"O impeachment avançou?, Assim é, mas nem parece...", por CARLOS BRICKMANN
Publicado na coluna de Carlos Brickmann
Renan é aliado e companheiro de Temer, ambos unidos no PMDB, certo? Como presidente do Senado, Renan foi um dos comandantes da luta pelo impeachment, que levou Temer à presidência da República, não é?
Não, não é. Em política o que parece verdadeiro nem sempre é real. Renan tentou evitar o impeachment (gosta de Dilma, disse). Talvez por isso o procurador Janot tenha centrado fogo em Eduardo Cunha, defensor do impeachment, e dado certa paz a Renan. Mas paremos aqui: o impeachment avançou, Renan já não é necessário, e é contra ele que avança o procurador. Amigos? Político não tem amigos, tem momentos de amizade.
A guerra entre Janot e Renan deve movimentar a semana. Janot pediu ao Supremo a prisão de Renan e outros, mas foi longe demais e o pedido foi rejeitado. Perdeu no Supremo; agora Renan é que tem a iniciativa de tocar ou não em frente um pedido de impeachment de Janot. Renan disse que na próxima semana decide o que fazer. Renan é frio, calculista, letal (atenção: em Brasília, isso é elogio). E tem forte apoio no Senado, em parte por sua liderança, em parte porque os senadores já não aguentam as pressões para que lhes tirem direitos e prerrogativas, tratem-nos como cidadãos de segunda classe, esquecendo que foram eleitos, e os botem na cadeia.
E quando Renan diz que nunca esteve tão próximo de Temer, pode ser verdade: um punhal nunca deixa de ser curtinho, curtinho.
Toma que o caso é teu
Talvez Renan prefira deixar o caso do impeachment de Janot para seu vice Jorge Viana, do PT. Ajuda a compartilhar a crise com os adversários.
Ele teve a força
Eduardo Cunha é hábil, trabalhador, luta com energia contra a cassação, mas perdeu boa parte da força. Perdeu por dois votos a decisão, na Comissão de Ética, que sepultaria a possibilidade de cassá-lo; e dois votos de gente sua, a deputada Tia Eron e Wladimir Costa. Detalhe: Costa acabara de discursar em favor de Cunha, e culminou com o voto contra.
Perder a força é doloroso. No impeachment de Collor, o deputado Onaireves Moura foi um dos comandantes de sua defesa. Visitou Collor, pediu-lhe desculpas: não poderia participar da votação porque tinha de viajar ao Paraná. E foi. Mas escolheu um voo com escala em São Paulo. De São Paulo, ligou para Brasília e soube que Collor estava levando uma goleada. Pegou o avião para Brasília a tempo de votar contra ele.
Machado, o Pio
A delação premiada de Sérgio Machado deve render-lhe prisão domiciliar por dois ou três anos, pena a ser cumprida em sua esplêndida casa de Fortaleza, com quadra esportiva e piscina, e autorização para receber vinte e poucas pessoas da família, mais um padre.
No Brasil todo mundo é religioso e fica com um terço no bolso.
PT x PF
A Polícia Federal e o PT, a propósito, já estão em disputa. Primeiro o PT se queixou da PF por, a seu ver, concentrar as investigações em Guerreiros do Povo Brasileiro habituados a bons contatos com empreiteiras e estatais. Depois, passou a exigir que o governo controlasse a PF, como se tivesse legalmente esse poder. Só falta dar andamento ao impeachment de Janot para que até o Japonês da Federal seja hostilizado por centrais sindicais.
O Dunga do Planalto
Terceiro ministro a cair em cinco semanas: acusado em delação premiada, Henrique Alves deixou o governo. Nem Dunga caiu tão depressa. Dois pontos a notar: com Temer, suspeito perde logo o cargo (com Dilma, remanchavam). E deixar um cargo, com motorista e tudo, coisas de que sempre gostou, deve ter doído em Henrique Eduardo Alves.
O discípulo de Dilma
Waldir Maranhão, do PP, o deputado maranhense que substituiu Eduardo Cunha na Presidência da Câmara, fala pouco. Mas, quando fala, consegue a notável façanha de lembrar a presidente afastada, Dilma Rousseff. Suas palavras, num seminário da Comissão de Educação da Câmara: “A dimensão dialética é que podemos dizer, em verso e prosa, que só a Educação salva, que a Educação é a única cadeia que liberta”.
