"Aqueles que nunca ralaram"…, por RODRIGO CONSTANTINO, de Veja
Aqueles que nunca ralaram…
A presidente Dilma, nessa semana mesmo, citou o grande (adjetivo que ela usou) Nelson Rodrigues. Seria o caso, então, de recomendar um aforismo de nosso genial dramaturgo: “A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem”.
Dilma não lida bem com as vaias. Fica visivelmente nervosa, constrangida, e todo seu ranço autoritário vem à tona. Foi o que aconteceu em Araguaína ao lançar, ao lado da senadora Kátia Abreu (shame on you, senadora!), um conjunto habitacional de alto padrão do programa Minha Casa Minha Vida.
Uma claque vaiou a presidente e fez acusações de corrupção. Houve protesto de moradores de outro conjunto inaugurado há dois anos e que já apresenta inúmeros problemas de estrutura. Sob as vaias, a presidente partiu para o ataque sensacionalista, e disse:
Aqueles que não dão importância às pessoas ter a casa própria é porque nasceram em berço esplêndido. Aqueles que não valorizam o cartão do Minha Vida Melhor é porque nunca tiveram de ralar, de trabalhar de sol a sol para comprar uma televisão, uma geladeira, uma cama ou um colchão.
Presidente, presidente… não tire a gente do sério dessa maneira! O fígado pode não suportar o baque. O sonho da casa própria é legítimo, claro. Mas nem todos podem comprar uma casa própria. Faz parte. Para isso existe, por exemplo, o aluguel. Muita gente vive em casas alugadas, e não há nada de errado nisso.
Eu mesmo vivi por anos em apartamento alugado, e somente agora tenho minha casa própria (na verdade, ainda falta pagar boa parte dela). E minha renda é bem acima da média nacional. Nunca me senti humilhado por não ter um imóvel no meu nome. E não seria correto obrigar outros a trabalhar para que este meu sonho fosse realizado.
O que nos leva ao cerne da questão: aqueles que realmente ralam na vida estão na classe média explorada pelo seu governo populista. Para sustentar tantas bolsas (esmolas) estatais em busca de votos, é preciso tirar o couro da classe média trabalhadora, espremida pela absurda carga tributária, e ainda tendo de pagar tudo dobrado, pois os serviços públicos são uma porcaria.
Nos Estados Unidos, a bolha imobiliária teve origem nesse populismo, quando a Casa Branca pressionou as empresas de hipoteca a estender crédito barato para a baixa renda em busca de votos. Quebrou a Fannie Mae e a Freddie Mac, e pariu a bolha do subprime, que estourou depois produzindo muito sofrimento.
O programa Minha Casa Melhor parece ter sido feito sob medida para agradar empresários do varejo, como sua amiga Luiza Trajano, que é só elogios ao desempenho econômico medíocre do país. Será que a classe média que reclama dessa transferência de renda para os ricos em nome dos pobres é “vagabunda”, presidente? Será que reclama porque não gosta de ralar?
O povo não agüenta mais ralar tanto para sustentar parasitas e políticos! Trabalhamos até maio só para pagar impostos, e nem podemos contar com saúde e educação pública de qualidade, com estradas decentes, com segurança. E ainda temos que escutar Marilena Chauí, defensora do PT, acusar a classe média de “fascista”!
Não, presidente Dilma, a classe média não chia porque não gosta de ralar. Chia porque rala demais da conta para alimentar tantas boquinhas penduradas nas tetas estatais! E por falar em não trabalhar, foi Roberto Campos, com sua sabedoria ímpar, quem definiu melhor o seu partido:
O PT é o partido dos trabalhadores que não trabalham, dos estudantes que não estudam e dos intelectuais que não pensam.
