Na FOLHA: Governo faz 'varejão' de ministérios que estavam com o PMDB

Publicado em 31/03/2016 03:33
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Um dia após o rompimento do PMDB com o governo, a equipe da presidente Dilma Rousseff passou a oferecer ministérios que estão nas mãos de peemedebistas para partidos como o PP e o PR, na tentativa de conseguir votos nessas legendas e barrar a abertura de um processo de impeachment na Câmara.

Ao PP o governo ofereceu o Ministério da Saúde, hoje sob o comando de Marcelo Castro (PMDB-PI). Ao PR, o Ministério de Minas e Energia, que ainda está sob o comando de Eduardo Braga (PMDB-AM).

A ofensiva explícita do Planalto despertou críticas mesmo nas alas mais moderadas do PMDB, que acusaram a presidente de promover uma "liquidação do Estado".

Em defesa da estratégia, o ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, afirma que trocas de cargos "ocorrem 365 dias por ano em um governo federal". "Não existe espaço vazio na política", disse à Folha.

A intenção de entregar a Saúde ao PP, por sinal, acabou revelando um acordo informal que o líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ), havia feito com o governo de, mesmo com o rompimento, dar até 25 votos para barrar o impeachment.

Picciani, ao saber da decisão do Palácio do Planalto de tirar seu aliado Marcelo Castro da pasta, disse que romperia o acordo informal com a presidente Dilma.

O desconforto com a negociação aumentou depois que a ministra Kátia Abreu(Agricultura), amiga da presidente, foi flagrada pela Folha enviando mensagens de celular nas quais assegurava que os seis ministros do PMDB não deixariam os cargos.

Na conversa, a ministra dizia que ela e seus correligionários se licenciariam da legenda para apoiar Dilma e que tal decisão havia sido alinhavada na casa do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Questionado, Renan negou. Disse que não havia se manifestado nem sobre a nomeação dos ministros nem sobre a exoneração. O estatuto do PMDB não prevê a licença de filiados. A sigla avisou que, com a opção pelo desembarque, os que contrariarem a norma estarão sujeitos ao Conselho de Ética.

SINTONIA

Na tentativa de afinar o discurso, os seis ministros do PMDB reuniram-se nesta quarta (30) com a presidente. Dilma pediu um diagnóstico sobre a possibilidade de inflar os números anti-impeachment da bancada e obteve um retorno pessimista.

Ao menos três deixaram claro que o melhor seria a presidente usar seus cargos para atrair aliados. Dilma pediu reserva sobre a conversa e alguns dias para conseguir fechar uma estratégia.

A presidente se reuniu à noite com seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, para tomar uma decisão.

No fim do dia, o desenho mais provável era que Mauro Lopes (Aviação Civil), Eduardo Braga (Minas e Energia) e Marcelo Castro (Saúde) perdessem os postos.

Em relação ao PSD, do ministro Gilberto Kassab (Cidades), a intenção da presidente é reabilitar como ministro Guilherme Afif Domingos, que preside atualmente o programa Bem Mais Simples Brasil e o Sebrae. A pasta que será entregue não foi definida.

A eficácia do "varejão" é vista com reserva. Diante da ofensiva, PP e PR avaliam decidir apenas no dia 11 de abril, véspera da votação do impeachment na Comissão Especial, se ficam no governo.

Nas contas do Planalto, Dilma tem hoje 136 votos contra o impeachment e está em busca de um número maior para poder barrar o pedido de afastamento. (VALDO CRUZ, GUSTAVO URIBE, MARIANA HAUBERT, RANIER BRAGON, DÉBORA ÁLVARES, DANIELA LIMA, PEDRO LADEIRA)

Manobra ou crime?, por MARCELO COELHO

já perderam o mandato por atos muito menos graves que os de Dilma Rousseff. "Há casos de chorar", disse a advogada Janaina Paschoal, expondo na comissão do impeachment o seu pedido de afastamento da atual presidente.

Mesmo que um prefeito tire dinheiro da merenda escolar para pagar a gasolina da ambulância, considera-se que cometeu crime de responsabilidade fiscal, pois falhou no planejamento das finanças do seu município.

"Não é questão de elite ou não elite", prosseguia a advogada. Imagine-se a família pobre que conta colocar um filho na faculdade, confiando nas promessas do governo de que há fundos para a educação, e se percebe lograda porque o suposto superavit das contas públicas não existia.

