Exército: intervenção militar tem aval constitucional sob iminência de caos (por JOSIAS DE SOUZA)

Publicado em 21/09/2017 09:17
no UOL

O general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, informou que não cogita punir o também general Antonio Hamilton Mourão por ter defendido uma “intervenção militar” caso o Judiciário não resolva o problema da corrupção. Elogiou o subordinado: “O Mourão é um grande soldado, uma figura fantástica, um gauchão…”. Tentou virar a página: “É uma questão que já consideramos resolvida internamente.” Mas inaugurou um novo capítulo da polêmica ao declarar que a Constituição concede às Forças Armadas “um mandato” para intervir se houver no país “a iminência de um caos.”

As declarações do general Villas Bôas foram feitas em entrevista ao repórter Pedro Bial, levada ao ar na madrugada desta quarta-feira, no programa ‘Conversa com o Bial’. O comandante do Exército admitiu que a fala do general Mourão “dá margem a interpretações.” A pretexto de contextualizar o raciocínio do subordinado, evocou o artigo 142 da Constituição, que anota as atribuições do Exército, da Marinha e da Aeronática. E terminou deixando claro que também avalia que, na antessala do caos, os militares podem intervir. Mais do que isso: a ação seria um dever constitucional. Absteve-se de definir o que seria ''a iminência de um caos.''

Veja o que disse o general Villas Bôas no pedaço mais palpitante da conversa: “Se você recorrer ao que está na Constituição, no artigo 142, como atribuição das Forças Armadas, ela diz ali: que as Forças Armadas podem ser empregadas na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de um dos poderes. E isso tem acontecido recorrentemente. Estamos lá no Rio de Janeiro, estivemos lá no Espírito Santo. Mas, antes, no texto [constitucional], diz: as Forças Armadas se destinam à defesa da pátria e das instituições. Essa defesa das instituições, dos poderes constituídos, ela poderá ocorrer por iniciativa de um deles ou na iminência de um caos. Então, as Forças Armadas teriam um mandato para fazê-lo.”

Agora repare no que está escrito no artigo 142, citado pelo comandante do Exército: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”

Pois bem. Villas Bôas está certo quando diz que “as Forças Armadas podem ser empregadas na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de um dos poderes.” Neste exato instante, a pedido do governador Luiz Fernando Pezão e por ordem de Michel Temer, a tropa do Exército socorre a polícia do Rio de Janeiro. O general soa esquisito, porém, quando declara que, em “defesa das instituições e dos Poderes constituídos'', os militares podem agir “por iniciativa de um deles [um dos Poderes]” ou por conta própria sempre que houver a “iminência de um caos.”

Ora, o texto do artigo 142 anota explicitamente que as Forças Armadas estão “organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República.” Não está escrito que o caos concede aos militares “um mandato” para agir à revelia do presidente. Mesmo que o inquilino do Planalto se chame Michel Temer e tenha sido denunciado um par de vezes pela Procuradoria-Geral da República.

Pedro Bial recordou a Villas Bôas que Antônio Mourão, como general da ativa, está proibido de opinar sobre assuntos políticos. Caberia ao comandante do Exército punir o subordinado. Mas o comandante preferiu manusear panos quentes. “Tem que contextualizar, né Bial? O ambiente que ele estava era um ambiente fechado. Ele foi provocado numa pergunta…”

De fato, o general Mourão pregou a intervenção militar numa palestra promovida pela maçonaria, em Brasília. Mas não está previsto em nenhuma norma do Exército que, entre quatro paredes, os oficiais podem transgredir as normas. De resto, a transgressão do subordinado de Villas Bôas tornou-se aberta, muito aberta, abertíssima no instante em que foi veiculada na rede mundial de computadores. A propósito, se você ainda não assistiu, veja no vídeo abaixo.

Conforme notou Villas Bôas, o general Mourão animou-se a falar sobre intervenção militar em reação a uma pergunta. O que o comandante do Exército se absteve de recordar —ou se lembrou de esquecer— é que a questão dirigida a Mourão fez menção explícita à situação penal do presidente da República.