Rodrigo Constantino (de veja.com.br)
O populismo e a lei da acumulação das burradas, por ROLF KUNTZ*
Burrada gera burrada e tende a crescer em espiral, como os preços inflados, quando a besteira é realimentada pela mentira. No Brasil, essa combinação de erros levou à superinflação, nome inventado para marcar a tênue diferença entre a hiperinflação e o desastre brasileiro dos anos 80 e começo dos 90. Proscrito por algum tempo, o jogo está consagrado, novamente, na rotina brasiliense. O socorro de R$ 12 bilhões às elétricas, para atenuar os efeitos de uma política populista de tarifas, é o mais novo lance desse jogo. O Tesouro gastará R$ 4 bilhões além dos R$ 9 bilhões previstos no Orçamento e a Câmara de Comercialização de Energia, um ente privado, tentará obter no mercado um financiamento de R$ 8 bilhões, pagando juros, naturalmente. Os consumidores serão mais uma vez poupados, neste ano, e só depois de votar receberão a conta aumentada.
Mentira é uma boa palavra para designar a maquiagem das contas fiscais e a tentativa de reprimir - e falsificar, portanto - os índices de preços. No caso das contas públicas, também tem sido usada, com sucesso internacional, uma expressão mais suave: contabilidade criativa. A nomenclatura faz pouca diferença. O importante é reconhecer a realimentação e a multiplicação dos erros quando se tenta disfarçar os problemas, em vez de resolvê-los. O efeito circular é claríssimo na crise argentina. Também é indisfarçável na baderna econômica da Venezuela, marcada nas páginas da História, de forma indelével, pela escassez de papel higiênico. Haja páginas.
O exemplo argentino é um modelo para os governantes populistas, em geral muito interessados nos benefícios políticos e pouco preocupados com os custos efetivos para a economia. Para disfarçar a inflação o governo da Argentina tem falsificado os indicadores e tentado tabelar ou congelar os preços. Como o fracasso é inevitável, amplia a vigilância e tenta levar o controle até a origem dos produtos. Com isso, impõe perdas a agricultores e pecuaristas e cria um conflito entre a administração central e o setor mais eficiente da economia. De passagem, cria algum obstáculo à exportação de alimentos, para derrubar os preços internos, e compromete a receita cambial. Como o Executivo também usa os dólares da reserva para liquidar contas fiscais, a combinação das trapalhadas produz ao mesmo tempo inflação crescente, insegurança na produção e escassez de moeda para os pagamentos internacionais.
Para poupar reservas o governo impõe controles severos às compras de moeda estrangeira e aumenta o protecionismo. Também esse esquema tende ao fracasso, mas produz algum efeito quando um governo amigo se dispõe a aceitar o desaforo comercial. Neste caso, esse governo amigo tem como endereço principal o Palácio do Planalto, em Brasília. A tolerância é praticada em nome de uma solidariedade nunca retribuída e, de forma implícita, de uma liderança regional imaginária e sempre desmentida na prática.
A solidariedade tem um claro componente ideológico. O estilo dos Kirchners tem sido uma evidente inspiração para o governo brasileiro. Mas as condições no Brasil são um tanto diferentes e têm sido menos propícias, pelo menos até agora, a algumas iniciativas mais audaciosas. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ainda funciona sem interferência do Executivo. O PT conseguiu, pelo menos durante algum tempo, impor sua marca ao velho e respeitável Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mas a ação foi desastrada e desmoralizante. Não se conhece, até hoje, nenhuma tentativa semelhante em relação ao IBGE.
Sem manipulação direta dos índices, a maquiagem da inflação ocorre diretamente nos preços, por meio, por exemplo, da redução das contas de eletricidade, da imposição de perdas à Petrobrás e do congelamento das tarifas de transporte urbano. Seria politicamente muito mais complicado tentar mexer nos indicadores produzidos pelo IBGE. Mas a interferência direta na fixação de preços dispensa o governo desse risco. Impõe, em contrapartida, uma porção de outros problemas.
O congelamento de tarifas de transporte público resultou em perdas para governos municipais e estaduais, incluídos os do PT. Recursos para investimentos e até para ações rotineiras tornaram-se mais escassos, mas o reajuste de tarifas é hoje politicamente mais difícil do que no ano passado.
O esperado socorro do governo federal - uma das apostas do prefeito Fernando Haddad - também está atrasado e é pouco provável, porque as contas do Tesouro Nacional estão em más condições. Se algum socorro aparecer, será uma surpresa, porque a meta fiscal anunciada no mês passado pelo ministro da Fazenda parece cada dia mais inacessível. O aumento das despesas para socorrer o setor elétrico é uma sangria a mais para o Orçamento federal.
