Marisa piora. Mulher de Lula e o fascismo da vulgaridade (por REINALDO AZEVEDO)
Entre as muitas indignidades que marcam estes tempos de pistolagem moral, há a que pôs, ou põe, em dúvida a gravidade do estado de saúde de Marisa Letícia, mulher do ex-presidente Lula.
É uma das coisas mais asquerosas que já se publicaram nas redes. E pouco me importa agora saber como alguns petistas e petralhas se comportam habitualmente em casos assim. Aliás, eu sei bem. Em 2006, quando extraí dois tumores da cabeça, desejaram abertamente a minha morte. Voltaram a fazê-lo neste ano por causa do aneurisma que tive.
A qualidade dos ataques desferidos por meus adversários não determina a minha reação, a minha resposta. Uma das lições mais importantes da minha vida — e, felizmente, eu a recebi muito cedo — foi tomar o cuidado para não me deixar sequestrar por quem detesto ou por quem me detesta.
Como os leitores sabem, simplesmente ignoro os marginais do pensamento.
Se e quando os petistas explorarem a situação de Marisa, se eu achar conveniente, tratarei do assunto. Mas deixei claro desde o início que a minha primeira abordagem é a humana.
Não há nada de errado com a “compaixão” — ao contrário. É ela que nos distingue da besta. É a capacidade de sentir empatia, de pertencer a uma comunidade que partilha das mesmas fragilidades, das mesmas dores. No caso, a comunidade humana.
Consta que o estado de saúde de Marisa piorou bastante nas últimas horas. Desde o começo, ficou claro que a ocorrência era muito grave — e nem há hipótese de o rompimento de um aneurisma cerebral não o ser.
A suspeita que o lixão da Internet lança sobre a real condição da mulher do ex-presidente tem uma motivação puramente política, ideológica. ORA, EM QUE COISA ESTES QUE ASSIM PROCEDEM HOJE SE DISTINGUEM DAQUELES QUE DESEJAVAM A MINHA MORTE? Os dois grupos acham que adversário bom é adversário morto.
É evidente que eu não tenho nada a ver com essa escória. E espero que a distância seja cada vez maior.
Mais ainda: querem transformar a desconfiança política no critério mais relevante da análise, a despeito dos fatos? Mas que, então, tenham ao menos um mínimo de respeito pelos médicos que estão tratando de Marisa. Será que eles também entraram numa conspiração política para, então, Lula se apresentar como vítima etc. e tal?
Mais de uma vez, já lamentei aqui a emergência do “fascismo da vulgaridade” (by George Steiner) que está em curso. Não tem exclusivismo ideológico, não. Há o de esquerda e o de direita. Em qualquer dos casos, os fatos pouco importam.
Sim, há vagabundos lucrando muito com esse clima. Quanto mais o país viver dias de terra arrasada, melhor. Mobilizam os incautos, para os quais, parece, a vida real é sonho ou pesadelo. A verdade “de verdade” sempre estaria acontecendo em outro local. Em logradouros secretos, grupos de conspiradores, a esta hora, tramam contra o nosso futuro.
Bem, vou dizer o quê?
Que antipetistas e petistas tenham cuidado ao tratar do caso Marisa Letícia. E que a compaixão seja a apreensão principal.
Sim, o estado de saúde da mulher de Lula é muito grave. Sempre foi.
Há várias escolhas em momentos assim. Só uma é sensata: a solidariedade humana.
Fiquem longe dos que fazem do ódio um meio de vida, uma profissão, um negócio.
“Ah, está falando de nós?” Não! Nem sei quem são “vocês”.
Estou falando dos que fazem do ódio um negócio.
Sobre Trump e Fidel: escute o povo (DIOGO SCHELP)
Já faz quase um mês que Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos, mas a imprensa americana ainda não se cansou de fazer um mea culpa por ter, na maior parte do tempo, dado a previsão oposta, a de que ele seria derrotado por Hillary Clinton. Colunistas, comentaristas e repórteres de política, mesmo quando cuidavam para não apontar um vencedor, tratavam Trump como perdedor, como candidato-aberração e seus eleitores como cretinos racistas. A culpa, dizem eles agora, foi das pesquisas de opinião. Isso é apenas parcialmente verdade.
