Pesquisa subsidia o Zoneamento Ecológico Econômico do Acre
Estudos realizados pela Embrapa e outras instituições geraram dados para a elaboração do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) em estados da Amazônia. No Acre, a terceira versão da ferramenta, lançada recentemente, atualiza informações sobre os recursos naturais, economia e populações do estado e evidencia mudanças ocorridas na última década. A partir das alterações observadas nos diferentes contextos, define novas diretrizes para o desenvolvimento local que consideram as potencialidades e fragilidades ambientais do território.
O ZEE é um instrumento da Política Nacional de Meio Ambiente, criada para subsidiar a tomada de decisões e apoiar a elaboração de políticas públicas, planos, programas e projetos, convergentes com diretrizes de planejamento para a ocupação territorial e desenvolvimento sustentável. Aprovado pelo Conselho Estadual do Zoneamento Ecológico Econômico, Conselho de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia, Conselho Florestal e Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável, o novo ZEE do Acre deverá ser implementado até 2023.
O pesquisador Eufran Amaral, da Embrapa Acre, coordenador de diversos estudos para o ZEE do estado, explica que as análises detalhadas de dados georreferenciados permitiram melhorar a caracterização das zonas e subzonas de gestão do território e estabelecer novas áreas destinadas à produção, denominadas Unidades Básicas de Manejo. Os estudos também ajudaram a redefinir critérios sustentáveis para os negócios florestais em execução e iniciativas na agricultura, pecuária e outros segmentos produtivos.
“Buscamos incorporar à nova base de dados atividades produtivas mais compatíveis com a realidade ambiental do Acre e inserir temáticas que possibilitam uma visão ampliada do território e informações úteis para a tomada de decisão por gestores públicos e de diferentes setores da sociedade. Em termos práticos, o ZEE representa um mapa do futuro, que indica o que deve ser feito em cada porção do território, de acordo com suas características e aptidões”, destaca.
Segundo Paola Daniel, secretária de Meio Ambiente e Políticas Indígenas do Acre, por seu caráter dinâmico, o ZEE acompanha as transformações do território e possibilita os ajustes necessários para viabilizar o uso planejado dos espaços geográficos e uma economia de base sustentável para o estado. “A partir da interação entre elementos de diferentes contextos territoriais, a ferramenta concilia desenvolvimento econômico, conservação ambiental e inclusão social e oferece caminhos para fortalecer as principais cadeias de valor do Acre”, afirma a gestora.
Foco no agronegócio
O novo Mapa de Subsídios à Gestão Ambiental e Territorial do Acre, gerado a partir da revisão e consolidação de dados fundiários, socioeconômicos e sobre os recursos naturais disponíveis, revelou, entre outras questões, que a cobertura florestal do estado reduziu de 92% para 85%, em dez anos. Com base nesse diagnóstico, o novo ZEE propôs novas diretrizes para o desenvolvimento sustentável do setor produtivo, incluindo o uso de sistemas de produção integrada e o aproveitamento de áreas desmatadas para fortalecer o agronegócio e a economia acreana.
“Por meio de estudos de aptidão agrícola, identificamos grandes extensões de áreas abertas, em diferentes localidades do estado, que podem ser incorporadas aos sistemas agrícolas para intensificar o cultivo de grãos e consolidar uma produção de baixo carbono. O ZEE mostrou que o Acre dispõe de solos em abundância, aptos para diferentes culturas, e essa informação, sistematizada e disponibilizada por meio dessa ferramenta, proporciona segurança para novos investimentos na produção agrícola”, enfatiza Amaral.
De acordo com as pesquisas, os municípios de Plácido de Castro, Senador Guiomar, Acrelândia e Capixaba concentram áreas com condições prioritárias para o cultivo de milho e soja (foto acima), culturas com potencial para desenvolver o agronegócio local. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam uma tendência de expansão dessas culturas no estado e indicam que, na última década, a produção de milho aumentou 28% e a produtividade dos plantios subiu 36%. Já a soja, que teve os primeiros cultivos implantados em 2017, contabiliza um aumento de 7 mil por cento na produção, em apenas três anos. A produtividade na cultura, de 60 sacas por hectare, se equipara à média nacional de 59 sacas por hectare.
