A agenda mudou, por Roberto Padovani

Publicado em 21/07/2021 10:31
Conhecidas as principais características do cenário de 2021, o segundo semestre deverá ter como foco as incertezas de 2022. Roberto Padovani é economista-chefe do Banco BV

Encerrado o primeiro semestre do ano, o cenário para a economia brasileira é conhecido e dificilmente trará grandes mudanças. Justamente por isso, as atenções devem se voltar agora para os desafios de 2022, o que abre espaço para muita instabilidade financeira.

Apesar da oscilação de humor entre os dois primeiros trimestres do ano, a história para a economia brasileira em 2021 deverá ser marcada pelo avanço da vacinação, pela forte expansão global, acompanhada pela alta de preços de commodities, e por juros reais historicamente baixos.

Com isso, mesmo com fragilidade na renda, afastou-se o medo de um segundo mergulho recessivo e os números fiscais e de contas externas foram favorecidos. Por outro lado, a inflação mostrou alta relevante, fazendo com que os juros passassem a convergir mais rapidamente para seu patamar neutro.

Apesar de este quadro ser bastante positivo relativamente ao que se imaginava há poucos meses, ele já é bem conhecido. Dificilmente variáveis como crescimento, inflação, contas públicas e o balanço de pagamentos irão apresentar uma dinâmica muito diferente pelos próximos meses.

É natural, por isso, que as atenções no segundo semestre comecem a se voltar para outros temas. O problema é que o ambiente continua sendo atipicamente instável e fonte de surpresas contínuas. A pandemia tem trazido desdobramentos econômicos, financeiros e político não antecipáveis. Além das novas ondas de contágios, houve em 2020 uma inédita paralisia global, intensos estímulos globais, uma retomada surpreendente e a volta da inflação com desequilíbrios setoriais e choques sucessivos.

Mas além destas incertezas difusas, há três riscos concretos e bem conhecidos à frente. O primeiro deles, por ordem cronológica, é a atual crise hídrica. Ainda que a matriz energética brasileira seja hoje mais integrada e diversificada que em 2001, o tema deverá ganhar visibilidade pública e política ao longo dos próximos meses.

Isso porque o governo deverá comunicar de modo mais claro suas estratégias, desestimulando o consumo de água e luz. Da mesma forma, o fato de o sistema operar no limite implicará apagões localizados. Não menos importante, as dúvidas em relação ao regime de chuvas continuam elevadas e já são fontes de preocupações para o período úmido que se inicia em novembro.

O segundo e mais importante risco é a política monetária nos Estados Unidos. Como a economia caminha rapidamente para o potencial e as projeções de inflação estão acima da meta, o processo de normalização de juros é um evento certo. Cresce também a avaliação, inclusive dentro do próprio Federal Reserve, de que o processo de alta de juros poderá começar ainda em 2022, o que implica mudar a estratégia de aumento de liquidez no início do próximo ano e comunicar esta política a partir do último trimestre de 2021.

O problema, no entanto, é que os preços de ativos mostram informação oposta, potencializando os riscos. Apesar de a comunicação da autoridade monetária ser clara e as indicações dos diretores do banco central serem compatíveis com juros de 10 anos dos títulos públicos norte-americanos próximos a 1,80%, os mercados operam com taxas ao redor de 1,20%. Não se descarta, portanto, uma correção de preços à frente, reforçando um quadro de preocupação com a acomodação do crescimento global e instabilidades nos mercados emergentes.

Por fim, a eleição presidencial no Brasil não tem sido uma preocupação entre os analistas, postura que se justifica por este ser um evento distante e que deverá sofrer ainda alterações. Apesar disso, três características deverão acompanhar a corrida eleitoral.

A primeira é que parece muito pouco provável a viabilização de uma terceira via, tornando a eleição polarizada e competitiva. Esta informação já reduz a qualidade do conjunto de informações disponíveis, justificando prêmios de risco mais elevados. Além disso, o debate econômico que irá acompanhar a campanha deverá tratar de temas como mudanças de regras fiscais, expansão dos gastos do governo e programas de privatização. Não será um debate neutro para um país com dívida pública elevada. Por último, uma eleição apertada irá manter as dúvidas em relação à força do próximo governo para avançar em reformas importantes.

É provável que estes três temas, crise hídrica, juros norte-americanos e eleições no Brasil estejam na agenda a partir de agosto/setembro, quando os políticos locais voltam do recesso, os investidores globais retornam das férias e os economistas locais se debruçam sobre os cenários de 2022.

O comportamento dos mercados financeiros nas últimas semanas pode ser um sinal do desconforto que esta combinação de eventos causa entre os investidores. A bolsa brasileira não tem acompanhado o desempenho do mercado externo, o câmbio mostra dificuldade em convergir para seus fundamentos e os mercados de juros futuros seguem pressionados em função das dúvidas sobre o nível neutro de juros e a intensidade necessária de correção da política monetária. A mudança do semestre, portanto, parece estar sendo acompanhada também por uma mudança de agenda nos mercados.

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Roberto Padovani

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