"Nem heróis, nem redentores, nem salvadores da pátria", por JUAN ÁRIAS (EL PAÍS)

Publicado em 03/04/2016 18:11
Brasil ainda pode oferecer uma solução à crise se consegue juntar pedaços de sensatez e de ideias não viciadas pela paixão

Um perigo ronda o Brasil, submerso em uma crise que a cada hora se revela mais profunda e sem que apareça no horizonte uma saída que possa aglutinar toda a sociedade sem que esta se deixe arrastar pela violência verbal e até física.

O perigo é que se deposite a esperança de superação da crise na chegada milagrosa, como um presente dos deuses, de um herói, um redentor ou um salvador da pátria, que de forma mágica devolva ao país o que lhe foi roubado por um mau Governo e pela corrupção sem precedentes históricos.

A preocupação de muitos cidadãos desejosos de que a crise seja superada sem maiores rupturas é que não surge no horizonte ninguém capaz de realizar esse milagre.

E se essa ausência de um feiticeiro da política fosse a maior garantia de que a crise se resolva do modo mais democrático e moderno?

Há quem não aposte na divisão, nas guerras, nem no “nós contra eles”, e menos ainda em pirotecnias incendiárias ou em manobras gattopardescas nas quais tudo muda para continuar igual.

São ainda milhões os que preferem a sensatez, o diálogo, a busca por soluções realistas, não fantasiosas. São eles os que rechaçam a política da revanche, que acaba arrastando para o pior.

O novo vocábulo “sensatez”, oposto de insensatez, começa a aparecer, temeroso, na boca de quem prefere pensar numa solução viável da crise, que implique limar arestas, juntar ideias distintas, dialogar até a exaustão.

De pouco serve para a solução de um drama lançar pedras contra os personagens. Sempre foi assim que se engendraram as guerras.

A solução das crises só aparece quando os diferentes são capazes de se sentar à mesa para procurarem juntos soluções possíveis, não milagrosas. Não existem atalhos para resolver uma crise política ou econômica. As mágicas só funcionam nos palcos da diversão.

Fariam mal os cidadãos de qualquer coloração política se ficassem à espera de um redentor. A política das grandes democracias não funciona assim. Isso é fruto dos populismos pseudorreligiosos.

O Brasil tem hoje, paradoxalmente, a oportunidade de dar ao mundo um exemplo de como se pode superar uma crise juntando as partes de sensatez que ainda existem.

O “são todos iguais”, ou seja, ladrões e corruptos, leva indevidamente à busca do santo, do mago, do salvador capaz de tirar o país do poço onde se encontra afundado.

O Brasil ainda pode ser capaz de oferecer uma solução à crise se conseguir juntar esses pedaços de sensatez e de ideias não viciadas pela paixão, que coloquem novamente o país no caminho de uma democracia mais forte, já que ele ainda conta com instituições que estão funcionando em liberdade. Se conseguir, estará dando um exemplo de maturidade democrática ao continente e ao mundo.

Antecipar, pelo contrário, por um ou outro lado, que qualquer que seja a solução da crise de Governo, venha o que vier depois, não terá como governar é não só confessar a incapacidade do sistema, como também o anúncio de um suicídio.

Se de fato é grave a responsabilidade de quem engendrou a crise que atormenta o Brasil, pior é a daqueles que, como profetas e justiceiros, já anunciam o “não passarão”, que se traduz em um “não os deixaremos governar em paz”.

A História nunca perdoa quem aposta pelos extremos.Hoje, no mundo, existe melhor qualidade de vida, menos injustiças sociais e menos pobreza onde se governa a partir do centro, com o máximo de consenso e com a maior participação dos cidadãos na gestão e no controle de quem exerce o poder.

Sem necessidade de heróis, magos nem redentores que acabam poluindo e desvirtuando a democracia e reduzindo as liberdades.