A pergunta foi enviada por uma pessoa da plateia. Um mediador leu para Mourão. Vale a pena reproduzir: ''A Constituição Federal de 88 admite uma intervenção constitucional com o emprego das Forças Armadas. Os poderes Executivos [sic] e os Legislativos estão podres, cheio de corruptos, não seria o momento dessa interrupção, dessa intervenção, quando o presidente da República está sendo denunciado pela segunda vez e só escapou da primeira denúncia por ter 'comprado', entre aspas, membros da Câmara Federal? Observação: fechamento do Congresso, com convocações gerais em 90 dias, sem a participação dos parlamentares envolvidos em qualquer investigação. Gente nova.''

Ao responder, o subordinado de Villas Bôas não fez nenhuma ressalva que preservasse Michel Temer, o suposto comandante supremo das Forças Armadas. Ao contrário, sem ânimo para resguardar Temer, o general Mourão endossou o conteúdo da indagação: “Excelente pergunta”, disse o palestrante, antes de soar claro como água de bica: “É óbvio, né?, que quando nós olhamos com temor e com tristeza os fatos que estão nos cercando, a gente diz: 'Pô, por que que não vamo derrubar esse troço todo?' Na minha visão, aí a minha visão que coincide com os meus companheiros do Alto Comando do Exército, nós estamos numa situação daquilo que poderíamos lembrar lá da tábua de logaritmos, 'aproximações sucessivas'. Até chegar o momento em que ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso.”

Mourão insinuou que, se necessário, os militares agiriam com método: “Nós temos planejamentos, muito bem feitos. Então no presente momento, o que que nós vislumbramos, os Poderes terão que buscar a solução. Se não conseguirem, né?, chegará a hora que nós teremos que impor uma solução. E essa imposição ela não será fácil, ele trará problemas, podem ter certeza disso aí.”

Além de não impor nenhuma punição a Mourão, o comandante Villas Bôas animou-se a assumir o papel de tradutor do subordinado: “Nós já conversamos. O que ele quis dizer é que… Ele chamou a atenção para as eleições. Quando ele fala de ‘aproximações sucessivas’, uma delas, que ele fala, é das eleições. E ele diz que, caso não sejam solucionados os problemas, nós poderemos ter que intervir. Então, isso foi o que ele quis dizer realmente. E essa questão de intervenção militar, ela ocorre permanentemente. No Rio de Janeiro, é uma intervenção militar, como foi no Espírito Santo, como foi em Natal…”

Pedro Bial interveio para lembrar ao comandante do Exército que a intervenção militar de que falou o general Mourão nada tem a ver com as operações de manutenção da lei e da ordem realizadas no Rio, em Vitória ou em Natal. Recordou também que não foi a primeira vez que Mourão virou notícia. Em outubro de 2015, ele criticara a então presidente Dilma Rousseff. Graças ao sincericídio, fora exonerado do posto de comandante militar da região Sul. Transferido de Porto Alegre para Brasília, responde desde então pela Secretaria de Economia e Finanças do Exército.”

Villas Bôas confirmou a reincidência: “É, ele já tinha se manifestado uma outra vez.” Esclareceu que Mourão não fala pelo generalato. “Inclusive ele falou no Alto Comando. Mas ele não fala pelo Alto Comando. O único que fala pelo Alto Comando sou eu. E pelo Exército também. Mas é uma questão que já consideramos resolvida internamente.”

Punição não vai haver?, perguntou Bial. E o comandante: “Não, não. Já conversamos, para colocar as coisas no lugar. Mas uma punição formal não vai haver.”

Há dois dias, nas pegadas da repercussão das declarações do general Mourão, o Ministério da Defesa divulgara uma nota oficial. Nela, estava escrito: O ministro da Defesa, Raul Jungmann, convocou o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, para esclarecer os fatos relativos a pronunciamento de oficial general da Força e quanto às medidas cabíveis a serem tomadas.”