Jovem, com os cabelos pretos que pareciam recém-saídos do chuveiro, Janaina Paschoal procurou responder a questões que não se resumem ao puro juridiquês. "Fez-se agitação política", reclamou um deputado governista.

O empenho de Paschoal, bem-sucedido, foi enfatizar que as famosas "pedaladas fiscais", ou os decretos determinando gastos sem autorização do Legislativo, não consistiram em tecnicalidades, capazes de escandalizar apenas os especialistas em finanças.

Quando Dilma recorreu a tais expedientes, disse a advogada, estava procurando transmitir (em ano eleitoral) uma ideia falsa à população: a de que o governo dispunha de recursos para cumprir as promessas de campanha.

Manobra ou crime? Crime, insistiu Miguel Reale Jr., que, como Janaina Paschoal, é autor do pedido de impeachment. Não se pense, disseram os dois advogados, que infrações à Lei de Responsabilidade Fiscal são coisas de natureza meramente político-administrativa.

Certo, essa lei de 2000 proíbe o Executivo de tomar empréstimos junto a entidades como o BNDES. Proíbe que se deixe para bancos públicos, como a Caixa Econômica, o peso de pagar do próprio bolso as despesas do governo, deixando para acertar as contas depois (são as pedaladas). Proíbe que se façam gastos suplementares sem aprovação do Congresso.

Muito vermelho, Miguel Reale Jr. não se contentou em invocar a Lei de Responsabilidade. Acontece que a Câmara, depois de aprová-la, mudou o próprio Código Penal. Passou a considerar crime comum fazer aquilo que a Lei de Responsabilidade proíbe. Fez mais, adaptando à nova norma a própria lei de 1950 que prevê os casos de impeachment.

Ou seja, os comportamentos citados no pedido estão claramente definidos, pelo próprio Legislativo, como criminosos e passíveis de impeachment. Negando importância a essas leis, a Câmara "viola a si mesma", exclamou Reale Jr.

Dois pontos que vêm sendo levantados contra o impeachment também foram discutidos. O primeiro é que a Lei de Responsabilidade Fiscal só valeria para governadores e prefeitos, não para o presidente. O segundo é que, como as contas de Dilma Rousseff em 2014 e 2015 ainda não foram julgadas pelo plenário, não haveria como abrir um processo de impeachment.

Paschoal e Reale Jr. contestaram esses argumentos. O artigo 38 da Lei de Responsabilidade, por exemplo, fala explicitamente em "prefeito, governador e presidente". Quanto ao relatório do Tribunal de Contas da União, ainda não votado na Câmara, o que importa é que descreve uma série de fatos. E esses fatos, diz Janaina, se enquadram "direitinho" nos crimes previstos pela lei.

Para que nada fique tão claro assim, vieram em seguida as perguntas do relator da Comissão, Jovair Arantes (PTB-GO). Foram muito técnicas e imparciais.

Quando foi que o Executivo contrariou a lei, perguntou Arantes: quando emitiu decretos determinando gastos sem ciência do Congresso, ou quando estes gastos foram efetivamente feitos? Um projeto do Executivo propondo alteração nas metas orçamentárias pode ser considerado indício de má gestão antes de ser convertido em lei?

Jovair Arantes ouviu as respostas sem fazer comentário. A coisa estava ficando técnica de novo; outros deputados da Comissão se encarregaram de voltar ao bate-boca e –no fim– ao empurra-empurra que se conhecem.

 

Tem leilão e xepa até abril (VINICIUS TORRES FREIRE)

Vamos ter então uma quinzena de ofertas, até meados de abril, como era costume das antigas lojas de departamentos. O governo vai tentar adquirir apoios, por assim dizer, em leilões e xepas que devem durar até meados de abril, quando em tese se vota o impeachment na Câmara.

É verdade que cliente morto não paga. No entanto, se deputados e até partidos ainda negociam com o governo, é porque acreditam que vão receber. Em tese pode-se argumentar que Dilma teria meios de vencer a batalha da deposição na Câmara, sem perspectiva alguma, porém, de restabelecer alguma governança e rumo para a economia.

Por ora, trata-se de uma hipótese racional, apenas. No entanto, há zonas imensas de nebulosidade mesmo perto do rés do chão do inferno para onde desceu a nossa em geral já baixa política.