A era digital fez surgir o fenômeno do big data, a capacidade de reunir um mundaréu de dados que, bem analisados e interpretados, têm o potencial de permitir conclusões antes insondáveis sobre fenômenos diversos. O big data fez até surgir uma nova vertente do jornalismo, o “jornalismo de dados”. Na eleição americana deste ano, o jornalismo de dados reinou quase absoluto. Visitar o site do New York Times ou de outros jornais e revistas americanos era uma diversão para quem gosta de números. Infográficos lindos, interativos, instrutivos e surpreendentes sobre a campanha pululavam a cada clique. O mais visível deles, que na reta final da campanha ficou na primeira página do New York Times, era uma régua que indicava a probabilidade de um ou outro candidato ser vencedor. Ali, Hillary chegou a aparecer com 90% de chance de vencer a eleição.
Por que os estatísticos erraram tanto a previsão das eleições, e junto com eles tantos comentarias, colunistas e repórteres? Porque as redações investiram ou acreditaram menos na reportagem de rua, na conversa com os eleitores comuns, no mergulho no desconhecido que permite aos jornalistas capturar um pouco da realidade com sua percepção individual. Faltou, enfim, a boa e velha reportagem.
Muitos jornalistas fizeram isso, claro, mas quase não foram ouvidos. Alec MacGillis foi um deles. Neste texto para o site ProPublica, ele conta o que percebeu acompanhando cabos eleitorais de Trump que iam de porta em porta em Ohio conversando com eleitores. Umas das coisas que chamou a atenção de MacGillis foi a quantidade de eleitores de Trump que ele encontrou que disseram que iam votar pela primeira vez na vida – cidadãos com mais de 40 anos. Uma das entrevistadas de MacGillis, Contessa Hammel, da cidade de Dayton, deu a seguinte razão para nunca ter votado antes: “Eu não queria tomar uma decisão equivocada.” E, no entanto, depois de tantos anos, ela teve a segurança de achar que Trump sem dúvida alguma merecia o seu voto. A experiência subjetiva e individual do repórter é importante, neste caso, por uma razão bastante objetiva: os modelos estatísticos das pesquisas de intenção de voto nos Estados Unidos, onde a participação nas urnas é facultativa, levam em conta o comportamento pregresso dos eleitores na hora de preparar os dados. Os que nunca votaram costumam ser ignorados na consolidação dos números das pesquisas.
MacGillis também encontrou em suas viagens um grande número de eleitores que votaram em candidatos democratas nas eleições passadas, mas que este ano estavam inclinados a votar em Trump. As pesquisas, porém, indicavam uma baixa porcentagem do chamado “voto cruzado”. Estavam erradas. No dia 8 de novembro, antigos bastiões democratas deram seu voto a Trump. Os estatísticos fracassaram. Mas quem se dignou a ir para a rua e conversar com as pessoas comuns percebeu algo de diferente no ar.
Uma das grandes falácias repetidas pela imprensa americana era a de que os eleitores de Trump eram homens brancos pobres ou desempregados. A realidade, como comentei neste post, com base num artigo de uma jornalista que conhece muito bem os redutos rednecks dos Estados Unidos, era um pouco diferente. Os eleitores de Trump podiam até ter uma escolaridade mais baixa do que a dos que preferiam Hillary, mas não eram de forma alguma mais pobres.
Foi com isso em mente que preparamos a reportagem especial que foi capa de VEJA na edição de número 2503. Decidimos mostrar o racha político no país visitando os principais redutos de cada candidato. Eu agarrei a tarefa de visitar Maryland, um dos estados em que Hillary tinha mais vantagem sobre Trump. Coube ao editor Duda Teixeira enfronhar-se em Wyoming, estado onde Trump ganharia de lavada de Hillary Clinton. As estatísticas nos levaram a esses lugares, mas nossa missão lá era conversar com as pessoas e entender suas razões. A realidade demográfica e econômica que Teixeira encontrou em Wyoming é exatamente a realidade que hoje todos os especialistas apontam como a razão para a vitória de Trump. Estava lá para quem quisesse ver. Era só recorrer à boa e velha reportagem.
