Diante de impactos comerciais, Brasil pode recorrer à OMC contra lei europeia sobre desmatamento
O Brasil poderá recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) contra o Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), já aprovado pelo Parlamento Europeu e com aplicação prevista a partir de dezembro de 2024.
Os impactos da nova lei europeia nos produtos brasileiros foram debatidos nesta terça-feira (11) em audiência conjunta das comissões de Agricultura; e de Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados.
A secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Tatiana Prazeres, afirmou que a medida é unilateral, tem efeito extraterritorial e impactaria em 34% dos produtos que o Brasil exportou para a União Europeia em 2022. “É uma conversa que nós temos com o Itamaraty: a possibilidade de o Brasil questionar a legalidade dessas medidas nos foros apropriados, questionar as novas exigências europeias à luz das regras internacionais de comércio.”
O diretor do Departamento de Política Comercial do Itamaraty, embaixador Fernando Pimentel, também chamou de “arbitrária” a classificação de países por risco de desmatamento, prevista na lei europeia. Segundo ele, pode haver uma “espiral de retaliação” ao redor do mundo, fragilizando o comércio internacional, além da imposição de custos aos exportadores que não existem para os produtores locais.
“Infelizmente, a OMC demora muito: você tem que sofrer o dano para ir reclamar. A gente quer resolver isso de maneira proativa. Mas, a gente tem dúvida, sim. Vários países em desenvolvimento estão olhando essa lei com cuidado”, disse Pimentel.
Os representantes do governo também apontaram reflexos negativos dessa lei nas negociações em torno do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.
O polêmico regulamento incide sobre madeira, soja, carne bovina, cacau, café, óleo de palma, borracha e derivados. Para entrar na Europa a partir do fim do próximo ano, essas commodities deverão passar por verificações (due diligence) que afastem o risco de elas terem sido produzidas em áreas de desmatamento legal ou ilegal.
Entre as punições previstas estão suspensão das importações, apreensão ou destruição de produtos e multa de até 4% do faturamento anual da operadora. A lei europeia considera floresta qualquer área com 10% de cobertura de árvores de até 5 metros de altura.
O diretor do Departamento de Políticas de Controle do Desmatamento e Queimadas do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Raoni Rajão, destacou que o texto engloba áreas de todos os biomas brasileiros, e não apenas Amazônia e Mata Atlântica. Raoni também se queixou que os europeus, altamente dependentes de combustíveis fósseis, desconsideram os esforços do Brasil na transição para o desmatamento ilegal zero até 2030.
“Entendemos que está sendo incorreto o processo imposto no Brasil. Como diz a ministra Marina Silva, é como se o Brasil falasse que não compra nada de nenhum país que queima carvão”, declarou.
Segundo ele, a maioria absoluta dos produtores brasileiros atende todos os requisitos da regulação europeia, mas o problema é a comprovação. “A inação pode causar prejuízos sobretudo aos pequenos e médios produtores sem acesso a certificações privadas de alto custo”, explicou.
O embaixador da União Europeia no Brasil, o espanhol Ignacio Ybáñez, garantiu que a lei tem foco no combate à degradação florestal e que o Brasil pode transformá-la em “vantagem competitiva”. Ybáñes também disse que os europeus não temem eventual recurso à OMC.
“Não é uma legislação comercial. É uma legislação de caráter meramente ambiental. Se algum país levar essa questão à Organização Mundial de Comércio, nós estamos muito confiantes quanto a esse ponto de vista. Já é uma legislação na Europa, portanto, não há elemento para eu chegar aqui e dizer: vamos negociar. Mas existe um caminho de diálogo diante dessa grande transformação, que foi a chegada do presidente Lula firmando o compromisso do governo contra o desmatamento e com aposta clara a favor do combate às mudanças climáticas”, afirmou.
Ignacio Ybáñes informou que Indonésia e Malásia já formaram um grupo de trabalho com a União Europeia a fim de buscar a transição para as novas regras. Segundo ele, há entendimento com a ministra Marina Silva nesse mesmo sentido.
Ele acrescentou que o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM) e os sistemas de rastreabilidade de produtos que começam a ser implantados em alguns estados podem ser trunfos para o Brasil.
Quanto ao acordo comercial Mercosul-UE, o embaixador disse ser “oportunidade para variados setores agrícolas e industriais do Brasil no mercado internacional”.
Já a secretária de Inovação do Ministério da Agricultura, Renata Miranda, disse que a lei antidesmatamento da União Europeia enfraquece os organismos multilaterais. Ela também criticou os subsídios europeus a produtos agrícolas locais.
O presidente da Comissão de Indústria e Comércio, deputado Heitor Schuch (PSB-RS), criticou a legislação europeia. “Queríamos que a União Europeia entendesse a complexidade da nossa legislação ambiental. Eu fico imaginando como deve ser fácil fazer uma lei lá para nós cumprirmos aqui. E eu não me conformo muito com isso”, afirmou.
A audiência também contou com representantes das confederações nacionais da Indústria (CNI) e da Agricultura (CNA), que enfatizaram os riscos de prejuízo para o Brasil diante da nova lei europeia.
O gerente de Recursos Naturais da CNI, Mário Cardoso, também manifestou preocupação com outro ponto da lei europeia: em até dois anos após a entrada em vigor, a Comissão Europeia vai avaliar a inclusão de outras mercadorias e produtos derivados, outros ecossistemas e instituições financeiras no regulamento.
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