Num instante em que a plateia aguardava o anúncio das “medidas cabíveis”, o convocado Villas Bôas levou o rosto ao vídeo da emissora de maior audiência do país para informar que “punição formal não vai haver.” Não deve ocorrer também nenhuma intervenção militar. Não por falta de caos, mas porque seria intolerável. De concreto, por ora, o pavio que Mourão acendeu produziu apenas constrangedora evidência: está entendido que, sob Michel Temer, o Exército virou uma espécie de sucursal da Casa da Mãe Joana. Os oficiais podem dizer o que bem entender, porque punição ''não vai haver''.

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Custo da denúncia anti-Temer não vale o teatro (por JOSIAS DE SOUZA)

O mais fabuloso no Brasil dos últimos tempos é a previsibilidade do espetáculo. O brasileiro suprimiu do seu roteiro o suspense. Espanta-se cada vez menos. O Supremo Tribunal Federal decidiu enviar à Câmara a segunda denúncia da Procuradoria contra o presidente da República. Nela, Michel Temer é acusado de formar uma organização criminosa e obstruir a Justiça. E a vida cotidiana do país seguirá o seu curso normal. A nação acordará para o seu café-com-leite no horário de sempre. Todos já conhecem o final da novela.

No momento, a grande angústia dos roteiristas do Planalto não são as implicações políticas da nova denúncia, mas a cronometragem das cenas. Trabalha-se para um desfecho rápido. Exige-se dos aliados que permaneçam em suas marcas no teatro da Câmara. Ninguém pode perder a sua deixa. A orquestra tem que atacar no tempo certo, para que Temer obtenha o final feliz de mais um enterro. Consta do roteiro que a denúncia já estava jurada de morte antes de nascer.

A movimentação deve atrasar —ou inviabilizar— a reforma da Previdência. Mas a bolsa de valores continuará exibindo sua exuberância. O mercado não se importa com a integridade dos ovos. Sabe que vai tirar grande proveito da omelete. Um grupo de chatos pede a abertura de investigação contra o presidente. Mas a tropa dos preciosistas morais é diminuta. Mesmo com o reforço dos oportunistas, não tem força para esboçar uma resistência.

Estreia de Dodge no STF confirma estilo sóbrio

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Gênio da escrita, o cronista Nelson Rodrigues ensinou que, diante de uma folha em branco, convém evitar a literatice. “O brasileiro é fascinado pelo chocalho da palavra”, costumava dizer. Em sua estréia no Supremo Tribunal Federal, a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, preferiu manifestar-se por escrito. Encaminhou aos ministros um memorial sem chocalhos (integra aqui). No texto, disse apenas o necessário. Exprimiu-se com tal precisão cirúrgica que deu a impressão de escrever com bisturi. Revelou um estilo sóbrio e objetivo.

Estava sobre a mesa um recurso da defesa de Michel Temer. Tratava-se de decidir se o Supremo deveria enviar imediatamente à Câmara a segunda denúncia contra o presidente República ou, como requeriam os advogados, aguardar pelo término da investigação sobre o curto-circuito na colaboração judicial da JBS. A substituta de Rodrigo Janot acorrentou-se à Constituição. Resumiu o rito em três fases:

1. Cabe ao procurador-geral da República oferecer a denúncia contra o presidente.

2. Compete à Câmara dos Deputados autorizar ou não a instauração do processo.

3. Ao Supremo incumbe receber a denúncia, se for o caso, e julgar a ação penal.

“Não há lugar, portanto, para impugnar a viabilidade da denúncia fora deste rito constitucional, antes da decisão da Câmara dos Deputados”, anotou Dodge. Mais tarde, se a Câmara autorizar e o Supremo concluir que Temer deve virar réu, “a defesa terá ampla margem de atuação para suscitar todas as questões que entender necessárias.” Envie-se a denúncia à Câmara. E ponto.

