No Estadão: "Quem tem pena do cidadão comum?", por José Nêumanne
Desde que a reputação de herói começou a forjar a armadura com a qual a opinião pública nacional protege a condição incólume da ação do juiz federal paranaense Sergio Moro, a inveja, o ciúme e o instinto de sobrevivência de alguns colegas de ofício dele passaram a maldizê-la com fervor. A primeira arma dessa luta vã é retórica: o comandante da Operação Lava Jato “não é nem pode ser o único juiz honesto do Brasil”. Isso não basta para convencer o cidadão comum a abrir mão da “república de Curitiba”, amada pelos representados e temida pelos representantes de nossa democracia cabocla, pois esta preserva um raro resquício do conceito basilar do Estado Democrático de Direito, até segunda ordem vigente entre nós: a igualdade de todos perante a lei. Em seguida a esse desafio, a esperança de mantê-la, ressurgida nos dois mensalões, o tucano e o petista, começou a plantar êmulos de Moro pelo país afora. Colegas menos expostos à luz dos holofotes se dispuseram a mostrar que há juízes em Berlim. E até mesmo fora do Paraná.
Na semana passada, emergiu do noticiário outro desses exemplos de que nem tudo é procrastinação no Judiciário pátrio. Chama-se Pedro Bueno de Azevedo, tem 38 anos e chefia a 6.ª Vara Criminal em São Paulo. De suas decisões emergiu a Operação Custo Brasil, que revela uma das maiores ignomínias perpetradas por criminosos de colarinho branco na História de nossa República: o pagamento de propinas ao partido político que capitaneia o time que governou o Brasil durante 13 anos, quatro meses e 12 dias, até o impeachment de Dilma Rousseff. Não é o maior no volume de furto. Mas o mais indecente na natureza do butim: o pagamento de propina para políticos fiéis a esse desgoverno e a seu partido, o PT, tungando sem anuência da folha de pagamento de um ministério, o do Planejamento, a cada mês e em taxas módicas, o suficiente para passar em brancas nuvens e “sair na urina”. Paulo Bernardo, duas vezes ex-ministro, despontou no alto da ponta desse iceberg.
O fio da meada da devassa, feita pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF) sob a égide de um juiz isento e insuspeito, foi puxado do depoimento do vereador Alexandre Romano, de Americana, na Operação Lava Jato. Não há, contudo, como estabelecer conexão com um laivo de perseguição do implacável Moro e seus intocáveis. Tornada notória na mesma ocasião em que o coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, cunhou o lema do caráter devastador do roubo generalizado do dinheiro público no Brasil – “a corrupção é um serial killer sorrateiro” –, a operação jurídico-policial carrega a denominação mais exata do que qualquer outra antes empreendida. Custo Brasil diz tudo.
Os funcionários que tomaram empréstimos consignados de 2010 a 2015 pagaram R$ 1,25 pelos serviços da consultoria Consist, que, na verdade, custaram R$ 0,30, ou seja, um quarto. Do restante foram originados os R$ 100 milhões entregues aos ex-tesoureiros do Partido dos Trabalhadores João Vaccari Neto e Paulo Ferreira. Ex-deputado federal pelo PT do Paraná, o ministro do Planejamento de Lula e de Comunicações de Dilma ficou, segundo os investigadores, com R$ 7 milhões. Isso parece lana-caprina se comparado com os bilhões furtados de Petrobras, BNDES e fundos de pensão.
Mas o procurador Andrey Borges de Mendonça, ao descrever o furto, lembrou que “a corrupção não é um privilégio da Petrobras”, ela “está espraiada como um câncer”, e “o coração do governo estava agindo por esse mal”. Esse vício maligno, descrito por Dallagnol como “uma assassina sorrateira, invisível e de massa… que se disfarça de buracos de estradas, de falta de medicamentos, de crimes de rua e de pobreza”, acabou flagrado ao sair do bolso dos contribuintes para rechear contas bancárias de bandidos, passando pela folha de pagamento de servidores enganados de forma fria e cruel.
