Fernando Gabeira: Hora de usar a cabeça (populismo de esquerda e a incompetência nos levaram ao fundo do poço")

Publicado em 20/10/2016 19:16
Não foi apenas a corrupção que nos levou ao fundo do poço. Foram também o populismo de esquerda e a formidável incompetência brasileira

Publicado no Globo

Ao som do tiroteio no morro Pavão-Pavãozinho, reflito sobre o momento político cujo ponto alto na semana foi a votação da PEC que estabelece um teto para os gastos do estado. Sempre houve tiroteio por aqui. Na primeira viagem que fiz ao Haiti ouvi tiros à noite. Pensei: estão fazendo tudo para me sentir em casa. E dormi em paz. Mas o tiroteio dessa semana parece marcar o fim de uma época e o começo de tempos bem mais difíceis. A ruína do projeto do PMDB no Rio acabou levando consigo algo que o sustentava, eleitoralmente: a política de segurança.

Tempos difíceis pela frente. A decisão de criar um teto para os gastos é correta. No entanto, há argumentos da oposição que merecem um exame. Acompanhei os debates e concordo com a tese de que a demanda com saúde e educação deve aumentar nos próximos anos. Como encará-las com recursos decrescentes?

Alguns setores da esquerda propõem questionar a dívida pública. Acredito que isso apenas vai nos levar a uma crise maior. Todos os caminhos da esquerda radical nos farão cruzar a fronteira com a Venezuela e nos fundir com o fracasso bolivariano.

O acerto de determinar um teto pode ser problemático adiante, se o governo se contentar com isso. Não me refiro apenas à reforma da previdência como um rumo de continuidade. Não teremos recursos para atender às demandas. O que fazer? O governo afirma que o dinheiro virá com o crescimento econômico, mais investimento, empregos e, consequentemente, mais arrecadação. Isso leva algum tempo. No meu entender, em vez de simplesmente sentir-se vitorioso com a votação do teto, o governo deveria preparar um choque de gestão. É a única maneira de fazer com que a escassez não torne mais difícil a vida das pessoas vulneráveis.

Por onde começar? Nem todo o aparato do governo é irremediavelmente incompetente. Existem algumas ilhas de excelência que deveriam ser estudadas, não para que sejam universalizadas artificialmente, mas como fonte de inspiração. Eu faria algumas perguntas simples. Por que a rede Sarah de hospitais funciona? O que é possível aprender com ela e aplicar em outros setores da saúde? Por que funciona a distribuição de água durante a longa seca no Nordeste, organizada pelo Exército Brasileiro? O que é possível aprender da experiência?

O choque da gestão é tão ou mais importante do que acabar com a roubalheira. O cenário que o governo nos apresenta deve ser avaliado com calma para que não surjam falsas expectativas. O governo quer fazer crescer a economia para voltar a gastar. E possivelmente a roubar, porque uma grande parte dele esteve associada ao PT no assalto aos cofres públicos. Portanto a questão é essa: como voltar a crescer de forma sustentável, em termos econômicos, e, ao mesmo tempo, evitar a roubalheira?

A corrupção está sendo combatida pela Lava-Jato e outras operações. As medidas para combatê-las, com o aval de mais de dois milhões de eleitores, estão na mesa dos parlamentares para serem transformadas em lei. Mas o problema da eficácia passa ao largo das considerações políticas. O próprio Congresso é um exemplo de desperdício. Inúmeras vezes defendi a tese de que a redução de mais da metade dos gastos não influenciaria o resultado do trabalho. Sei que pode parecer mesquinho o que vou dizer. Mas o próprio processo de articulação política para reduzir os gastos foi dispendioso. O presidente ofereceu almoço e jantar para quase 300 parlamentares. Ninguém pensou em pagar a própria comida porque, afinal, estavam todos salvando a pátria. É esse raciocínio que dificulta a reforma. O trabalho de todos é importante, poucos se dispõem a buscar uma racionalidade que os tire da zona de conforto.

Os brasileiros, sobretudo os mais pobres, serão de alguma forma tocados pelas medidas de austeridade. Não creio que apenas o crescimento econômico resolverá, magicamente, os problemas acumulados. Será preciso domar o monstro irracional que se tornou o estado brasileiro. Há quem ache que defender os mais vulneráveis se resume a pedir mais dinheiro. De um modo geral, são as pessoas cujos salários e benefícios dependem de mais verba. O desafio agora é gastar bem, fazer com que cada centavo tenha o maior efeito benéfico na vida das pessoas.