Aos amigos, tudo
A deputada federal tucana Geovânia de Sá pediu ao chanceler José Serra que nomeasse um amigo, naturalmente sem concurso, para um cargo diplomático, a ser exercido em Brasília ou Florianópolis, com R$ 15 mil de vencimentos. É proibido: no Itamaraty só se entra após aprovação em concurso público, e quem conhece Serra, preocupadíssimo em aparentar simpatia para adversários ou aliados, pode imaginar o desfecho da história.
A deputada Geovânia e seu recomendado precisarão aproximar-se de Serra, de agora em diante, com muito cuidado.
– Charge do Paixão, via 'Gazeta do Povo'.
Lava Jato, dure o tempo que durar.. (EDITORIAL DO ESTADÃO)
Em encontro com empresários no dia 16 passado, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, fez elogios à Operação Lava Jato e disse que o presidente em exercício Michel Temer apoia as investigações, mas fez uma significativa observação: “Tenho certeza de que os principais agentes da Lava Jato terão a sensibilidade para saber o momento em que eles deverão aprofundar ao extremo e também de caminhar rumo a uma definição final”, pois só assim serão evitados “efeitos deletérios”. Com isso, o ministro jogou a cartada da possibilidade do colapso do sistema político – como aconteceu com a Mani Pulite, na Itália – para evitar que a Lava Jato vá, segundo sua opinião, longe demais.
Muito se tem dito, quase sempre em tom de denúncia, a respeito de manobras e conchavos de políticos graúdos para interferir nas investigações da Lava Jato. Meias-palavras captadas em grampos, ditas na maioria das vezes em tom de mero comentário, têm sido suficientes para dar impulso a teorias conspirativas de todo tipo, alimentadas pela sensação geral de que, como as coisas vão, ninguém se salvará em Brasília. Isso não significa que os parlamentares que se viram envolvidos ou temem em breve vir a sê-lo não tenham o desejo de enterrar a Lava Jato, já que a operação está a lhes depenar a galinha dos ovos de ouro. Mas o fato concreto é que, se houve ou há qualquer intenção de atrapalhar a Lava Jato, e se essa intenção foi de alguma forma transformada em manobra concreta, a tramoia foi até aqui muito malsucedida, pois raros são os dias em que não aparecem novas denúncias a sacudir o mundo político. Por essa razão, já que parece mesmo impossível controlar a Lava Jato ou cortar-lhe as asas, chegou a hora de apelar à tese da ingovernabilidade ou de reação avassaladora contra o movimento moralizador, como fez Padilha.
Para ilustrar os “efeitos deletérios” aos quais fez referência, o ministro lembrou da Operação Mãos Limpas, investigação italiana que inspirou a Lava Jato. Segundo Padilha, na Mãos Limpas “não houve essa sinalização” a respeito do fim dos trabalhos, como ele espera da Lava Jato. O resultado foi a destruição de alguns dos principais partidos políticos italianos, envolvidos em grossa corrupção, e a ascensão do populismo aventureiro de Silvio Berlusconi. “Eu vi e li o que aconteceu com a Operação Mãos Limpas na Itália. Todos eles (da Lava Jato) conhecem tanto quanto eu. Temos que fazer com que tenhamos o melhor resultado possível”, explicou Padilha mais tarde aos jornalistas, sugerindo que o “melhor resultado possível” é aquele obtido até agora, sem necessariamente avançar mais.
Essa tem sido, aliás desde sempre, a principal crítica dos adversários da Lava Jato, mas trata-se de uma falsa questão. De fato, a investigação na Itália, nos anos 1990, dizimou o sistema político, e o vácuo de poder criado foi logo ocupado por Berlusconi. Mas atribuir essa situação à Operação Mãos Limpas, que apenas cumpriu sua missão de prender os assaltantes do Estado italiano, é isentar de responsabilidade os partidos, os líderes políticos e os empresários que haviam transformado a democracia representativa em um meio eficaz de enriquecimento. E que, depois, reconstruíram os mecanismos de impunidade que haviam sido demolidos pelos promotores e juízes. Não haveria necessidade de Operação Mãos Limpas se, antes, não houvesse sujeira nas mãos.
Entende-se a preocupação do mundo político com a Lava Jato. A corrupção, que era apenas resultado de oportunidades criadas pelo gigantismo do Estado no País, graças aos governos do PT transformou-se em um método de administração e de manutenção do poder. O que a Lava Jato está revelando, pedaço por pedaço, é o esquema de sequestro do Estado para fins de perpetuação de uma casta política, totalmente indiferente ao voto recebido na urna – obtido, aliás, por meio de campanhas financiadas com dinheiro roubado de estatais.