A Custo Brasil desnuda ainda uma expressão funesta da representatividade de nossa democracia: o corporativismo nefasto de “representantes” dos cidadãos, que mimam parceiros da corporação política e esquecem os representados. O PT, fundado para pôr fim à politicagem e à corrupção, não se solidarizou com os servidores, dos quais 46% dos sindicatos são filiados à CUT, nem com os mutuários de “sua” Bancoop ou os acionistas de “nossa” Petrobras. Mas, sim, com ex-tesoureiros e mandatários vassalos do desgoverno afastado.
O Senado, por decisão do presidente, Renan Calheiros (PMDB-AL), exigiu do Supremo Tribunal Federal (STF) a anulação da busca e apreensão na casa de Bernardo, pedida pelos promotores, autorizada pelo juiz e efetuada pelos policiais. Motivo: o preso é casado com uma ex-chefe da Casa Civil de Dilma, Gleisi Hoffmann, que, senadora, tem direito a impunidade seletiva, vulgo foro privilegiado. Assim, o “direito alagoano” reescreve o romano e o anglo-saxônico ao instituir o puxadinho do privilégio, garantido no foro de Murici, em que os dois gozam o benefício de um pelo tálamo de ambos
Essa comiseração corporativista inspirou a desfaçatez dos maganões. Com o tom exaltado com que execra Dilma, mas sem mais autoridade para manter a exaltação ao impeachment, o líder tucano na Casa, Cássio Cunha Lima, vociferou contra a violência de juiz, promotores e policiais, que “humilharam” a coleguinha casada com o indigitado. Sem levar em conta que o juiz tinha vedado na busca a coleta de quaisquer pertences ou documentos da esposa do procurado. O insigne líder do partido, que jura fazer oposição, não fez justiça aos funcionários furtados, mas aderiu ao coro mudo dos omissos, em que petroleiros calam quanto à bancarrota da Petrobras, bancários ignoram o uso desavergonhado do BNDES e sindicalistas, o arrombamento dos fundos de pensão.
Na algaravia geral brasileira não se ouve uma só voz que se apiade do cidadão comum ou zele pela Pátria, mãe gentil.
Lula acabou de descobrir que é muito mais seguro ser perseguido pela Lava Jato do que socorrido por Ciro Gomes (por AUGUSTO NUNES)
Sempre que Ciro Gomes diz que teve uma ideia, alguém precisa trancá-lo imediatamente num banheiro e esperar que o surto passe. Como até agora nem mesmo algum parente ou amigo pôs em prática essa medida preventiva (que venho recomendando desde o século passado pelo menos três vezes por ano) a usina de propostas irretocavelmente imbecis só é desativada quando Ciro está dormindo. O problema é que dorme pouco.
Nesta terça-feira, depois de atravessar a noite à caça de ideias que livrassem Lula das investigações da Lava Jato e de uma temporada na cadeia, o ex-governador do Ceará ergueu-se da cama excitado com o que lhe pareceu um plano perfeito: “Pensei: se a gente formar um grupo de juristas, a gente pode pegar o Lula e entregar numa embaixada”, explicou o candidato a sequestrador. “À luz de uma prisão arbitrária, um ato de solidariedade particular pode ir até esse limite”.
Segundo Ciro, “proteger uma pessoa de uma ilegalidade é um direito”. Para garantir ao prisioneiro libertado “uma defesa plena e isenta”, Lula já chegaria sobraçando um pedido de asilo à embaixada de um país governado por gente confiável. A Venezuela, por exemplo. Além do ambiente acolhedor, a sede da representação venezuelana tem espaço de sobra para abrigar o velho cúmplice de Hugo Chávez e Nicolás Maduro.
Para abrandar a solidão do ex-presidente que sofrerá o desterro sem deixar o país, o idealizador do sequestro poderia também instalar-se na Pensão do Lula ─ para sempre, de preferência. Mas é improvável que o chefão embarque no que é, mais que uma formidável ideia de jerico, uma operação criminosa que costuma dar cadeia. Se lhe resta algum juízo, Lula sabe que é muito mais seguro ser perseguido pela Lava Jato do que socorrido por Ciro Gomes.