 

Não haverá impeachment, por RUTH DE AQUINO, da revista ÉPOCA

O jogo interno de traições no PMDB, com seu imenso apetite pelo poder, não permitirá a queda de Dilma

Tudo leva a crer que não haverá 342 votos na Câmara a favor do impedimento da presidente Dilma Rousseff.  E, se por acaso houver, o impeachment não passará no Senado. Não será por falta de crimes de responsabilidade de Dilma. Sobram crimes da presidente que justifiquem sua renúncia ou sua queda. Crimes contra a economia popular, contra as finanças, contra a imagem do país, contra o meio ambiente, contra os desfavorecidos urbanos e rurais, contra os pobres e a classe média, contra crianças, jovens e velhos, contra os doentes, contra sua própria palavra, contra a ética e a moral. Não haverá impeachment não por falta de crimes de Dilma, mas porque não há uma Oposição legítima e forte.

O jogo interno de traições no PMDB, o partido mais fisiologista de nossa República e com imenso apetite pelo Poder, não permitirá a queda de Dilma. Os seis ministros peemedebistas que não tinham saído até esta coluna ser escrita provavelmente não deixarão a boquinha máxima do governo. Por que deixariam mesmo? Por amor ao vice eleito e reeleito na chapa de Dilma? Entre a liderança da Câmara e a do Senado, é evidente que os ministros preferem ficar abraçadinhos com Renan e seus privilégios.

O PMDB descobre que Michel Temer é muito menor do que imaginava ao olhar para o espelho e engomar a figura, a gravata e os cabelos. Que entre ele, vice decorativo por excelência, e o presidente do Senado, Renan Calheiros, as hostes peemedebistas do primeiro time ficarão com quem exerce poder real. Os dominós continuam em pé, tanto os do PMDB quanto os dos partidos menores. Os nanicos, gatos borralheiros jamais convidados ao baile do Palácio, sonham com dias de Cinderela ao ler sobre as exonerações nos escalões mais baixos.

Cobra criada por José Sarney e aliado de Dilma e Lula, Renan deu uma bronca pública no PMDB de Temer pelo desembarque do governo petista, festejado por aclamação na terça-feira. “Essa reunião do PMDB foi, sem dúvida, precipitada. (...) Em bom português, não foi um bom movimento, um movimento inteligente.”

Renan classificou a ala Temer do PMDB de radical e antidemocrática, por “não defender o interesse nacional, nem valores como a democracia, a liberdade, a governabilidade”. Forte, não? “Eu acho que, se esse processo chegar ao Senado, e espero que não chegue, nós vamos juntamente com o Supremo Tribunal Federal decidir o calendário. A Constituição prevê que esse julgamento aconteça em até seis meses”, afirmou. A mensagem de Renan é: não haverá impeachment.

Em 2007, Renan conseguiu se safar por poucos votos de uma cassação, acusado de pagar a amante e a filha com ajuda de um lobista e da construtora Mendes Júnior. Agradeceu a São Judas Tadeu, o “santo das causas impossíveis”. “Venceu a democracia”, disse Renan, que depois renunciou à presidência do Senado para não ser cassado. Ele simboliza a sobrevivência do político servil ao Poder.

Meu Deus do céu! A voz que ecoou no país foi a do ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, em palestra para estudantes de economia. “A política morreu. Porque nós temos um sistema político que não tem o mínimo de legitimidade democrática. (...) Ele deu uma centralidade imensa ao dinheiro e à necessidade de financiamento. E se tornou um espaço de corrupção generalizada. (...) Quando o jornal exibia que o PMDB desembarcou do governo e mostrava as pessoas que se erguiam as mãos, eu disse: Meu Deus do céu! Essa é nossa alternativa de poder. (...) Não tem para onde correr.”

A foto sorridente do réu e presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e do vice-presidente do PMDB e também réu, Romero Jucá, de mãos juntas e erguidas, é a bandeira mais eficaz dos petistas. Como explicar gritos de mudança ao ver Temer acenando como se não tivesse compactuado com as pedaladas fiscais de Dilma? Deixemos a hipocrisia para os fracos. Porque de vergonha já estamos cobertos, com o varejão de pastas e a liquidação de cargos no Estado para Dilma conseguir votos contra o impeachment.

