Por quê a população é mais severa com Temer do que com Lula? Por quê? (REINALDO AZEVEDO)
Ainda que os brasucas quisessem acreditar em todas as acusações do Ministério Público Federal, não há nenhuma razão objetiva para que sejam apenas 54%os que querem Lula preso, mas 89% os que afirmam que a Câmara deveria autorizar a segunda denúncia contra o presidente. Sim, são coisas diferentes. Na cabeça do eleitor, trata-se de punições. Ou vocês acham que os que responderam entendem que a Casa estaria apenas dando uma autorização para que o STF fizesse, então, juízo de admissibilidade etc? Ora…
Eis aí. Um dos delatores da JBS afirmou, com todas as letras, o que queriam Rodrigo Janot e seus menudos amestrados: “acabar com o PMDB”. E, por óbvio, com peemedebistas. Se são 40% os que não querem a prisão de Lula (e isso significa, sim, um alinhamento com o petista), são apenas 7% os que acham que a Casa deveria mandar a nova denúncia para arquivo. E olhem que esta segunda é a prima pobre da primeira. Talvez seja a maior reunião de absurdos jamais produzida na Procuradoria-geral da República.
É claro que isso decorre de uma avaliação negativa do governo. Também o Datafolha aponta queda na popularidade do presidente Temer: hoje, o governo seria ruim ou péssimo para 73%. Só 5% o consideram bom ou ótimo. Para 20%, é regular.
Dado o bombardeio diário de setores poderosos da imprensa, que aderiram a uma agenda filogolpista, isso é até compreensível. Uma pista de que essa gente força a mão contra o governo está na expectativa dos brasileiros, que vai na contramão explícita da realidade.
A inflação caiu numa velocidade e num nível que chegou a criar dificuldades para o governo porque afetou a arrecadação de impostos. Não obstante, ainda são 56% os que acham que ela vai piorar. Só 11% dizem que vai diminuir. O desemprego está em queda, mas 53% pensam que vai aumentar. Só 28% acham que a situação econômica do país, que já está melhorando, vai… melhorar! Apostam que vai piorar 34%, e 35%, que fica como está — vale dizer: ruim.
É razoável supor que a melhora dos índices econômicos ainda não chegou à população. Dificilmente, números tão severos com o governo se repetirão em meados do ano que vem. Uma coisa é certa: é o bombardeio político, como raramente se viu, que fabrica esses dados. Só ele pode explicar que 40% queiram poupar Lula, mas chegue a apenas 7% os que fariam o mesmo com Temer — reitero: acho que a resposta dada pelos entrevistados ignora a natureza das sanções. Trata-se, nos dois casos, do ânimo para a punição.
De toda sorte, embora ainda alto, caiu o número dos que defendem a deposição de Temer: 59%. Já foi de 65% em junho. Acham que ele deve concluir o mandato 37%; há três meses, apenas 30%.
E encerro notando que, por óbvio, os desmandos e desvios praticados pelo Ministério Público Federal ainda Não ganharam capilaridade. Parece-me evidente que amplas camadas da população ainda não entenderam as enormidades praticadas pelos valentes.
54% querem prisão de Lula; 40% não! Nada há a comemorar. E o arranca-rabo de classes
Quando se faz a intersecção desses números com os da intenção de voto, nota-se um Lula que cresce como opção dos mais pobres, e adversários que ainda não encontraram o caminho que os leve a falar a essa parcela imensa do Brasil
Pois é, pois é…
Cantarole com Renato Russo: “Que país é este?” Mas, em vez de se indignar, faça um esforço para entender o que está em curso.
Segundo o Datafolha, vejam os números, 54% dos que responderam a pesquisa Datafolha acham que Lula deveria ser preso. Mas é gigantesca a parcela que diz o contrário: 40%. E olhem que a pergunta traz um certo constrangimento: “Considerando o que foi revelado pela Operação Lava Jato, Lula deveria ser preso?” Esse “o que foi revelado” leva aquele que responde a pesquisa a processar rapidamente um cotidiano de denúncias que caminha para o quarto aniversário.
Sei que o que vou escrever a muitos desagrada, mas lá vai: é baixo o percentual dos que querem o petista preso. E é estratosférico o dos que não querem. Um pouco de ponderação e bom senso nos leva a essa conclusão. Exceção feita aos petistas, quem atesta a inocência de Lula? O noticiário contra ele é devastador — não estou fazendo juízo de valor sobre a qualidade do que se noticia.
Basta comparar esses dados com os que acham que a denúncia contra Michel Temer deve seguir para a Câmara. É claro que quem respondeu a pesquisa desconhece os detalhes das acusações contra um e contra outra. O que conta é o ânimo de punir. Ocorre que Lula já tem uma condenação e é réu em mais uma penca de processos. Não é o caso de Temer.
Reitero: esses números foram fabricados pelos descaminhos da Lava Jato. Como é mesmo que escrevi na Folha no dia 17 de fevereiro? “Se todos são iguais, Lula é melhor”.
