Conheça os segredos dos cinco novos municípios que superaram R$ 1 bilhão em VBP
Nos programas televisivos de perguntas e respostas que oferecem prêmios milionários, para conquistá-los é preciso estratégia, conhecimento e, principalmente, sorte para que os temas sejam de domínio do participante. Já no meio rural paranaense, ano a ano, uma lista de municípios coloca suas produções à prova em uma “competição” que mede as riquezas por meio do índice Valor Bruto de Produção (VBP). Até 2019, nove cidades paranaenses compunham um grupo seleto que rompia a marca de R$ 1 bilhão de faturamento. Em 2020, mais cinco entraram para o clube em que, diferentemente do que ocorre nas atrações televisionadas, a sorte tem uma importância menor.
Os novos integrantes do clube do bilhão do VBP em 2020 são Tibagi, Carambeí e Piraí do Sul, na região dos Campos Gerais, e Nova Aurora e São Miguel do Iguaçu, no Oeste do Estado (veja mais abaixo). Eles se juntaram a Toledo, Cascavel, VBP Castro, Guarapuava, Marechal Cândido Rondon, Santa Helena, Assis Chateaubriand, Dois Vizinhos e Palotina.
“Nas últimas décadas, o trabalho realizado, com participação direta do Sistema FAEP/SENAR-PR, em relação a sanidade permitiu o reconhecimento do Paraná como área livre de febre aftosa sem vacinação e a abertura de novos mercados. Muitos destes municípios [da lista dos bilionários] têm a pecuária forte e, certamente, isso ajudou para o salto do VBP”, destaca o presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR, Ágide Meneguette.
Lideranças rurais dessas localidades, que ajudam a orquestrar o arranjo produtivo dos recém-chegados ao clube, apontam os motivos para o sucesso, como organização sindical, investimento constante em infraestrutura para o escoamento eficiente das riquezas rurais, qualificação constante de produtores e trabalhadores rurais, diversificação das cadeias produtivas e, claro, uma mãozinha de São Pedro para ter chuva na medida e na hora certas.
Em Tibagi, o grande trunfo para o VBP bilionário está na diversificação. Com o segundo maior território do Paraná, os tibagienses se destacam na produção de soja, trigo, milho, suínos e leite, mas possuem uma cadeia produtiva complexa. Segundo o secretário de Agricultura local, Agerico Anibal Carneiro, com um perfil agropecuário consolidado, o desafio agora é desenvolver cadeias menores. “Temos trabalhado com cadeias produtivas alternativas, como fruticultura, olericultura, reflorestamento e piscicultura”, revela.
Na mesma região, em Carambeí, o carro-chefe é a pecuária leiteira. Esta, porém, está longe de ser uma cadeia monopolista. Ao contrário, uma série de outras atividades é puxada por ela. Para o presidente do sindicato rural do município, Ricardo Wolter, há um crescimento contínuo no local e uma sinergia entre agricultura e pecuária. E o segredo para isso é a organização dos produtores, principalmente na promoção da capacitação contínua. “O cooperativismo na nossa região faz com que o produtor tenha condições de crescimento, financeiras e técnicas”, resume. “Nesse sentido, a parceria com o sindicato rural é crucial. Hoje, praticamente todos os produtores e trabalhadores são treinados e uma parcela significativa por meio dos cursos do SENAR-PR”, completa Wolter.
Completando o trio de novos bilionários dos Campos Gerais, Piraí do Sul aparece como um dos destaques do VBP de 2020. O presidente do sindicato rural local, Emerson Luis da Cruz, compartilha algo crucial no desenvolvimento do município nas últimas décadas: a entrada de uma nova geração nas propriedades, com mais acesso à escolaridade e facilidade com novas tecnologias. “É perceptível que à medida em que os produtores que hoje têm seus 30, 40 anos passaram a comandar os negócios, pegaram terras já bem trabalhadas, se cooperaram, buscaram conhecimento e as propriedades começaram a andar por conta própria. Aquele êxodo que você notava de propriedades se esvaziando não existe mais. Agora você passa pelas casas e vê internet, carros bons e casas boas. Essas famílias não saem mais do campo”, enfatiza Cruz.
Bilionários do Oeste
Em São Miguel do Iguaçu, no Oeste do Paraná, o VBP ultrapassou a casa de R$ 1 bilhão principalmente por causa da criação de aves e suínos. A sinergia com a agricultura, que apresenta crescentes índices de produtividade, também ajuda a entender esse sucesso. “Nosso município é praticamente 100% agricultável. Nossa maior arrecadação vem do campo e, quando esse vai bem, beneficia a todos. Quando falha uma chuva já se reflete no comércio, o povo segura o dinheiro no bolso. Todo mundo vive praticamente do que vem da agricultura”, analisa Marcelo Alexandre, secretário de Agricultura de São Miguel do Iguaçu.
Outro município que ultrapassou a casa do bilhão em arrecadação foi Nova Aurora. O município, no entanto, em termos reais, teve estabilidade em seu VBP. Ao contrário do que aconteceu nas outras quatro cidades, a agropecuária nova-aurorense teve uma leve queda no VBP (-0,4%) considerando a variação real (descontando a inflação). Isso ocorreu porque os preços das principais commodities agrícolas tiveram altas históricas e refletiram nas cotações de praticamente todos os produtos agropecuários.