A esquerda que caiu não está preparada para essa nova fase. Ela não só acha que os salvadores da pátria merecem comida grátis. Ela acha que os defensores dos pobres podem encher a cueca de dólares. Muito se fala do buraco em que a esquerda se meteu. Acabaram os partidos? Não importa. As ideias de que as pessoas mais vulneráveis têm de ser consideradas não desaparecem. Acabam ressurgindo no próprio bloco dominante.

Não foi apenas a corrupção que nos levou ao fundo do poço. Foram também o populismo de esquerda e a formidável incompetência brasileira. Suas características mais patéticas se expressam na engrenagem do estado. Não sei até que ponto o próprio mundo das empresas foi contaminado e isso virou um traço nacional.

A racionalidade não se obtém em jantares e almoços no palácio. Tem de ser um pão nosso de cada dia.

Editorial do Estadão: Lula quer desmoralizar o Brasil

O herói faz agora o papel de vítima e é assim que doravante se apresentará na grande encenação para o público, daqui e do exterior, na qual o pérfido antagonista é a Justiça brasileira. Réu até agora em três processos que resultaram de investigações sobre corrupção – e na falta de sólidos argumentos de defesa –, Lula da Silva está armando um espetáculo circense para mostrar aos desavisados que o Mal cooptou a Justiça, que se empenha na missão abjeta de condenar um inocente, o homem “mais honesto do Brasil”, punindo-o pelo crime de governar para os pobres.

A politização dos processos judiciais em que Lula está envolvido como réu ou apenas investigado faz parte da estratégia concebida pelo lulopetismo, com a assessoria de uma chusma de advogados, para desviar a atenção da opinião pública das fortes evidências de envolvimento do ex-presidente da República e sua família numa série de episódios suspeitos nos quais se teriam beneficiado de tráfico de influência, de recebimento de vantagens materiais e financeiras indevidas ou pura e simplesmente de propina. Essa estratégia envolve também a tentativa de envolvimento dos brasileiros que ainda apoiam o ex-presidente num clima emocional alimentado por fantasiosas notícias sobre a iminente prisão de Lula. Na última segunda-feira, por exemplo, algumas dezenas de pessoas, munidas de farto material de propaganda impresso, postaram-se diante do apartamento de Lula em São Bernardo para uma “vigília cívica” contra a “ameaça iminente” da prisão do ex-presidente.

No dia seguinte, a Folha de S.Paulo publicou artigo assinado por Lula com o sugestivo título Por que querem me condenar. Começa por afirmar que, desde que ingressou na vida pública sua vida pessoal foi “permanentemente vasculhada”, mas “jamais encontraram um ato desonesto de minha parte”. Acrescenta: “Não posso me calar, porém, diante dos abusos cometidos por agentes do Estado que usam a lei como instrumento de perseguição política”. E explica: “Não é o Lula que pretendem condenar: é o projeto político que represento junto com milhões de brasileiros”. E conclui, dramaticamente: “O que me preocupa, e a todos os democratas, são as contínuas violações ao Estado de Direito”.

Os advogados de Lula, que tentaram em vão, várias vezes, contestar a autoridade e isenção dos magistrados responsáveis por processo em que o ex-presidente está envolvido, voltaram à carga interpelando o desembargador Gebran Neto, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, relator dos recursos da Lava Jato, a quem acusam de ter “amizade íntima” com o juiz Sergio Moro. Segundo o ex-ministro Gilberto Carvalho, fiel escudeiro de Lula, essa nova iniciativa obedece “à ordem de não ficar calado”, num processo permanente de “questionamento” de tudo o que já foi ou vier a ser levantado contra Lula.

A até recentemente bem-sucedida trajetória política de Lula foi alavancada pelo marketing. E é com o marketing que ele pretende sair da grossa enrascada em que se meteu. Sem ter elementos concretos e convincentes de defesa, apresenta-se como vítima dos “inimigos do povo”.

Os acontecimentos desta semana revelam, portanto, que se pode esperar daqui para a frente a intensificação e maior contundência da contraofensiva lulista nas áreas judicial e popular. Pode até haver quem entenda que a prisão de Lula poderia favorecer a “causa”, na medida em que criaria uma “enorme comoção nacional” manipulável em benefício dos “interesses populares”. Quem conhece bem o ex-presidente sabe que esse tipo de sacrifício jamais lhe passaria pela cabeça. É claro, portanto, que a estratégia lulista contempla também a necessidade de manter formadores de opinião e detentores do poder considerados confiáveis no exterior providos de argumentos políticos que sejam úteis para a eventualidade de que se torne premente a necessidade de preservar a liberdade de Lula. Ou seja, condenado aqui, procuraria refúgio em regime amigo, apresentando-se, assim, como exilado político.