Dado o resultado do levantamento eleitoral; dado o evidente crescimento do petista, comemorar esses 54% é coisa de quem não entendeu nada. Trata-se de um número muito baixo. Pior: ele traz um traço preocupante: entre os que têm ensino superior, 69% querem Lula na cadeia; entre os com ensino fundamental, apenas 37%. Entre os mais ricos, 76% expressam esse desejo; entre os mais pobres, apenas 42%. No Sudeste e Sul, são, respectivamente, 65% e 61%; no Nordeste, 34%.
Ao se fazer a intersecção “desejo de prisão-voto”, nota-se um Lula que cresce como opção dos mais pobres e adversários que ainda não encontraram o caminho que os leve a falar a essa parcela imensa do Brasil.
Além de todos os desastres que a Lava Jato está nos legando no território do Estado de Direito, há o risco, nada desprezível, de que ela açule também o arranca-rabo, que luta não é, de classes.
Não há nada a comemorar. É o caso, isto sim, de se preocupar.
Lula favorito e inviável só excita imbecis. Doria, Alckmin, Marina, Bolsonaro: quem comemora?
À candidata da Rede, resta torcer bastante. Seria ela a principal beneficiária de uma eventual inelegibilidade de Lula. Quando ele está na disputa, sua melhor marca é 14%. Sem o petista, ela chega a 23% e lidera em todos os cenários. Já era assim em junho
A pesquisa Datafolha com as intenções de voto para a Presidência, divulgada neste domingo pela Folha, traz bons elementos para a reflexão daqueles que pretendem ocupar a cadeira da qual Michel Temer só se despede quando passar a faixa ao vencedor, no dia 1º de janeiro de 2019. E assim será para a melancolia do golpismo moralista e do moralismo golpista, hoje com farta representação também na imprensa. Infelizmente! Por incrível que pareça, o Ministério Público Federal, a Justiça e os políticos estão criando um monstro da ambiguidade chamado Lula: quanto mais inviável sua candidatura vai se mostrando do ponto de vista legal, mais cresce o seu nome como opção eleitoral. Que nome isso tem? Perigo.
Como vocês sabem, Lula avançou no primeiro turno — em junho, seu teto era de 30%; agora, 36%. A rejeição a seu nome variou de 46% para 42%. No segundo turno, há uma tendência de ampliação da vantagem. Venceria todos os adversários possíveis, com viés de alta: contra o tucano Geraldo Alckmin, 46% a 32%, ante 45% a 32% em junho; contra João Doria, também do PSDB, 48% a 32% — há três meses, 45% a 34%. A maior mudança se deu no confronto com Marina Silva (Rede): de um empate em 40% para uma vitória por 44% a 36%.
De fato, o único que pode comemorar é Lula. No caso de Marina, resta torcer pela desgraça do ex-aliado. Já digo por quê. Vamos ver? Há três meses, o índice mais alto alcançado por Jair Bolsonaro (PSC) era 18%; agora, 19%. A rejeição a seu nome, no entanto, passou de 30% para 33%. Num eventual segundo turno, ele segue estagnado: Lula o vencia no levantamento passado por 45% a 32; agora, 47% a 33%. Contra Marina, perdia por 27% a 49%; desta feita, 29% a 47%.
João Doria (PSDB) não tem motivos para vibrar com o Datafolha, e é claro que ele sabe disso. De junho para cá, intensificou sua agenda de viagens Brasil afora; fez-se ainda mais presente nas redes sociais; admitiu, abertamente, que é pré-candidato; esmerou-se no marketing digital etc. E ponha “et cetera” nisso. Na pesquisa passada, o seu melhor desempenho era de 10%, os mesmos de agora. Mas a rejeição aumentou: de 20% para 25%. No segundo turno, estava 21 pontos atrás de Lula; agora, são 26.
Seu adversário interno no partido, Geraldo Alckmin, vive situação semelhante, mas ligeiramente melhor num particular. Também o tucano se disse um pretendente à Presidência e intensificou articulações com outras legendas, mas exibe um teto de 10% nos dois levantamentos. A rejeição oscilou para baixo: de 34% para 31%. O governador de São Paulo ampliou a vantagem sobre Ciro Gomes (PDT), um confronto que dificilmente acontecerá: de 34% a 31% para 37% a 29%. Se disputasse a jornada final com o petista Fernando Haddad, levaria por 44% a 17%.
A redista, ou sustentabilista — sei lá como dizer isso… — Marina Silva também empacou. Num cenário sem Lula, o seu topo, neste setembro, é de 23%; em junho, era de 22%. Uma das simulações há três meses dava-lhe 27%, com apenas quatro candidatos: além dela, Bolsonaro (18%), Doria (14%) e Ciro Gomes (12%). Não vai acontecer assim. Como já se viu aqui, sua performance contra Lula num eventual segundo turno piorou bem: do empate em 40%, ela foi para uma derrota por 44% a 36%. A sua vantagem contra Bolsonaro era de 22 pontos em junho (49% a 27%); agora, seria de 18 pontos (47% a 29%). Sua rejeição praticamente não mudou: 26% em setembro ante 25% em junho.