Se a presidente insistir em poupar os consumidores, será preciso compensar os gastos adicionais do subsídio às contas de eletricidade. O ministro da Fazenda mencionou o possível aumento de impostos e a reabertura do Refis, o refinanciamento de dívidas tributárias. Mais uma vez o balanço fiscal dependerá de receitas especiais, como os pagamentos iniciais do Refis, os dividendos do BNDES e o pedágio pago pelas concessões de infraestrutura. Se as agências classificadoras aceitarem a jogada, talvez se possa evitar a redução da nota de crédito soberano.
Um pouco mais de seriedade na gestão das contas públicas e no combate à inflação pouparia ao governo muitas complicações e livraria o País de perdas injustificáveis. Combate sério à inflação inclui o uso mais eficiente do dinheiro público e a ação realmente autônoma do Banco Central. O Brasil nada ganhou com a redução voluntarista dos juros. A inflação subiu e foi preciso apertar de novo a política monetária. Também nada ganhou com a manipulação de preços e tarifas. Burradas só geram problemas e o esforço para disfarçá-los envolve novas burradas, como a solução improvisada para o problema das elétricas.
*ROLF KUNTZ É JORNALISTA
Encrenca adiada, por Celso Ming
O pacote para o setor de energia elétrica escancara fragilidades do governo Dilma e mais um adiamento da solução de problemas.
O governo vem sendo incapaz de assumir a vulnerabilidade da economia a um colapso no fornecimento de energia elétrica. Essa situação poderia ser mais bem evitada se a população fosse incentivada a reduzir o consumo ou por meio de estímulos ou por meio do aumento de preços. Mas, por uma reação narcisística que pretende evitar qualquer ideia que lembre racionamento ou algo parecido, decidiu por medidas paliativas e protelatórias cujo principal efeito é o aumento da desconfiança, e não o contrário. O investidor tem agora mais razões para se sentir inseguro em relação ao custo e ao fornecimento do insumo mais importante para a produção.
O pacote cuidou de repassar imediatamente R$ 12 bilhões às distribuidoras de energia sem repassar imediatamente essa despesa para o consumidor. O Tesouro se encarrega de uma despesa adicional de R$ 4 bilhões, 10% do que a presidente Dilma prometeu cortar há apenas 23 dias, a ser coberto com aumento de impostos, que ninguém explicou como será.
Outra decisão é levar a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica a contratar uma dívida de R$ 8 bilhões. Como esta é uma instituição sem ativos e, portanto, incapaz de fornecer garantias reais, não haverá instituição privada capaz de adiantar esses recursos. A saída será apelar para os bancos públicos de sempre: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES, apenas para disfarçar o adiantamento de uma conta que, depois das eleições, será descarregada sobre o consumidor.
Outra decisão será a realização de um leilão de “energia existente” para tentar reforçar a oferta. Como quase tão somente a Petrobrás possui unidades termoelétricas que podem ser acionadas, embora a custos mais altos, o resultado será nova sobrecarga do caixa da empresa.
O governo se exime de responsabilidades pela crise. Argumenta que é vítima de uma fatalidade provocada por uma seca implacável. Não é assim. O colapso é o resultado de uma administração casuística e autoritária do setor, que não consegue nem sequer reconhecer que o sistema está vulnerável a apagões provocados por raios ou por ação de queimadas sob linhas de transmissão.
Culpar a falta de chuvas é o mesmo que descarregar a raiva sobre “esse juiz mal-intencionado (segue-se o palavrão de praxe)” pela inversão da marcação de uma falta que levou o time à derrota. Os problemas do perdedor são outros: mau preparo físico e técnico, falta de padrão de jogo, desmotivação dos atletas, etc.
A presidente Dilma interferiu autoritariamente no mercado com a Medida Provisória 579, de setembro de 2012, e desorganizou o sistema. A construção de hidrelétricas e de linhas de transmissão, que poderiam regularizar a oferta, está cronicamente atrasada. A queima de óleo diesel em termoelétricas ultrapassadas é mais um fator que provoca a deterioração do caixa da Petrobrás. E tem essa omissão incompreensível que bloqueia uma política de uso racional de energia em tempos de escassez.
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