Mesmo assim, São Miguel do Iguaçu, Carambeí, Piraí do Sul e Tibagi tiveram crescimentos superiores a essa oscilação e expansão real para ultrapassar o VBP de R$ 1 bilhão.
O técnico do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR, Luiz Eliezer Ferreira, enfatiza que o forte crescimento do VBP em 2020 não foi somente baseado em elevação de preços. “É possível identificar ganhos de produtividade e aumento dos abates em diversas culturas. A soja e o milho foram os carros-chefes, junto com silagem de milho, que são insumos para produção de carnes. A combinação desses fatores fez com que mais cinco municípios ultrapassassem a casa de R$ 1 bilhão”, resume Ferreira. “Aliado a isso, os produtores fizeram a lição de casa, produziram bem, com ganhos de produtividade e aumento nos abates de animais, com investimentos pelas agroindústrias em ampliação e novas plantas frigoríficas”, complementa.
Cenário econômico
O faturamento da produção agropecuária no Estado do Paraná totalizou R$ 128,35 bilhões em 2020, valor 21% superior ao registrado em 2019 em termos reais. É preciso lembrar que as condições climáticas da safra 2018/19 tinham causado quebras consideráveis, o que não ocorreu em 2019/20 (período captado pelo VBP 2020). Além disso, o ano de 2020 teve a influência significativa do cenário nebuloso da pandemia. No primeiro quadrimestre, o consumo despencou com os primeiros lockdowns (fechamento de estabelecimentos do comércio e serviços). Posteriormente, houve uma retomada da demanda por alimentos, com impactos nos preços principalmente de óleos vegetais e cereais.
De acordo com relatório do Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (Seab) do Paraná, no Brasil, em 2020, a alta dos alimentos no geral foi de 14,09%, segundo dados do Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) – o maior volume desde 2002 (19,47%). Os produtos com maiores altas no ano passado no mercado interno foram óleo de soja (103,79%) e arroz (76,01%). As exportações paranaenses, por sua vez, aumentaram de volume, de 4% em valor e 9% em volume, atingindo 13,3 bilhões de dólares e 28,8 milhões de toneladas.
O setor pecuário gerou 50% do VBP, com R$ 63,7 bilhões de renda, um crescimento real de 21% ante 2019, puxado principalmente pela alta nas cotações dos produtos da bovinocultura, gerando um efeito em cadeia em todas as proteínas, dos suínos e aves até leite e ovos. Já o VBP da agricultura, que corresponde a 47% do total, atingiu R$ 60,4 bilhões, 24% a mais que o levantamento anterior. Esse incremento ocorreu principalmente pelo maior faturamento com a soja e o efeito da valorização do seu preço em outras culturas. Os produtos florestais, por sua vez, tiveram 3% de participação no VBP, somando R$ 4,3 bilhões, redução de 10%.
Para ilustrar o que aconteceu com os preços no mercado internacional, que tiveram um efeito importante nas altas de VBP em 2020, Ferreira usa a imagem de um quebra-cabeça. “Uma peça grande desse quebra-cabeça foi a taxa de câmbio. Vimos uma apreciação muito forte do dólar. As commodities agrícolas, no geral, são muito sensíveis à variação do câmbio. A valorização das commodities no mercado internacional é outra importante variável. E as condições de oferta e demanda em importantes países produtores, somado ao cenário de incertezas da pandemia, deram o tom altista dos preços”, explica o técnico do DTE do Sistema FAEP/SENAR-PR.
Teremos novos bilionários em 2021?
Larissa Nahirny Alves, coordenadora de estatística do Deral, vê com cautela os futuros resultados do VBP 2021. O cenário de aumento de preços em vários segmentos ao mesmo tempo de forma tão intensa é incomum, e teve um reflexo direto da pandemia do coronavírus. “O ano de 2020 foi, de longe, o período que teve mais acontecimentos fora da curva nos últimos anos. Isso impactou e ainda impacta a economia como um todo. Esse cenário deve ainda se refletir bastante em 2021”, avisa.
Para o próximo ano já está confirmada uma queda de 16% na produção de grãos, de 41,2 milhões de toneladas para 34,4 milhões. Ainda assim, no caso da soja, Larissa calcula que com 91% da produção de 19,8 milhões de toneladas já comercializada, o VBP 2021 deverá ser próximo a R$ 50 bilhões, um aumento de R$ 20 bilhões em relação a 2020.
Na pecuária, a coordenadora de estatística aponta que o abate de aves no primeiro trimestre de 2021 registrou acréscimo de 2% em relação aos três meses de 2020. O abate de suínos teve elevação de 8% no mesmo período de referência. No acumulado do ano, os preços médios permanecem em ascensão: suínos (22%), frango (35%), boi gordo (39%) e vaca de corte (42%). “Considerando todos os fatores elencados, a perspectiva é de que o VBP 2021 registre novamente expansão e resultados recordes”, projeta.
Nos últimos meses, o que preocupa os brasileiros é o efeito em cadeia de itens fundamentais para o funcionamento da economia. E essa pulga atrás da orelha também afeta em cheio a competitividade do campo. Por isso, Larissa alerta: “Um dos principais pontos que precisamos observar em relação às projeções é a pressão significativa nos custos de produção que estamos tendo esse ano, com altas na energia elétrica, combustíveis e outros itens fundamentais na produção agropecuária”, finaliza.
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