da cooperativa, mas pontua a necessidade de novas linhas de financiamento para grandes empresas. "Diante desta tragédia climática e em estado de calamidade, é essencial que o sistema financeiro ofereça linhas de financiamento a longo prazo com juros aceitáveis para empresas de grande porte", concluiu o Presidente Executivo.
ABPA UNE SETORES EM DIÁLOGO COM GOVERNOS
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), por meio do presidente da entidade, Ricardo Santin, está em contato com os setores produtivos de aves e suínos, ligando os pontos até governos Estadual e Federal em busca de soluções para a retomada das atividades o mais breve possível.
“As perdas nos setores de aves, suínos e ovos no Rio Grande do Sul são grandes, impactantes, mas não comprometeram o abastecimento. Temos hoje a totalidade das plantas retomando o processo de abate, embora ainda algumas retomem de forma parcial, mas isso já consegue manter o abastecimento fluindo dentro de suas características mínimas necessárias para fornecer alimento para as empresas”, disse Santin.
“A informação que temos é de que os alojamentos estão sendo retomados, tanto para aves quanto para suínos. Claro que, naquelas instalações físicas (granjas) que foram afetadas diretamente pelas enchentes, será necessário que se faça reformas ou reconstrução para depois fazer o alojamento. Mas não há uma previsão de qual será o tempo que a perda destas matrizes vai gerar de impacto para a capacidade produtiva do Estado”, completou.
Para além dos prejuízos com a perda dos animais, Santin destaca que ainda não há um levantamento específico de quantas estruturas físicas foram afetadas e também o quanto estas estruturas foram impactadas.
“Aquelas que eram tecnificadas, se foram alagadas integralmente, você tem problemas de painéis eletrônicos, equipamentos que usam motores e, inclusive, controles à distância. Em outros casos, são outros tipos de danos. Agora está se levantando os prejuízos e a previsão é um pedido para o Ministério da Fazenda, Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) e Ministério da Agricultura para que haja financiamentos específicos para reconstrução, recuperação do que foi perdido, reconstrução e capital de giro para que os produtores consigam retomar sua produção”, apontou.
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