Não haverá impeachment, apesar de a grande maioria da população não querer mais Dilma e se sentir traída. Não haverá impeachment, apesar da fala precisa da advogada Janaina Paschoal, a mais contundente contra Dilma.

“Não é questão de elite ou não elite”, afirmou Janaina, citando atos e números para destruir a fantasia de que as manobras fiscais de Dilma não passariam de tecnicalidade. Mentiras, fraudes, desvios da verba pública, superfaturamentos, malfeitos, operações ilegais de crédito. “Há casos de chorar”, disse Janaina. “Prefeitos já perderam o mandato por atos muito menos graves que os de Dilma Rousseff.”

Apesar de todos os crimes de responsabilidade, apesar de você, amanhã ainda teremos Dilma. Depois de amanhã, também.

 

Lula 3, a revanche

Por VINICIUS TORRES FREIRE,  da FOLHA DE S. PAULO

É possível que Dilma Rousseff não venha a ser deposta em maio. Assim, o Planalto voltou a pensar em um plano de governo conduzido por Lula. A frase é ambígua de propósito. Plano ou governo conduzido por Lula? Qual plano?

Depende, claro, de Dilma. O comportamento da presidente é previsivelmente errático. Ela se retrai e se abre a conselhos nas agonias; reincorpora Dilma ela mesma nos enganos das calmarias. A depender da opinião de ministros do palácio, todos agora lulistas por boniteza ou precisão, convicção ou necessidade, Lula deveria assumir o plano de governo pelo menos até que a situação "se estabilize", meses depois de uma derrota do impeachment.

Segundo lulistas do Planalto, Lula viria a propor um "pacto de governabilidade e reconciliação", um plano que tivesse o mesmo efeito de uma "Carta ao Povo Brasileiro", mas desta vez capaz de apelar tanto às "bases de esquerda" quanto a empresários e "parte da direita".

A "Carta", como se recorda, foi o documento que o candidato Lula lançou em junho de 2002 a fim de tranquilizar os donos do dinheiro grosso, manifesto com o qual subscreveu a política econômica implementada desde o governo FHC 2, aliás abandonada por Dilma 1.

Qual a substância dessa "repactuação", como a coisa vem sendo chamada por lulistas do Planalto? Névoa, por ora. Seria algo na linha de reiterar o compromisso com a estabilidade econômica (controle de gastos, dívida e inflação) com um programa de emergência para que o país volte a "gerar emprego e renda". Bidu.

Não importa muito o cargo que Lula assumiria. Mais relevante seria recompor a coalizão no Congresso e a afinação de Lula com a presidente.

O primeiro passo da formação da "nova base aliada" já está sendo dado, dizem os planaltinos.

Para começar, Lula está "virando" votos contra o impeachment, fato que, aliás, era confirmado na sexta-feira até pelo quartel-general de Michel Temer. Além do mais, os planaltinos parecem animados com as declarações de Renan Calheiros a respeito do teatro do desembarque peemedebista do governo. Acham que "um pedaço bom" do PMDB volta para Dilma-Lula mesmo antes da eleição municipal. Acham que só mesmo o PTB está perdido. "O resto está vindo."

Calheiros chamou o desembarque de "pouco inteligente", além de afirmar que, "seja qual for o cenário", não acredita que o PMDB "vá liderar uma corrente de oposição no Parlamento". Calheiros, recorde-se, está cada vez mais sitiado pela Lava Jato.

A conversa dos lulistas planaltinos recomeça, pois, no ponto em que foi afogada pela pororoca da divulgação dos grampos, no dia 16 de março. Sob Lula 3 não haveria nem "virada à esquerda" nem "saída pela direita", mas "reconciliação". Henrique Meirelles volta? Nessa confusão, não é possível pensar em nomes. Primeiro, é preciso "repactuar" e "estabilizar o país".

Essa "repactuação" envolve colocar algum cabresto no Ministério Público e na Polícia Federal? "Claro que não", óbvio, respondem. Mas é preciso haver "disciplina" e "novos normativos" para preservar o Estado de Direito, dizem os planaltinos, ressaltando que essa é uma preocupação geral, inclusive "do pessoal de Michel Temer". 