À Marina, como escrevi lá no alto, resta torcer bastante. Seria ela a principal beneficiária de uma eventual inelegibilidade de Lula. Quando ele está na disputa, sua melhor marca é 14%. Sem o petista, ela chega a 23% e lidera em todos os cenários. Já era assim em junho.
O que esses números estão a apontar? A política como delegacia de polícia provocou desastres em série nas legendas e, como se nota, congelou o cenário. O único que se moveu nesse período foi Lula, que já não tem mais como ser desmoralizado. Vive aquela situação, perigosa para o país, que poderia ser assim resumida: quanto pior para ele, melhor para… ele! Não há brasileiro, pobre ou rico, escolarizado ou não, que ignore as graves acusações que há contra o ex-presidente. Os números estão a indicar que largas parcelas dos brasileiros decidiram marchar na contramão das decisões do Ministério Público e da Justiça. Nota à margem: em junho, 22% não votariam em Sérgio Moro de jeito nenhum. Agora, são 25%.
A sua eventual condenação pelo TRF4, o que o tornaria inelegível, com possibilidade de prisão — caso o Supremo mantenha jurisprudência —, é variável de efeito imprevisível. A tanto, não se atreveu nem Sérgio Moro. Lembro trecho de sua sentença. Depois de afirmar que haveria motivos para a preventiva do petista, escreveu o juiz:
“Entretanto, considerando que a prisão cautelar de um ex-Presidente da República não deixa de envolver certos traumas, a prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação. Assim, poderá o ex-Presidente Luiz apresentar a sua apelação em liberdade.”
Ou por outra: via motivos para a prisão, mas ficou com medo de tomar tal decisão. O destemido de sempre jogou a batata quente no colo do TRF4. Um Lula favorito e inviável é motivo de alegria apenas para os imbecis. Mas eis aí a obra fabulosa do MPF, de Rodrigo Janot e da direita xucra.
A pior religião do séc. 21 é a da destruição; deve estar sendo ensinada nos lares e nas escolas
“Ensina-se o sentimento. Sem conteúdo. Formam-se exércitos de julgadores. Tão brutos como vazios. Jornalistas e professores têm muito a ver com isso. Mas não só”
A jornalista Liliana Pinheiro, minha amiga, escreveu um belo texto no Facebook. Também, ela gostou, como gostei, da entrevista concedida à Folha pelo jornalista Thomas Friedman, articulista do New York Times, publicada no domingo.
Liliana é uma — ou “um dos”, se é que tais palavra ainda englobam todos os gêneros e variações — profissionais mais competentes e intelectualmente honestas com que trabalhei nesta trajetória já nem tão curta. Nunca a vi escrever sobre o que não sabe. Quando quer saber, vai a fundo e faz o melhor. Sua amizade sempre me deixou muito honrado.
Reproduzo o texto dela na íntegra e trato sobre os despidos de bom senso do MAM e no MAM. Leiam.
*
A entrevista inteira é interessante, mas selecionei um trecho. É do Thomas Friedman, articulista do New York Times.
Foi dada para a Folha e publicada na edição de hoje, domingo. O Globo havia dado entrevista quase igual no início de setembro, de modo que não há ineditismo.
O trecho que escolhi diz respeito a esse “mercado da raiva” em que tantos andam investindo. Mais fácil mobilizar para a destruição, do que para a construção.
Como concordei!
Creio que sempre foi assim. Ocorre que agora há ferramentas à disposição de todos, e a adesão à “raivosidade” se dá, no meu entendimento, sem um pingo de consciência.
Vivo falando aqui do excesso de “causas” desses nossos dias. As pessoas fingem, até para si mesmas, que estão em luta contínua. Que estão “mobilizadas”.
Isso não é verdade e não seria nem mesmo possível. Trata-se apenas do vício na crítica. Nada nem ninguém escapa de bala.
No Brasil, o exercício diário de uma certa superioridade moral, concedida por ninguém, está saindo de todos os limites. No mundo, é a mesma coisa.
Eu me afastei levemente de muita gente julgadora nos últimos anos. Desde aquela que não formula absolutamente nada — apenas decreta que o mundo é babaca e reacionário — até o outro tipo, mais sofisticado, que esmaga qualquer construção com o peso da própria arrogância.
De fato, se raiva pudesse ser exportada, também o Brasil estaria nadando em dinheiro.
A pior religião do século 21 é a da destruição. Desconfio que esteja sendo ensinada nos lares e nas escolas, sob o manto do espírito crítico e laico.
Ensina-se o sentimento. Sem conteúdo. Formam-se exércitos de julgadores. Tão brutos como vazios. Guerreiros são assim.
Jornalistas e professores têm muito a ver com isso. Mas não só.
Aí vêm Trumps, Bolsonaros e outras tranqueiras. Os examples estão à direita, em consonância com o vento político atual, mas na esquerda eles também abundam, à espera de uma nova chance histórica.
E os adoradores profissionais da destruição fingem não ter nada com isso. No fim, até se dão bem. Nunca vi uma liderança do caos sem Plano B. Formam seus exércitos — as fileiras da ignorância estão aí para isso mesmo — e se mandam.
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