Mercado de açúcar: "Aqui e Agora", por Arnaldo Luiz Correa
Um estudo de economia geralmente revela que a melhor
época para se comprar qualquer coisa foi no ano passado.”
O mercado futuro de açúcar encerrou a sexta-feira cotado a 11.52 centavos de dólar por libra-peso, uma queda de quase doze dólares por tonelada em relação à semana anterior. O real, por sua vez, compensou a queda, se desvalorizando 2.80 % na semana e fechando perto de R$ 5.4600 por dólar. Os preços em reais por tonelada (linearmente) para 20/21, 21/22 e 22/23 fecharam a R$ 1,480, R$ 1,496 e R$ 1,480, respectivamente.
O mercado físico de açúcar deu uma arrefecida, com os prêmios para embarque julho encolhendo rapidamente. O congestionamento no porto também diminui de intensidade e a entrega volumosa que todos esperavam para o julho não vai mais acontecer.
Quero crer que, muito embora estamos apenas no início do ano safra, dificilmente o Brasil vai exportar o volume que muita gente apostava para este período (números que vão de 26 a 30 milhões de toneladas de açúcar). Mas, quem vai exportar mais, ou pelo menos indica que o fará, é a Índia. O país aumentou em 8% a área destinada à cana. Além do mais, menor arrecadação dos governos indiano e tailandês pelo encolhimento da atividade econômica entre 5.3-5.8 % para este ano, deve tornar o subsidio governamental uma conta mais difícil de fechar em um ciclo de maior produção e menor consumo.
O cenário macro se deteriorou mais nessa sexta-feira. A semana fechou em vermelho para o mercado de energia, gasolina (RBOB) caindo 10%, gás natural mais de 7%, etanol de milho 6.5%, petróleo 4%.
O hidratado negociou ao equivalente a R$ 1,6300 por litro posto Usina sem impostos, que corresponde aproximadamente ao açúcar em NY a 9.60 centavos de dólar por libra-peso, ou seja, um desconto de 192 pontos. Por que, então, se ouve no mercado tanta gente preocupada em diminuir o mix de açúcar, que hoje proporciona mais de 200 reais por tonelada equivalente acima do hidratado, para eventualmente produzir etanol e tentar ganhar com uma eventual subida de preço do combustível no final do ano? Sistema KISS neles.
Quanto vale um CBio?
O cérebro humano está programado para buscar padrões nas condições de risco. Quando uma ameaça de qualquer natureza ocorre, nosso cérebro avalia os riscos e vai buscar nos arquivos da memória os padrões armazenados que coincidem com aquela situação que se apresenta naquele instante.
Quando o quadro é de completa incerteza, o sistema nervoso fica superativado trabalhando em enorme estresse em busca de uma resposta para lutar ou fugir. É como a velha história dos dois amigos que caminhavam juntos pela floresta e se deparam com um leão. Um deles imediatamente calça um tênis de corrida que levava na mochila ao que o amigo, espantado com a reação, observa: “Você não espera correr mais do que o leão com esse tênis, não é?”. “Claro que não, eu só preciso correr mais do que você”, responde. O instinto de sobrevivência prevalece em situações extremamente estressantes.
Como diria um respeitado veterano do mercado de commodities, hoje em seu escritório na deliciosa costa oeste americana ao lado de Napa Valley, “vivemos um momento de incerteza épica”. A conjunção de más notícias concentradas de uma só vez, se fizessem parte do enredo de um filme de ficção científica dirigido por Spielberg, nos faria sair do cinema rindo do absurdo de tão inverossímil trama. Confesso que eu acreditava piamente nas palavras do professor israelense de História, Yuval Noah Harari, autor do best-seller “Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã”, em que ele afirma que o mundo nunca mais passaria por guerras, fome e pestes. Errou feio, lamentavelmente. Mas, nos conscientiza que vivemos um tempo de necessária reprogramação completa.
Estamos todos nos reprogramando embora sem ter a menor ideia do que teremos pela frente. Admitir que não sabe é um exercício complicado e muitas vezes custoso. Há duas décadas tive um colega de trabalho, diretor da Bolsa como eu na época, que é uma das pessoas mais inteligentes que conheci, de raciocínio cartesiano e dotado de grande criatividade financeira. Ele tinha o hábito de dizer “não sei” quando efetivamente não sabia.
Na sociedade de hoje, impulsionada pelas mídias sociais que deram voz a uma horda de idiotas, todo mundo virou especialista e ninguém profere “não sei”. É espantoso como todo mundo (acha que) sabe tudo sobre qualquer assunto. Há alguns anos, um jornalista do agronegócio confessou a um colega que não me entrevistaria mais em seu programa para falar sobre o mercado porque ao ser inquirido sobre determinado assunto atrevi-me a dizer “eu não sei”. Faz parte do show.
Somos bombardeados diariamente por uma série de questões cuja resposta, parafraseando Taleb, estão imiscuídas com previsões binárias, apostas ou crenças. Quanto vale um CBio? Para onde vai o dólar? Já vimos a baixa do petróleo? O Trump vai ser reeleito? Quantas toneladas de açúcar serão entregues no vencimento de julho? O que vai acontecer com a economia pós-covid? Sua aposta é tão boa como a de qualquer pessoa.
Contaminado por esse ambiente hostil, o processo decisório na vida corporativa é muitas vezes atropelado pelas demandas improrrogáveis. Kahneman já provou que em muitas ocasiões tomamos decisões irracionais disfarçadas de toda a racionalidade. Raros são os executivos, no entanto, que admitem isso. Mas, qual a saída?
Penso que temos que trabalhar com o aqui e agora. No nosso mercado de açúcar/etanol são tantas as intercorrências nessa enorme malha que é inevitável o ruído na tomada de decisão. O exercício de futurologia que precisamos fazer para, por exemplo, estimar a demanda do hidratado no final do ano e quanto vai estar o preço lá, é desgastante.
O covid-19 intensificou o número de alternâncias tornando a decisão um processo extremamente ingrato para o executivo. A ordem é simplificar. Devemos recorrer àquele principio que surgiu na marinha americana nos anos 1960 que afirma que a maioria dos sistemas funciona melhor se forem mantidos simples em vez de complicados. O sistema KISS (Keep it simples, stupid!)
O que temos agora de concreto e simples é que fixar preços de venda de açúcar (para esta safra e para as próximas) aos níveis atuais parece oferecer limitado risco de ser um mau negócio. Os ingredientes dessa receita indigesta se ampliam cada vez mais: real desvalorizado; mais açúcar a ser produzido pelo Brasil, a Índia falando claramente em produção de 32 milhões de toneladas de açúcar para a safra 20/21 que se inicia em outubro; o Fundo Monetário Internacional preparando previsões mais angustiantes (4.9% de retração no mundo e 9.1% para o Brasil) para aquela que será a maior recessão mundial dos últimos 100 anos, tendo inclusive sugerido aos países que implementem estímulos fiscais, pois a recuperação em 2021 será mais lenta do que esperado; e, para encurtar a extensa lista, o enorme buraco sem fim provocado pela deterioração do consumo de açúcar e de combustível em nível global. Isso posto, por que não fixar açúcar, então? Qual pode ser a lógica por trás dessa negação?
Um bom final de semana a todos.
Arnaldo Luiz Corrêa
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