Numa sessão em que o ministro Gilmar Mendes deferiu os pedidos da defesa de Temer num voto apinhado de chocalhos —chamou Rodrigo Janot de “mentiroso” e Marcello Miller de “Maçaranduba”—, o memorial de Raquel Dodge caiu sobre os autos como uma estreia promissora.

Até o mármore que reveste as paredes do plenário do Supremo sabe que a doutora: 1) não morre de amores por Janot, 2) abomina o jogo duplo do ex-colega Miller e 3) rumina dúvidas sobre a legalidade de procedimentos da Procuradoria no trato com os irmãos Joesley e Wesley Batista.

Entretanto, Raquel Dodge não fez uma mísera consideração sobre os personagens e suas circunstâncias. Nenhum adjetivo. Nenhuma avaliação precipitada sobre a qualidade das provas. Nada de literatice. Só a frieza objetiva das palavras sem chocalho.

A posição da doutora coincidiu com a da maioria dos magistrados. Por ora, o placar do Supremo é 7 a 1 pelo envio da denúncia à Câmara. Gilmar Mendes isolou-se. Nesta quinta-feira, serão colhidos os três últimos votos. Mas o jogo está jogado. O debate sobre a qualidade dos acordos de delação e a consistência das provas ficou para mais tarde.

Considerando-se que não há mais culpados em Brasília, só inocentes e cúmplices, o ideal seria abreviar a peça. O custo da denúncia anti-Temer não vale o teatro. O princípe ‘demo’ Rodrigo, que no espetáculo faz o papel de Maia, um aliado fiel que hesita em se oferecer à República como alternativa, pediria a atenção do público. E ordenaria, sem mais delongas: “Que desça o caixão.”

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Fonte:
Blog Josias de Souza (UOL)/

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1 comentário

  • Angelo Miquelão Filho Apucarana - PR

    Intervenção do Exército: Não cogita e nem deve cogitar! O papel das forças armadas é justamente o de fazer valer e defender a lei e a ordem, coisas que estão fora de moda no Brasil, pois os ratos cuidam das prateleiras de queijo, as raposas do galinheiro... Hoje somos todos reféns de uma quadrilha gigantesca, e ai me aparecem uns frescos falando em democracia, que democracia é essa? Temos os piores no congresso, senado, nas câmaras de vereadores, em todo o sistema governamental, isso sem citar o judiciário, este também tem muitos indicados e poucos concursados, ou seja, muitos devem favores aos seus padrinhos! Quem tem medo da intervenção é porque tem culpa no cartório, ou algum incauto acha que eles estão preocupados com a nossa liberdade? Estão sim preocupados com a liberdade deles, preocupados em se manterem no poder e assim continuar sangrando o Brasil. Apoiam desavergonhadamente governos corruptos, ditatoriais, assassinos, e depois me vem com esse discurso hipócrita de defesa da democracia, ah vá para o inferno! Precisamos de mais gente como o Mourão, gente de fibra e coragem para meter o pé na bunda destes bandidos que nos escravizam, nos roubam e nos enganam a todo tempo. Não tem mimi, tem que fazer a lei e a ordem valerem de novo, mesmo que para isso tenham que fechar estas pocilgas ditas como casa do povo... Não é, nunca foi e jamais será enquanto estes malditos lá estiverem advogando sempre em causa própria! O exército já demorou demais em tomar uma atitude mais dura contra os desmandos. Que venham os militares para porém ordem neste galinheiro... Chega de ser roubado, chega de ser otário em acreditar nesta democracia manca, onde nos dão uma dose de liberdade e outra de veneno!

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    • sandro roberto lautert condor - RS

      Cade o Alto Comando? Esta de férias. Os traficantes no Rio impondo o Terror.E Brasília roubando nas barbas do Exercito. Nós estamos ficando loucos? Quando voces desfilam suas tropas, carro e equipamentos. no Dia da Pátria. Não toca nada em seus corações, que o Brasil esta se desintegrando? Vamos acordar. Meu Deus.

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