Produção sustentável
Conforme os estudos de aptidão agrícola, desenvolvidos no âmbito do ZEE do Acre, cerca de 380 mil hectares de pastagens degradadas ou em processo de degradação podem ser convertidos para outros sistemas produtivos. A integração lavoura-pecuária (ILP), com cultivos de milho e soja intercalados com gramíneas, está entre as estratégias para viabilizar a produção agropecuária sustentável no estado.
Segundo o pesquisador Judson Valentim, integrante da Comissão Estadual do Zoneamento Ecológico Econômico (CEZEE), além de recuperar pastagens degradadas, esse modelo de produção permite intensificar as atividades produtivas, uma vez que proporciona três safras consecutivas no ano (uma de soja, outra de milho e o boi safrinha), em uma mesma área, com mais renda para o produtor rural e benefícios para o meio ambiente. “O valor bruto da produção pecuária em um hectare de pastagem é 700 reais por ano. Em sistema integrado, com rotação de lavouras de soja, milho e gramíneas, esse valor sobe para 16 mil reais anuais por hectare, sem abrir novas áreas de floresta”, ressalta.
Outra alternativa para incremento do agronegócio no Acre são os Sistemas Agroflorestais (SAFs), tecnologia que otimiza o uso da terra, com diferentes cultivos na mesma área, e gera renda de forma escalonada. Pesquisas da Embrapa Acre validaram arranjos tanto para a agricultura familiar como para a produção em larga escala. A lista de culturas identificadas pelo ZEE com aptidão para compor esses sistemas, em diversos municípios, inclui café, banana, feijão e açaí, dentre outras espécies agrícolas e florestais.
“O uso dessas e outras tecnologias sustentáveis em áreas alteradas também pode contribuir para a adequação legal de propriedades rurais familiares, em relação a passivos ambientais, e para o cumprimento de metas de redução de desmatamento assumidas pelo estado e de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) relativos ao enfrentamento às mudanças climáticas e seus efeitos no planeta, propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU). “Por meio da prestação de serviços ambientais, com foco no mercado de crédito de carbono, o desmatamento evitado pode ser quantificado e convertido em renda para as famílias rurais, com reflexos positivos na economia local”, diz Amaral.
Lastro científico é histórico
De acordo com a legislação, a base de dados do Zoneamento Ecológico Econômico deve ser revisada e atualizada a cada dez anos. A Embrapa apoia os estados da Amazônia e de outras regiões brasileiras nesse processo, por meio de estudos científicos em diferentes eixos temáticos. No Acre, uma equipe multidisciplinar de pesquisadores atua no levantamento de informações sobre o território desde a primeira edição do ZEE, lançada em 2001.
Na fase inicial, a pesquisa mensurou os recursos florestais do estado. Na segunda etapa, concluída em 2007, a Empresa coordenou os estudos sobre recursos naturais e gerou novas informações sobre solos, vegetação e uso da terra. Essas pesquisas desenvolvidas contribuíram para consolidar o ZEE do Acre como lei.
Entre 2019 e 2021, na fase III, as demandas envolveram estudos complementares para indicação de novas formas de uso do território na agricultura familiar, pecuária, extrativismo e outras atividades econômicas, além de revisão de critérios metodológicos utilizados na atualização da ferramenta.
A parceria com a pesquisa possibilitou, entre outros resultados, o Zoneamento Pedoclimático e Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) para culturas relevantes para a economia do Acre. “Essas ferramentas orientam sobre o que plantar e onde cultivar, recomendam práticas agrícolas adequadas e indicam as melhores épocas para plantio, conhecimento que reduz riscos nas atividades produtivas e contribui para tornar mais eficiente a gestão territorial”, destaca Amaral.
Para Taiguara Alencar, diretor de projetos da Agência de Cooperação Alemã (GIZ), instituição não governamental que também apoia a construção do ZEE do Acre, ter a pesquisa como âncora nesse processo impulsionou o avanço do conhecimento em temas relevantes para a região. “Por ser fruto de processo coletivo, que envolve a participação de gestores públicos, representantes do setor produtivo, instituições de ensino e pesquisa, dentre outros segmentos, o ZEE também se constitui como instrumento de negociação e atendimento de demandas sociais. Esse lastro científico confere credibilidade à ferramenta”, completa.