 

Melhor perder

Por VALDO CRUZ, da FOLHA

BRASÍLIA - Ganhar pode ser o pior destino. Talvez seja melhor perder, tentar virar esta triste página da nossa história e sairmos como vítimas deste processo que, se perdurar, vai nos destruir por completo.

A reflexão é compartilhada não apenas por um, mas vários petistas, que temem o dia seguinte a uma eventual vitória na votação do pedido de impeachment da presidente Dilma na Câmara dos Deputados.

Num cenário de delações em curso e com previsões devastadoras para o governo e PT, agravado por uma crise econômica que só piora, ganhar a votação na Câmara pode ser o passo final rumo ao precipício.

Sem falar que, para escapar da degola, Dilma sepultou as medidas amargas para arrumar a economia e promete mundos e fundos aos movimentos sociais. Vencendo, não terá como quitar tal dívida ""como fez depois da campanha eleitoral.

Daí que perder pode ser melhor negócio, literalmente. Sair posando de vítima de um golpe, de um impeachment sem crime caracterizado e deixar para Michel Temer o desgaste de consertar a economia.

Talvez seja melhor, avaliam petistas, ganhar as ruas em vez da votação do impeachment. Poder atacar um governo Temer, acusando-o de mexer na aposentadoria, de tirar direitos trabalhistas e promover um forte ajuste fiscal. Medidas inadiáveis se o país quiser sair da crise.

Só que o vento começou a mudar com o varejão dos cargos federais e algo antes visto como impossível, barrar o impeachment, já passou ao campo das possibilidades.

Aí, entra outro grupo de petistas, que defende, superada a guerra do impedimento, a convocação de eleições gerais no país como saída para a crise. Dilma Rousseff faria o gesto em nome da unidade nacional.

Amigos da presidente duvidam, porém, que ela abrace a ideia e pode repetir o erro de sempre. Crer que tudo pode após ganhar uma batalha e, depois, acordar tarde demais para a realidade: seu tempo acabou.

 

Contra o direito e a razão, editorial do ESTADÃO

Para salvar o mandato, a presidente Dilma Rousseff e os operadores que agem em seu nome, mormente o chefão Luiz Inácio Lula da Silva, acionaram as engrenagens do Estado, que a petista ainda institucionalmente controla, para comprar o apoio do baixíssimo clero da Câmara. Nem é preciso enfatizar o óbvio – que, ao usar a máquina pública não para atender aos interesses do conjunto da população, que a sustenta na forma de impostos, mas apenas para satisfazer apetites fisiológicos e fazer gorar um processo de impeachment, Dilma e sua trupe revelam sua verdadeira vocação antidemocrática.

 

 

O problema é que, como resultado dessa infame manobra, Dilma pode, contrariando o direito e a razão, conseguir os votos necessários para barrar sua destituição – afinal, de um Congresso dominado pelo vale-tudo, que tem em seu comando políticos sobre os quais pairam sólidas acusações de corrupção e que é constituído por vários partidos que deram apoio ao governo em troca de participação no butim da Petrobrás, pode-se esperar qualquer coisa. Assim, é preciso alertar que, na tenebrosa hipótese de Dilma triunfar, o País passará os próximos dois anos entregue a uma administração que somente existirá porque, sem alternativa viável graças à sua inépcia crônica, assumiu compromissos com o rebotalho do Congresso, abrindo-lhe espaços nobres no Ministério e aviltando de forma inédita o exercício da Presidência. Isso não é alarmismo vão.

 

O perfil do governo Dilma, caso a presidente escape do impeachment, já está sendo traçado nos subterrâneos da Câmara. No momento em que o País afunda no descontrole das contas públicas e nos sucessivos erros de gestão, fruto do voluntarismo tatibitate de Dilma e de sua reconhecida incompetência, a administração será entregue não a pessoas capazes de colocar a casa em ordem, mas a apaniguados indicados por partidos de aluguel, cujos donos foram cooptados na bacia das almas, na base do puro e simples toma lá dá cá.