“Já vem com primeira-dama” e outras oito notas de Carlos Brickmann
Junto com a esposa Rosangela, Sérgio Moro, anote, é candidato à presidência. A situação pode mudar, ele pode não querer. Mas está na lista (Publicado na coluna de Carlos Brickmann)
Um homem discreto, tímido, que pouco se manifesta fora dos autos do processo, virou ídolo nacional. No lançamento do livro Bem-vindo ao inferno, que prefaciou, sobre a caça a Roger Abdelmassih, viajou de Curitiba a São Paulo, com a esposa, por sua conta, chegou ao evento de táxi, foi recebido com rosas brancas, aplaudido; e foi embora. Nem o jantar aceitou. Em Nova York foi o único brasileiro no jantar anual de gala da Time para as cem pessoas mais influentes do mundo, com Barack Obama, Donald Trump, Hillary Clinton, Putin, Angela Merkel. Time salientou que, sem maior autoridade que a de um juiz, “pode derrubar um presidente e talvez mudar a cultura de corrupção que há muito tem prejudicado o progresso de seu país”. Em Curitiba, num show do Capital Inicial, neste sábado, a música Que país é este?deixou de ser destinada aos corruptos, como de hábito, e tocada em sua homenagem, enquanto o público delirava.
Em Nova York, houve até análise – favorável – da roupa de sua esposa. “Elegeu um vestido preto discreto e sofisticado. Clássico sim, careta não”. “Estilo clássico, porém com dose discreta de ousadia. Ela é uma mulher de personalidade, que reserva pequenas surpresas no jeito de se vestir”.
Sérgio Moro, anote, é candidato à presidência. Já vem até com primeira-dama, Rosangela Wollf Moro, ambos investigadíssimos e até agora ilibados. A situação pode mudar, ele pode não querer. Mas está na lista.
Pixulecagem
A partir de 1º de janeiro de 2003, cada funcionário público federal que tomou um empréstimo consignado pagou propina de R$ 0,85 à quadrilha que transferia dinheiro público para os partidos aliados do governo. A acusação ao ex-ministro Paulo Bernardo é ter chefiado essa quadrilha.
Aposentadoria para quem
Se há uma coisa que o país adora é entrar em discussões erradas ou fora de hora. O presidente Temer lança agora ao debate a aposentadoria aos 70 anos. Legal! E o emprego para quem tem mais de 50 anos, quando se vai debater? De que adianta a aposentadoria garantida com 70 anos quando quem tem 40 é considerado velho e nem tem emprego para se aposentar?
Quem é quem
A Lei Rouanet permite que empresas façam doações para projetos culturais aprovados pelo Ministério da Cultura e descontem tudo do Imposto de Renda a pagar. A pixulecagem superfatura as despesas, apresenta notas fiscais frias, duplica iniciativas; no fim, projetos modestos deixam de ser realizados, suspende-se a doação de livros a bibliotecas e escolas e o dinheiro é, claro, desviado. Na terça, a Federal cumpriu 37 processos de busca e apreensão e 14 de prisão temporária dos suspeitos de pixulecagem. Nomes: Ministério da Cultura, Bellini Eventos Culturais, KPMG, Scania, Demarest, Roldão, Intermédica Notre Dame, Laboratório Cristalia, Lojas Cem, Nycomed Produtos Farmacêuticos e Cecil.
Em compensação
O dinheiro sempre encontra seu destino. Felipe Amorim e Carolina Monteiro, da Bellini, promoveram um casamento inesquecível: um fim de semana inteiro na praia de Jurerê Internacional, Florianópolis, com show do sertanejo Leo Rodriguez (“Bara Bará Bere Berê”, “Dói Né” e “Vai no Cavalinho”). Para economizar, nada de taças para champagne: bebia-se no gargalo. E tudo foi pago, segundo a Polícia Federal, com recursos para fins culturais da Lei Rouanet– aquela cuja manutenção é exigida por artistas em todas as oportunidades. O casal que promoveu a festa foi preso nesta terça.
Contando tudo
O jornalista Ivo Patarra, petista dos primeiros tempos do partido, secretário de Imprensa da prefeita paulistana Luiza Erundina, lança hoje em São Paulo um livro revelador: Petroladrões- a história do saque a Petrobras. Na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, a partir das 19h.