Dados integrados
O Zoneamento Ecológico Econômico apoia, ainda, as ações de controle e regulação da ocupação territorial. Para facilitar esse processo, na fase III, o ZEE do Acre foi integrado a outros mecanismos de gestão ambiental e produtiva do estado, incluindo o Plano Estadual de Prevenção e Combate ao Desmatamento e Queimadas (PPCDQ), o Inventário de Gases de Efeito Estufa (IGEE) e o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que também tiveram suas bases de dados revisadas e atualizadas. Além disso, o novo Código Florestal Brasileiro, instrumento que regulamenta o uso e conservação de recursos florestais, foi incorporado à base do Mapa de Gestão Territorial do estado.
“A integração de distintas políticas públicas evita ações setorizadas e ajuda a conferir maior eficácia às decisões institucionais, além de garantir segurança jurídica e ambiental aos imóveis rurais e às atividades produtivas, em conformidade com a legislação ambiental vigente. Entre outros ganhos, essa vinculação facilita o monitoramento de processos de recuperação e recomposição de passivos ambientais, tarefa considerada um desafio para os órgãos de meio ambiente”, afirma Paola Daniel.
Macrozoneamento na Amazônia
O acesso a informações territoriais integradas também é estratégico para uma gestão regional mais eficiente. Desde 2019, o Consórcio Interestadual da Amazônia Legal atua para integrar os ZEEs dos estados amazônicos. Coordenado pelo governo do Acre, o projeto conta com a parceria das Unidades da Embrapa do Acre, Amapá e Roraima e outras instituições, e busca soluções conjuntas para problemas comuns aos estados, incluindo o desmatamento ilegal.
O Sistema Interativo de Análise Geoespacial da Amazônia Legal (Siageo Amazônia) é um dos resultados práticos desse trabalho coletivo. Desenvolvido pela Embrapa Agricultura Digital (SP), em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, governos dos estados da Amazônia Legal e Embrapa Amazônia Oriental (PA), a plataforma digital integra dados geoespaciais produzidos nas diversas iniciativas de Zoneamento Ecológico Econômico da região amazônica. Os materiais disponibilizados incluem um conjunto de mapas sobre gestão, solos, geologia, cobertura vegetal, uso da terra, áreas protegidas e outros aspectos dos territórios estaduais.
Na opinião de Eugênio Pantoja, diretor de políticas públicas e desenvolvimento territorial do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), órgão responsável pela construção da modelagem e estudos temáticos na terceira fase do ZEE do Acre, a consolidação dos ZEEs na Amazônia é essencial para reduzir a ocupação ilegal, a degradação do meio ambiente e seus impactos sobre as populações tradicionais da região. Com a integração das bases de dados estaduais, instituições públicas e privadas poderão atuar de forma estruturada e mais assertiva para a conservação da Amazônia e crescimento da economia regional”, enfatiza.
Amaral acredita que esse compartilhamento de informações permitirá uma gestão planejada na região; entretanto, para concretizar o Macrozoneamento da Amazônia Legal, ainda há um longo caminho a percorrer. “Precisamos avançar na melhoria das bases cartográficas, na disponibilidade de dados legais e documentais dos estados e em outras ações estratégicas para o processo”, avalia o pesquisador.
Metodologia multiescalar
A terceira versão do ZEE do Acre foi atualizada com base em uma metodologia que permite analisar dados territoriais em diferentes escalas (cartográfica, geográfica e de ação humana). Pantoja explica que essa abordagem multiescalar possibilitou avançar no detalhamento de informações para programas estruturantes e de ordenamento territorial do estado.
“Realizamos desde análises individuais, como na atualização do Cadastro Ambiental Rural (CAR), no qual o processo analítico é feito por imóvel, portanto em escala menor, até análises de caráter mais abrangente, como aquelas envolvendo dados fundiários, para os etnozoneamento e planos de gestão de recursos hídricos, realizadas em escala maior. Como resultado, construímos um Mapa de Gestão Territorial consolidado em escala única (1:250.000 – um para duzentos e cinquenta mil), porém, com uma base de informações multiescalar”, conclui o gestor.
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