Em medicina, esse encanto desmedido pelos dados também tem levado a uma incapacidade de interpretar os fatos corretamente. Um professor de ortopedia de uma universidade estadual paulista me contou recentemente que a nova geração de especialistas de sua área, por exemplo, costuma pedir inúmeros exames que perscrutam o corpo humano em centenas de imagens de diversos ângulos, mas quase não sabe o que fazer diante de tanta informação. O fascínio pelas novas tecnologias de diagnóstico faz com que ele deixe de lado métodos mais simples, mas consagrados, como a radiografia. Ou seja, muitos ortopedistas, hoje, não sabem “ler” uma radiografia. O jornalismo corre o risco de ir para o mesmo caminho: em vez de treinar o olhar para capturar o que acontece à sua volta, com base na sua experiência e na sua intuição, e usar as estatísticas como complemento ou como ponto de partida para o seu trabalho, muitos repórteres estão se tornando máquinas de calcular. Em vez de fazer uma radiografia da sociedade ou de um fenômeno político qualquer, atrapalham-se com o equivalente jornalístico da ressonância magnética: o jornalismo de dados. Não estou dizendo que o big data não tem nada a oferecer para entender o mundo. Claro que tem. O que não se pode é abandonar o básico. A percepção pessoal do repórter é insubstituível.
Mas o que Fidel Castro tem a ver com tudo isso? Bem, a morte do velho ditador despertou novamente, nos últimos dias, o acirramento ideológico na timeline dos brasileiros nas redes sociais. Observando os argumentos que vêm sendo usados por aqueles que tentam defender o regime do falecido, percebo a repetição de velhos clichês sobre as “conquistas sociais” da revolução e sobre a suposta culpa que os governos americanos tiveram em endurecer as condições de vida dos cubanos. Sentados em seus sofás da Tok&Stok, esses comentaristas citam dados da ONU para confirmar suas teses. Basta um dia em Havana conversando com o povo cubano, no entanto, para compreender a falácia dessas estatísticas e dessas teses. Eu estive em Cuba há uma semana como turista e aproveitei para buscar algumas respostas. A taxa de mortalidade infantil é baixa? Ora, os hospitais registram como natimortas crianças que nasceram vivas mas morreram antes de completar um ano de idade. Ou seja, o dado é fraudado. A taxa de analfabetismo é baixa? Pode ser, mas o que mais as crianças aprendem na escola? A questionar e a produzir conhecimento, claramente não. Nivela-se por baixo. Entre em uma livraria cubana: nas estantes semivazias você só encontrará obras aprovadas pelo regime.
E o embargo americano a Cuba? Ora, o embargo. Um amigo me encomendou charutos Cohiba do tipo que Fidel Castro costumava fumar. Não estão à venda nas lojas de Havana. “Vai tudo para exportação”, me contou mais de um vendedor. Mas e o embargo? Cuba pode fazer comércio com praticamente qualquer país, com a exceção dos Estados Unidos. O problema não é falta de parceiro comercial. O problema é quase não ter o que vender. Durante minha viagem de férias, cruzei metade da ilha de ônibus. Vi uma única plantação de cana-de-açúcar, um único pasto com gado bovino e uma única horta de verduras. O resto eram campos abandonados. (As estatísticas, olha elas aí, comprovam: entre 1988 e 1998, a produção de açúcar, antes um dos principais produtos de exportação, caiu pela metade em Cuba.) Num restaurante à beira-mar, o pescado servido à moda cubana era importado da Europa. O garçom chegou a apontar para o mar caribenho quando perguntado de onde vinha o peixe. Depois sorriu e explicou que estava só fazendo uma piada. Afinal, a indústria pesqueira cubana está sucateada.
Difícil é achar um cubano que acredite seriamente que os americanos são os culpados por sua penúria. Quem criou a lei que proíbe um cidadão de comprar amendoim ou qualquer outro item agrícola de um produtor e vendê-lo diretamente aos consumidores na capital? O governo cubano, não os Estados Unidos. Quem criou a lei que impede os cubanos de escolher em qual cidade querem viver, sob o risco de serem deportados dentro do próprio país para sua província de origem? O governo cubano, não os Estados Unidos. E assim por diante.
Uma questão para a qual acredito ser impossível encontrar resposta é se há mais prostituição hoje do que nos tempos do ditador Fulgêncio Batista, deposto por Fidel em 1959. “Cuba era um grande bordel antes da revolução”, reza o clichê. A quantidade de jovens mulheres oferecendo seu corpo no Malecón, em Havana, indica que continua sendo. E há outro tipo de prostituição, mais sutil: os guias de viagem estrangeiros alertam os turistas homens que ao fazer amizade com uma cubana devem saber de antemão que ela espera algum favor material em troca, ainda que seja apenas uma roupa de presente ou um jantar em um restaurante turístico. Isso é pior do que o que havia nos tempos de Batista? Parece-me que esta é uma discussão inútil. Não há estatística ou investigação subjetiva que responda à questão.