O homem está disposto a pagar qualquer preço por todas essas precauções. Inclusive o de tentar desmoralizar a Justiça e de apresentar o Brasil, aos olhos da opinião pública mundial, como uma reles ditadura. Mas esse ato de desespero lhe será cobrado pela consciência cívica do País.

Moro: contra corrupto profissional, o vigor da lei (JOSIAS DE SOUZA)

Sergio Moro fez uma palestra para magistrados e servidores da Justiça do Paraná nesta quinta-feira, um dia depois da prisão de Eduardo Cunha. Falou sobre um tema que ele mesmo sugeriu: ''Corrupção sistêmica e Justiça criminal''. Sem mencionar o nome do ex-mandarim da Câmara, o juiz da Lava Jato referiu-se claramente ao novo hóspede do sistema carcerário de Curitiba.

Moro disse que há no Brasil um cenário de ''corrupção sistêmica''. Para combater a roubalheira generalizada, sugere a ''aplicação vigorosa da lei''. A certa altura, declarou: ''Nossos processos não podem ser um faz de conta.''

Mencionou os casos em que a corrupção se torna uma prática ''serial, profissional e reiterada'' —os mesmos termos que havia anotado na ordem de prisão de Eduardo Cunha. Ensinou: “Quando a regra do jogo é a corrupção, não admitir o risco de reiteração criminosa [um dos fundamentos para a prisão preventiva] me parece incorreto.''

Para o juiz da Lava Jato, em matéria de combate à corrupção, o Brasil se encontra ''numa encruzilhada''. Dirigindo-se ao pedaço da plateia que veste toga, Moro fez algo muito parecido com uma conclamação: ''Que tenhamos sensibilidade para as necessidades do contexto. E isso significa, a meu ver, uma aplicação rigorosa da lei em relação à corrupção sistêmica.''

Inócuo, recurso ao STF expõe Dilma ao ridículo (JOSIAS DE SOUZA)

Ao indeferir o pedido de cancelamento do impeachment, o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, escancarou a excentricidade da iniciativa. José Eduardo Cardoso, o advogado de Dilma Rousseff, gastou 481 páginas para expor um argumento que caberia em quatro linhas. Em 38 folhas, Teori demonstrou que o doutor prolonga inutilmente o suplício de sua cliente, expondo ao ridículo uma senhora que já está perfeitamente adaptada à rotina de cuidadora dos netos.

A tese de Cardozo é conhecidíssima. Para ele, Dilma foi arrancada da Presidência da República num processo espúrio, sem que o Congresso conseguisse comprovar que ela cometeu crime de responsabilidade, como exige o texto constitucional. Por isso, caberia ao Supremo anular a decisão, devolvendo Dilma ao trono. Teori respondeu que não é papel da Corte meter o bedelho numa decisão que a Constituição atribui ao Poder Legislativo. A menos que houvesse uma ameaça às instituições ou à própria democracia —coisa clara como água de bica.

Considerando-se que Cardozo não conseguiu demonstrar na sua peça de quase 500 folhas que há “risco às instituições republicanas, ao estado democrático de direito ou à ordem constitucional”, Teori não hesitou em indeferir o pedido de liminar. Anotou que, enquanto a impugnação do impeachment é uma tese “controversa”, os efeitos de uma eventual anulação do processo seriam indubitáveis.

“…Dúvidas não há sobre as avassaladoras consequências que uma intervenção judicial volúvel poderia gerar no ambiente institucional do país, que atravessa momentos já tão dramáticos do seu destino coletivo”, escreveu Teori no seu despacho. “Seriam também enormes as implicações para a credibilidade das instituições brasileiras no cenário mundial promover, mais uma vez – e agora por via judicial – alteração substantiva e brusca no comando da nação.”

Teori requisitou informações ao Senado e deve submeter o recurso de Dilma ao plenário do Supremo. Não há data para que isso ocorra. Se tivesse algum juízo, Dilma pediria licença aos netos e dedicaria o próximo final de semana à leitura das 38 páginas escritas pelo ministro do Supremo (está disponível aqui). Na segunda-feira, Dilma telefonaria para o doutor Cardozo, ordenaria a retirada do recurso e sairia de fininho.

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Fonte:
Blog Augusto Nunes (veja.com.br)

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