É esse o círculo – virtuoso para seus usufrutuários criminosos – que está a caminho de ser rompido. Faz sentido que os políticos queiram “concluir” a Lava Jato antes que toda a verdade seja conhecida. Do ponto de vista da sociedade, porém, está mais do que claro que a LavaJato deve durar o tempo que for necessário, até que todos os que exploraram a democracia para se locupletar paguem pelo que fizeram.
O gatuno que comandou a roubalheira na Transpetro é mais um bandido de estimação de Lula e Dilma
Todas as figuras citadas nos depoimentos de Sérgio Machado, sem exceção, devem ser incluídas na devassa conduzida pela Lava Jato. Se comprovada a veracidade da acusação, os culpados serão punidos. Caso contrário, o acordo de delação não terá validade e Machado vai envelhecer na cadeia. Simples assim. Nenhum meliante da classe executiva está fora do alcance da ofensiva apoiada irrestritamente pelo país que presta.
Brasileiros decentes não têm bandidos de estimação. Não se prestam ao papel de coiteiro desempenhado por Lula e Dilma Rousseff com muita aplicação e notável desfaçatez. Em 2003, a pedido de Renan Calheiros, o ex-senador cearense foi premiado por Lula com a presidência (e o cofre) da Transpetro. Nos anos seguintes, até as bombas dos postos de gasolina se assombraram com a roubalheira consumada por Machado em sintonia com os chefões do PMDB — sempre sob a proteção do Planalto.
Mantido no emprego por Dilma, o notório vigarista seguiu depenando em sossego o assalto à subsidiária da Petrobras. Deu no que deu. Os principais beneficiários das ladroagens descritas pelo delator foram os senadores José Sarney, Romero Jucá, Renan Calheiros e Edison Lobão, que acertaram com Lula o casamento do PT com o PMDB. Os casos de polícia protagonizados por Machado e por quatro vorazes pais da pátria não ocorreram depois da posse de Michel Temer, mas nos 13 anos de hegemonia da organização criminosa disfarçada de coligação partidária.
José Sarney, por exemplo, voltou a presidir o Senado por vontade de Lula, que retribuiu os bons serviços prestados pelo antigo dono do Maranhão com um título honorífico — Homem Incomum — e operações de socorro que mantiveram no cargo (e em liberdade) um prontuário de bigode. Romero Jucá foi ministro da Previdência e depois líder do governo Lula no Senado. Renan foi discípulo do palanque ambulante até virar conselheiro de um poste. Edison Lobão foi ministro de Minas e Energia da supergerente de araque.
Tão minucioso ao relatar bandalheiras envolvendo integrantes dos partidos que hoje se opõem ao PT, Machado evitou detalhar episódios de que participaram os principais responsáveis por sua longa temporada à frente da Transpetro. Mesmo assim, a revelação mais relevante está na soma dos depoimentos: conjugados, eles escancaram a paternidade da gangrena que consumiu durante 12 anos esse braço da estatal petroleira.
Como todos os participantes do maior esquema corrupto da história, Machado e o quarteto insaciável não teriam feito o que fizeram sem a bênção militante de Lula e Dilma. Todos roubaram impunemente graças aos dois coiteiros de meliantes. O resto é conversa de quadrilheiro apavorado com a expansão da República de Curitiba.
Temer governa em maio ao cáos (arrancado das garras dos lulopetistas que não entregaram nem mesmo as chaves de muitas salas), por VALENTINA DE BOTAS
Os inconformados com a Constituição e militantes das eleições já fizeram um estardalhaço porque Michel Temer se reuniu com Renan Calheiros no Jaburu numa noite dessas para uma conversa que se estendeu até a madrugada. Seria mais uma prova incontornável do complô para barrar a Lava Jato num governo cujo ministro da Justiça, Alexandre Morais, reitera o apoio à investigação.
É impressionante como os alarmados espíritos a respeito das eventuais ameaças vindas do governo não tenham se escandalizado quando o ministro anterior, Eugênio Aragão, ameaçava as equipes se sentisse “cheiro de vazamento”. E o antecessor, José Eduardo Cardozo, só não o fez porque não conseguiu; e acabou, numa sessão notável da comissão do impeachment, ao invocar o colega Thomas Turbando, confessando a real e exasperante tarefa dos defensores de Dilma.