Por exemplo, ainda é misterioso o que estaria havendo com Renan Calheiros (PMDB), presidente do Senado, que ontem e outra vez se fez de enigmático. Calheiros ainda quer ir devagar com o andor, para que se preservem alguns santos de barro, não se sabe quais, como já se escreveu aqui na semana passada

Note-se que, na semana passada, ainda restava alguma dúvida sobre o "rompimento" do PMDB com o governo. Ou melhor, na semana passada ainda havia dúvida sobre a cerimônia do adeus aos cargos desta terça-feira. Esse teatro ontem era outra vez farsa, pois meia dúzia de ministros do partido se agarrava desesperadamente às cadeiras.

Não era certo, porém, que os peemedebistas ficassem nos cargos, pois não se sabe quantos votos podem entregar na votação do impeachment. Um ministro de um PMDB lascado vale mais ou menos que o hipotético partido nanico PXPTO?

Enfim, a barafunda indica que estão cozinhando alguma coisa, não se sabe bem o quê, nem eles mesmos, no feirão político, parecem saber muito bem. O PMDB permanece o partido de todas as situações, seja ainda minoritariamente com Dilma Rousseff, seja com o vice quase presidente Michel Temer.

O que se sabe é que começou o leilão de deputados avulsos do PMDB. No caso do PP e do PR, trata-se ainda de negociações em lotes. Não houve o desembarque em massa e o golpe fatal contra Dilma Rousseff, esperados até anteontem.

Tanto PP como PR decidiram ontem que não vão decidir nada pelo menos até as vésperas da votação do impeachment na Câmara, a partir do dia 15 de abril. Juntos PP e PR têm 89 votos (o PMDB tem 68, por exemplo). O PP ocupa o Ministério da Integração Nacional. O PR, o dos Transportes. O PP, convém recordar, é o partido mais enrolado com a Lava Jato em termos quantitativos (número de cabeças no bico do corvo).

Ainda que Dilma vença a batalha do impeachment de abril ou pelo menos adie a decapitação, a guerra continuará, talvez ainda mais suja. Na melhor das hipóteses alegre e loucamente otimistas, a presidente não teria meios de governar até pelo menos finda a eleição municipal, analisados seus resultados e inventado um discurso de "reconciliação": Carnaval do ano que vem.

A degradação do que resta da governança será imensa, em um ministério que é quase pura esculhambação ou coisa pior. Em vez de se estatelar em um fundo de poço no trimestre final do ano, a economia seria tragada por uma nova gorja do inferno. 

 

Remando em direções opostas (BERNARDO MELLO FRANCO)

BRASÍLIA - Na tentativa de evitar o naufrágio do governo, Dilma Rousseff passou a remar em duas direções opostas. De um lado, a presidente ensaia uma guinada à esquerda para tentar mobilizar a militância petista em sua defesa. Ao mesmo tempo, oferece cargos e verbas para atrair partidos de centro-direita que definirão a votação do impeachment.

O primeiro movimento começou a dar resultado. Com ajuda de Lula, o Planalto voltou a ter canal direto com movimentos sociais e sindicatos próximos ao PT. Essas entidades haviam se afastado por discordar da política econômica adotada após a eleição de 2014. Agora voltaram a colorir as ruas de vermelho contra o que consideram um mal maior: um eventual governo Michel Temer.

As manifestações continuam menores que os atos pró-impeachment, mas cresceram em número e em frequência. Isso mostra que o petismo ainda tem uma base capaz de defender o mandato da presidente, o que Fernando Collor não teve em 1992. Nesta quarta (30) essa militância transformou uma solenidade no Planalto em comício contra o impeachment. Guilherme Boulos, do MTST, prometeu liderar atos "para resistir ao golpe".

Dilma também passou a receber apoio público de juristas, intelectuais e artistas identificados com a esquerda. Até outro dia, o retrato da classe artística na crise era a atriz Suzana Vieira com uma camiseta verde-amarela do "Morobloco". A adesão de celebridades como Wagner Moura é uma boa notícia para a presidente.

O problema do Planalto é que o PT e seus aliados que contam com a simpatia desses setores não somam mais de cem votos na Câmara. Por isso Dilma iniciou um leilão de cargos para partidos do chamado "centrão", como PP, PR e PSD. O loteamento deixará o governo mais entregue do clientelismo e mais distante dos ideais de esquerda que a presidente voltou a defender.

As próximas semanas vão mostrar se a tática de remar em direções opostas será capaz de salvar o barco.

 

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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