 

Muitos dirão, com razão, que o governo de Dilma Rousseff já não era exatamente um modelo de meritocracia. Graças à proverbial inabilidade política da presidente, ela e seus desastrados auxiliares se viram obrigados a fazer acordos com a segunda divisão do PMDB, entregando cargos importantes, como o Ministério da Saúde, a políticos sem nenhum preparo para tamanho desafio. Tudo porque essa turma poderia, em tese, garantir a Dilma preciosos votos contra o impeachment.

 

Agora, no entanto, o que se vê não tem paralelo na história política nacional. Dilma está sendo obrigada, por seus erros e sua infinita arrogância, a franquear o governo a partidos como PHS, PTN, PSL e PT do B, cuja representatividade é praticamente nula – só dispõem de algumas cadeiras na Câmara graças ao esdrúxulo sistema político brasileiro. Além disso, Dilma deverá aumentar o espaço de PP e PR, partidos que protagonizaram diversos escândalos em seu primeiro mandato, quando ela procedeu a uma efêmera “faxina” de ministros indicados por essas legendas.

 

Mas os tempos de “faxina ética” definitivamente ficaram para trás. Agora, não é mais necessário fingir respeito ou dignidade. A ordem é salvar a presidente, mesmo que isso transforme o Planalto em um monturo. O problema é que, uma vez vitoriosa, Dilma terá de governar com essa equipe de desqualificados e, principalmente, com minoria no Congresso.

 

A presidente, sustentada apenas por oportunistas e por chefes de “movimentos sociais” transformados em milícias, não terá nenhuma condição de aprovar o que quer que seja no Congresso – entre outras razões porque ela já decidiu que aqueles que não a apoiam são “golpistas”. O País ficará paralisado.

 

Considerando-se que mais de 80% dos brasileiros desaprovam o governo de Dilma, e a maioria também já se manifestou claramente a favor do impeachment, ninguém em seu juízo perfeito pode esperar que haja paz e tranquilidade no dia seguinte a uma eventual vitória da presidente no processo que pede sua destituição. Ao contrário: o previsível sentimento de decepção que tomará o País fará do Palácio do Planalto uma cidadela moralmente sitiada, dentro da qual Dilma, com seus aliados de ocasião e seu raivoso exército de adversários da democracia, exercerá um triste papel – o de presidente sem o respeito do povo.

 

Dilma silencia sobre trecho do pedido de impeachment que menciona Lava Jato, POR JOSIAS DE SOUZA (UOL)

O pedido de impeachment que corre contra Dilma Rousseff na Câmara possui 64 páginas. A íntegra pode ser lida aqui. Nas primeiras 11 folhas, a peça associa a presidente à roubalheira ocorrida na Petrobras. Ao se defender em público, Dilma menciona apenas as acusações relacionadas às chamadas pedaladas fiscais. Por conveniência ou falta de argumentos, ignora o pedaço da denúncia que a vincula ao petrolão.

Subscrito pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior, além da advogada Janaína Paschoal, o documento sustenta que a Lava Jato já trouxe à luz fatos que incriminam Dilma. Na semana passada, depois que ministros do STF disseram que impeachment não é golpe, a presidente refinou seus argumentos. Admitiu o óbvio: o impeachment é uma ferramenta prevista na Constituição. Mas acrescentou: “sem crime de responsabilidade é, sim, golpe.”

Pois bem. Os autores do pedido de impeachment afirmam que o que já foi apurado na Lava Jato é suficiente para a deflagração do processo que visa afastar Dilma da Presidência, Sustentam que “a conduta omissa da denunciada [Dilma], relativa aos desmandos na Petrobras, restou mais do que comprovada, implicando a prática de crime de responsabilidade nos termos do artigo 9, itens 3 e 7” da lei 1.079/50.

O artigo 9º da lei é o que enumera “os crimes de responsabilidade contra a probidade na administração.” O item 3 enquadra como conduta criminosa “não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição.” O item 7 informa que também é crime “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.”