O tal complô do novo governo, entendem os pró-eleições-já, seria a sequência da conspirata que afastou Dilma Rousseff. Sim, aquela presidente de crimes em série; a czarina do petrolão; o poste autoritário que despreza os limites da democracia aos poderes e quereres de um poste com complexo de governante; a mandatária que inaugurou dramas novos no país cujos dramas antigos ela ignorou enquanto os aprofundava.
Contudo, é normal e mesmo desejável que Renan (ou quem quer que seja o presidente do Congresso) se reúna com Temer (ou quem quer que seja o presidente interino), num encontro às claras na calada da noite, depois de termos assistidos entre a perplexidade e a repulsa um jeca sem cargo receber deputados de alta rotatividade, num hotel, tentando comprar votos contra a admissibilidade do impeachment. Na velocidade dos dias, parece longíqua mais uma patifaria do presidiário misteriosamente adiado ocorrida há somente dois meses.
A falação esquisitona de Sérgio Machado tentando envolver Michel Temer encurtou ainda mais o tempo para se respirar, ou refletir. Num país já transitado para a civilização, seria inadmissível o presidente manter o posto; mas também seria inadmissível um troço como Sérgio Machado. É essa velocidade que quero comentar. Ralph Waldo Emerson (poeta e filósofo americano do século 19) afirmou que “quando se patina sobre o gelo fino, a segurança está na velocidade” para sintetizar a transição na Modernidade em que não há mais chão – ou há este de gelo que nada sustenta –, tudo é questionável e mutável, guiado pela racionalidade que, prometendo organizar tudo, voltou-se contra si mesmo, passando ela também a ser objeto de exame.
Nessa aceleração das mudanças promovendo incertezas, aprofundar-se – num pensamento, ação, valor ou sentimento – poderia significar afundar. O simpático filósofo polonês Zygmunt Baumann usou a frase do americano para ilustrar a eloquente imagem do “mundo líquido”, erguido já pela pós-modernidade na falência da racionalidade como solução, deixando claro que corremos atrás da… do… de quê? Os dois filósofos, portanto, provam que refletir é essencial.
Na velocidade voraz, a pausa é imperiosa para alcançar, senão o luxo da compreensão, a satisfação do básico: refletir. Sem isso, a camada de gelo sob os pés dos brasileiros pode se romper e só não afundaremos se pudermos supor um cordão de alguma sanidade e lógica em torno desses dias incessantes em que tudo parece relevante, bombástico, emblemático, simbólico, decisivo, definitivo. Assim, as reuniões discretas de Temer, mas divulgadas, longas ou não, não deveriam escandalizar ninguém.
Além disso, ele governa com honestidade quanto às próprias despretensões políticas, com a firmeza possível para quem não sabe se será promovido de interino a transitório, com a articulação política disponível em meio ao quase caos, com a gestão administrativa arrancada das garras dos lulopetistas que, em algumas situações, não entregaram nem mesmo as chaves de muitas salas. Se não buscarmos algum distanciamento, alguma baliza, algum parâmetro, a interinidade naufraga sem ter tido a chance de ser o que acho (ainda) que pode ser: nossa transição possível até o outro lado da… do… disso.
Ainda que caiam ministros como as folhas no outono e entendendo que nossa melancolia atinge os ossos também porque muito acontece e, aparentemente, não saímos do lugar, creio que Temer se fortalece quando se livra dos delatados sem acusações contra a Justiça, o jornalismo independente, as elites, etc. Ou seja, superamos o modelo lulpetista. Mas a matriz putrefata está ativa e a lista de Machado, pretendendo misturar sujos e mal-lavados para que a sujeira e a meia-limpeza de uns redimam as dos outros, remete a ela. Se não refletirmos, essa matriz odiosa nos manterá um país intransitivo.