Avançando
Como as coisas mudam: em 2006, Ivo – jornalista de prestígio, filho de dois notáveis jornalistas, Judith e Paulo Patarra – lançou O Chefe, sobre o Mensalão, e apontando Lula como chefe da quadrilha. Levou quatro anos ouvindo negativas de editoras atemorizadas antes de conseguir editar o livro. Agora a receptividade foi bem maior, as editoras disputaram o produto e o livro sai antes que o corrente escândalo seja abafado por outro.
Novo começo
O PT deve realizar um Encontro Nacional Extraordinário em dezembro, para analisar a situação e traçar novos caminhos. Deve ser o primeiro grande encontro petista a realizar-se em Curitiba.
Progredindo
Dilma diz que, se voltar ao poder, fará um governo de transição. Beleza: de transação a transição já é um avanço.
José Casado: Silêncio no sindicalismo
Publicado no Globo
Mais de 800 mil servidores públicos federais foram vítimas de fraude no sistema de créditos consignados.
A imposição de taxa extra sobre cada pagamento realizado nos últimos cinco anos por funcionários endividados proporcionou ganho lotérico (mais de R$ 100 milhões) a pessoas vinculadas ao PT, na maioria emergentes do ativismo sindical. A polícia prendeu um ex-ministro de Lula e Dilma, Paulo Bernardo.
Roubados, também, foram mais de 500 mil sócios dos fundos de pensão de Petrobras, Caixa e Correios. Devem atravessar as próximas duas décadas com cortes na renda de aposentadorias e pensões. Os negócios suspeitos da última década corroeram o patrimônio de Petros, Funcef e Postalis, que somaram déficit de R$ 33,6 bilhões apenas no ano passado. Metade da conta será paga pela sociedade, via aportes extras das empresas estatais.
As estranhas transações foram realizadas por gestores vinculados ao PT de Lula e Dilma e ao PMDB de Michel Temer, Renan Calheiros e Eduardo Cunha. A maioria teve origem no ativismo sindical e ascendeu no loteamento político.
Sindicalismo não é sinônimo de rapinagem. Porém, merece reflexão o fato de que nos últimos 12 anos os principais gestores dos fundos de Petrobras, Banco do Brasil, Caixa e Correios tenham saído das fileiras do Sindicato dos Bancários de São Paulo. Vieram dali, também, expoentes da burocracia do PT como Ricardo Berzoini, ex-presidente, e João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do partido, arquitetos de outra iniciativa que redundou em fraude, a Bancoop.
A opção pela alavancagem de ativistas sindicais ao papel de gestores, no loteamento político das estatais e fundos de pensão, foi uma característica dos governos Lula e Dilma. Foi assim que Petrobras ganhou dois Josés (Dutra e Gabrielli).
As razões tiveram mais a ver com perspectivas de poder e negócios do que com ideologias. Havia um projeto de mando, desenhado desde os primórdios do PT e da CUT, por Luiz Gushiken, então presidente dos bancários de São Paulo.
Casta emergente no PT, os sindicalistas atuaram como força-tarefa, privilegiando algumas empresas no acesso às gôndolas de dinheiro público, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador, fonte dos recursos subsidiados do BNDES.
Exemplar é o caso de Marcelo Sereno, antigo dirigente do PT e chefe de gabinete da Casa Civil sob José Dirceu. Sereno é personagem recorrente nos escândalos da Loterj, Mensalão, da Petrobras e dos fundos de pensão. Sua biografia une a direção da CUT-Rio, Dirceu, os ex-governadores Anthony Garotinho e Benedita da Silva, o presidente do PT-Rio Washington Quaquá, o deputado suspenso Eduardo Cunha e figuras como Ricardo Magro, dono de 21% do grupo Galileo.
Preso ontem, Magro está no centro de uma fraude a 350 mil associados da Petros e Postalis — negócio de R$ 80 milhões com debêntures de universidades, que prejudicou também 15 mil estudantes no Rio, na maioria pobres e dependentes do crédito governamental.
É notável o silêncio sobre as maracutaias no crédito consignado ao funcionalismo, na Petrobras e nos fundos estatais, entre outras. É a trilha sonora das fissuras na maior base sindical do PT: 46% dos vinculados à CUT pertencem ao setor público.
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