Uma das perguntas que eu fiz aos cubanos era: quando Fidel e seu irmão e sucessor Raúl morrerem, a situação vai melhorar? A maioria dizia, ainda que sem muito entusiasmo, que era impossível não ficar melhor sem eles. Cinco dias depois, Fidel Castro morreu. Para entender o impacto disso, basta esperar alguns meses e perguntar novamente aos cubanos.
O estudo psicológico que deu a vitória a Trump, por DIOGO SCHELP
Donald Trump, quando candidato a presidente, tinha uma estratégia de campanha espantosa para os puristas: quase não gastava com publicidade na televisão e esnobava especialistas em pesquisas de opinião. Ele fazia parecer que suas declarações de impacto eram fruto da sua compreensão profunda do que chama de “cidadãos esquecidos”.
A revista alemã Das Magazin, no entanto, parece ter encontrado a chave do marketing político de Trump: uma empresa britânica chamada Cambridge Analytica, especializada em colher e analisar dados pessoais na internet e em transformá-los em matéria prima para micro-publicidade online — ou seja, propaganda política individualizada. Alguém lembrou da distopia criada por George Orwell no livro 1984? É isso e muito mais.
Tudo começou com um estudante de psicologia polonês da Universidade Cambridge, na Inglaterra. Durante o seu doutorado em psicometria (a tentativa científica de medir a personalidade de uma pessoa), Michal Kosinski criou com um colega um app do Facebook que incentivava os usuários a responder a um questionário psicológico em troca de um “perfil” de personalidade. Milhões de pessoas responderam, e com base nesse material Kosinski desenvolveu um método que permite descobrir características individuais apenas com a análise das curtidas no Facebook. Com 70 curtidas, Kosinski sabe mais sobre um indivíduo do que seus amigos mais próximos. Com a análise de 150 curtidas, descobre mais do que seus familiares.
Em 2014, Aleksandr Kogan, um professor assistente de Cambridge, procurou Kosinski e lhe propôs participação num projeto muito bem pago para analisar o perfil de 10 milhões de americanos no Facebook. A empresa que fazia a oferta era especializada em eleições. Kosinski recusou a oferta e denunciou o colega para a direção da faculdade. Para ele, o uso do seu método em eleições era uma forma de manipulação. Aleksandr se mudou para Singapura. Kosinski foi lecionar na Universidade Stanford, na Califórnia.
Eis que, em novembro de 2015, Kosinski ouve falar de uma empresa que estava prestando serviços de análise de dados para a campanha pela saída da Inglaterra da União Europeia. Tratava-se da mesma empresa que o havia procurado um ano antes: Cambridge Analytica. Como ele temia, seu método estava sendo utilizado para manipular eleitores — e, como ficou claro em junho de 2016 com a vitória do voto pelo Brexit, com sucesso.
Em setembro de 2016, a Cambridge Analytica ganhou novo holofote em um congresso científico em Nova York. Um dos palestrantes, Alexander Nix, CEO da Cambridge Analytica, explicou na ocasião como estava cruzando dados pessoais de cidadãos americanos para usá-los na pré-campanha presidencial de Donald Trump. E fez uma alegação estarrecedora: por meio do cruzamento de dados comprados de diferentes fontes com o histórico de curtidas no Facebook, sua empresa conseguiu elaborar o psicograma completo de cada um dos adultos americanos — nada menos que 220 milhões de pessoas. Sua equipe era capaz de definir os gostos de consumo, as opiniões políticas, os hábitos e os traços culturais de cada cidadão do país com idade para votar .
Um exemplo de como esses dados foram utilizados ao longo da campanha: no dia do terceiro debate presidencial entre Trump e sua adversária Hillary Clinton, a equipe digital do republicano enviou 175.000 variações de anúncios publicitários online, cada um para grupos específicos de cidadãos. As diferenças entre esses anúncios eram sutis, mas desenhadas para atingir em cheio seus alvos, com o objetivo de sensibilizá-los segundo seus maiores medos, esperanças e preferências.
A Cambridge Analytica, segundo disse seu CEO aos autores da reportagem da Das Magazin, recebeu 15 milhões de dólares do comitê de Trump pelo serviço.
Esse uso político dos dados das redes sociais é eticamente condenável ou em nada se diferencia dos dilemas tradicionais do marketing político? Esse é um debate que está só começando.
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