Os denunciantes anotam que, em cada uma de suas diversas fases, a Lava Jato engolfa “pessoas próximas à presidente, desconstruindo a aura de profissional competente e ilibada, criada por marqueteiros muito bem pagos.” Acrescentam que “a máscara da competência fora primeiramente arranhada no episódio envolvendo a compra da Refinaria de Pasadena”, que resultou em prejuízos superiores a R$ 700 milhões pela a Petrobras.”

O texto recorda que, embora fosse presidente do Conselho de Administração da Petrobras, Dilma eximiu-se de responsabilidade alegando que havia se guiado por um parecer técnica e juricamente falho. Na época, “ninguém teve a audácia de desconfiar da probidade da presidente”, dizem Bicudo, Reale e Janaína. “Mas, como se diz popularmente, Pasadena foi apenas a ponta do ‘iceberg’, pois a Operação Lava Jato realizou verdadeira devassa em todos os negócios feitos pela Petrobras…”, hoje uma estatal em situação precária, “completamente descapitalizada e desacreditada, inclusive internacionalmente.”

Já nas primeiras delações premiadas, feitas pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e pelo doleiro Alberto Yousseff, verificou-se um descalabro que levou o ministro Gilmar Mendes, do STF, a dizer que, comparado à Lava Jato, “o mensalão se transformou em feito passível de ser julgado por Juizado de Pequenas Causas.”

O documento realça um detalhe revelador sobre a proximidade de Dilma com um dos delatores: “Vale destacar que Paulo Roberto Costa era pessoa muito próxima à presidente da República, ao lado de quem posou para várias fotografias em eventos públicos, tendo sido convidado para o casamento da filha da presidente, em cerimônia bastante reservada.”

Evocando um trecho de depoimento prestado à força-tarefa da Lava Jato em outubro de 2014, o texto diz que o doleiro “Alberto Youssef asseverou que, dentre outras autoridades, a presidente da República tinha ciência do que acontecia na Petrobrás.” Mais: “Em 25 de agosto do ano corrente [2015], Youssef reafirmou que Lula e Dilma sabiam do esquema de propinas, na Petrobras.”

Durante a campanha presidencial de 2014, Dilma “negou que a situação da Petrobrás, seja sob o ponto de vista moral, seja sob o ponto de vista econômico, era muito grave”, escrevem os autores da denúncia. Fez isso mesmo depois das prisões de grão-petistas como o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, mesmo “diante de fortes indícios de que muitas irregularidades haviam sido praticadas.”

Durante a campanha, prossegue a denúncia, Dilma “insistiu na estapafúrdia tese de que as denúncias seriam uma espécie de golpe, mera tentativa de fragilizar a Petrobras, sempre destacando sua expertise na área de economia e de energia, ou seja, a presidente dava sua palavra acerca da higidez da empresa! Vale lembrar que a presidente da Petrobras [Graça Foster] deixou o cargo apenas em fevereiro de 2015, quando a situação já era insustentável, no segundo mandato, portanto.”

A certa altura, como que antevendo o retorno do padrinho político de Dilma à boca do palco, os autores do pedido de impeachment escrevem que o quadro revelado pela Lava Jato “é ainda pior”. Por quê? A operação “jogou luz sobre a promíscua relação havida entre o ex-presidente Lula e a maior empreiteira envolvida no escândalo [Odecrecht], cujo presidente já está preso, há um bom tempo.”

O texto se refere a Lula como “verdadeiro operador da empreiteira, intermediando seus negócios junto a órgãos públicos, em troca de pagamentos milionários por supostas palestras, dentre outras vantagens econômicas.” Relembra que, em julho de 2015, a Procuradoria da República iniciou, em Brasília, “investigação pela suposta prática de tráfico de influência, por parte do ex-presidente Lula, a fim de apurar favorecimento ao grupo Odebrecht, no exterior.”

“Os contornos de crime de responsabilidade ficam mais salientes, quando se verifica que Lula é muito mais do que um ex-presidente, mas alguém que, segundo a própria denunciada [Dilma], lhe é indissociável e nunca saiu do poder”, anota o pedido de impeachment. “De fato, antes de o candidato do PT para a eleição de 2014 estar definido, quando perguntada acerca da possibilidade de o ex-presidente voltar, a atual presidente respondeu que ele (Lula) não iria voltar porque nunca havia saído, frisando que ambos seriam indissociáveis.”