J. R. Guzzo: Duas ferrovias (Quando a Suíça resolve fazer uma estrada de ferro, as pessoas passam a andar de trem; no Brasil, ficam devendo)
Publicado na versão impressa de VEJA
Os viajantes que vão de Zurique, de outras cidades da Suíça e da maioria dos países da Europa para Milão e para o norte da Itália já estão rodando a até 250 quilômetros por hora na linha de trem que passa pelo novo túnel do Monte São Gotardo, a mais recente maravilha da engenharia mundial ─ com quase 60 quilômetros perfurados na rocha bruta, é o túnel mais longo do mundo, e sua construção tornou-se uma epopeia comparável à da travessia subterrânea do Canal da Mancha, entre Inglaterra e França. Enquanto isso, no Brasil, a última notícia que o público pagante teve em matéria de estrada de ferro foi o anúncio, dias atrás, de que o Tribunal de Contas da União proibiu qualquer entrega de dinheiro do Erário à “Ferrovia Transnordestina”, apresentada desde o governo do ex-presidente Lula como um monumento à redenção do Nordeste; seria também uma prova de que foi preciso um operário chegar à presidência deste país para ensinar que grandes obras não podem ser feitas só no “Sudeste”. A decisão foi tomada porque a Transnordestina assumiu a proporção de calamidade fora de controle em matéria de agressão ao Tesouro Nacional, incompetência técnica absoluta e desrespeito ao cidadão. O resumo real do que aconteceu aí é o seguinte: dez anos após anunciadas as obras, não existe ferrovia nenhuma. Em compensação, existe uma dívida de 35 bilhões de reais.
Sempre se pode dizer: “Não dá para comparar a Suíça com o Brasil”. Não dá mesmo ─ não é realista, não é lógico e é inútil. A Suíça é uma coisa, o Brasil é outra, e não existe nenhuma previsão, pelo menos por enquanto, de que fiquem mais parecidos algum dia em termos de conduta por parte do poder público. Ainda assim, o caso das duas ferrovias oferece uma excelente oportunidade para pensar um pouco nessa coisa ruim chamada “governo”. Tudo bem, ninguém está querendo por aqui que os governantes tenham um desempenho semelhante ao de lá; mas, francamente, também não há nenhuma obrigação de serem tão ruins desse jeito. A Transnordestina, lançada em 2006 para ligar os portos de Pecém, no Ceará, e Suape, em Pernambuco, além de abrir um novo acesso ao mar para o interior do Piauí, deveria ser entregue em 2010. Não foi. Já estamos em 2016 e nada ─ não há no momento nem sequer um palpite sobre a data de entrega. Descobriu-se que as obras foram iniciadas sem um projeto de engenharia coerente. Não existe nenhuma dificuldade geográfica especial na área (nada de túneis a 550 metros de altitude, por exemplo), mas dos 1 700 quilômetros da estrada só há trilhos em 600, onde não passa trem algum. Sua função, no momento, é serem estragados pelo tempo ou furtados para a venda a peso do seu aço. O novo túnel do maciço de São Gotardo, aberto ao público dias atrás, foi entregue seis meses antes do prazo contratado e custou o que deveria custar ─ o equivalente a pouco mais de 10 bilhões de dólares. Por uma dessas coincidências da vida, a soma é praticamente igual aos 35 bilhões de reais de dívida que as empresas estatais responsáveis pela Transnordestina têm a apresentar como resultado de seus esforços até agora. Dá o que pensar. Quando a Suíça resolve fazer uma estrada de ferro, as pessoas passam a andar de trem; no Brasil, ficam devendo. É lindo, isso.
Também chama atenção, no caso, um fenômeno curioso, que provavelmente só acontece no Brasil: quanto mais a tecnologia avança no mundo desenvolvido, mais as obras públicas brasileiras demoram para ficar prontas. Numa época em que a ciência da engenharia é capaz de vencer os mais ingratos desafios da natureza, dentro dos prazos e dos orçamentos previstos, é como se o Brasil estivesse vivendo no tempo da régua de cálculo e do trator a gasolina; no ritmo de trabalho seguido pelos dois últimos governos, a Ponte Rio-Niterói ainda estaria em obras. Estradas como a Transnordestina, segundo apontou o TCU, apresentam “vícios de construção” e “erros primários” de técnica ferroviária. A transposição de águas do Rio São Francisco é uma coleção de ruínas. Usinas hidrelétricas geram energia inútil, porque não há linhas de transmissão ─ e por aí se vai. Para piorar, o governo que não faz é o mesmo governo que não deixa fazer, na sua paixão contra o resultado prático e no seu pânico diante de qualquer benefício público feito pela iniciativa privada. Nesse meio-tempo, o mundo continua a girar. A primeira ferrovia do São Gotardo é de 1882; por lá, já estão na terceira. Por aqui, a grande discussão é saber se os que não fizeram vão voltar ao governo para continuar não fazendo.
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