O documento faz referência ao relatório que o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) elaborou sobre Lula. O órgão, vinculado ao Ministério da Fazenda, atestou que Lula recebera “quase R$ 30 milhões, boa parte de empresas que contratam com o governo federal, por supostas palestras.” E Dilma, em vez de mandar investigar “os estranhos recebimentos, mandou apurar o vazamento da informação, em mais um sinal de que está disposta a tudo para proteger seu antecessor.”

Embora tenha sido protocolado em 15 de outubro do ano passado, o pedido de impeachment contém trechos que, por premonitórios, mantiveram-se atuais como se tivessem sido redigidos ontem. Menciona “a constante defesa” que Dilma faz de Lula. Mais: “…objetivando lhe conferir certa imunidade, estuda elevá-lo à condição de ministro. Elevar à condição de ministro quem pode ter funcionado como operador da empreiteira que desfalcou a Petrobrás?! A imprensa nacional, inclusive, noticia que a presidente Dilma já passou o governo ao ex-presidente Lula, em uma espécie de terceiro mandato! Um acinte!”

O texto lança no ar uma interrogação: “Independentemente de qualquer antecipação de juízo sobre culpa, estando o presidente da Odebrecht preso, sendo fato notório que Lula lhe prestava assessoria nos contratos firmados e mantidos com o poder público, não seria caso, no mínimo, de a presidente Dilma Rousseff afastar-se, ao menos institucionalmente, de seu antecessor?”

Os autores da petição do impeachment se insurgem contra a tese segunda a qual nada há na praça que incrimine Dilma. “Os escândalos que se sucedem, de há muito, passam próximos a ela, não sendo possível falar em mera coincidência, ou falta de sorte. A presidente da República faz parte desse plano de poder. E os poderes constituídos precisam, nos termos da Constituição Federal, agir.”

O texto joga na fogueira uma personagem notória: Erenice Guerra, que foi a número 2 de Dilma na Casa Civil da Presidência, substituindo-a no posto quando a pupila de Lula saiu do governo para candidatar-se à Presidência, em 2010. “Não é exagero lembrar que, quando ainda era ministra da Casa Civil, a presidente tinha como seu braço forte a ex-ministra Erenice Guerra, que sempre se encontra em situações questionáveis, sendo certo que, mais recentemente, envolveu-se na Operação Zelotes, referente à corrupção no Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita Federal].”

A denúncia prossegue: “Como de costume, seja com relação a Erenice Guerra, seja com relação a Graça Foster, seja com relação a Nestor Cerveró, ou Jorge Zelada, a presidente agiu como se nada soubesse, como se nada tivesse ocorrido, mantendo seus assistentes intocáveis e operantes na máquina de poder instituída, à revelia da lei e da Constituição Federal.”

Pior: “Para espanto de todos, Edinho Silva, tesoureiro da campanha da presidente, apontado como receptor de quase R$ 14 milhões, é mantido no governo, no importante cargo de Ministro de Comunicação Social [da Presidência da República].

Para Bicudo, Reale e Janaína “a tese do suposto desconhecimento se mostra insustentável. Fosse um único fato, até se poderia admitir tratar-se de um descuido, ou coincidência; porém, estando-se diante de uma verdadeira continuidade delitiva, impossível crer que a presidente da República não soubesse o que estava passando a sua volta. E os crimes se estenderam a 2015, ou seja, invadiram o segundo mandato!”

A despeito da acidez desse pedaço do pedido de impeachment, Dilma não se anima a defender-se. Limita-se a falar sobre “pedaladas fiscais”. Afirma que, se pedalar o Orçamento da União fosse crime, todos os seus antecessores deveriam estar em cana. Líder do PSDB no Senado, o tucano Cássio Cunha Lima diz que, perto do que Dilma fez com o Orçamento da União, Fernando Henrique Cardoso “pedalou um velocípede''.

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