"Os petistas são os novos malufistas", por SERGIO MALBERGIER (FOLHA)

Publicado em 24/03/2016 11:21
na FOLHA DE S. PAULO

Exilado clandestinamente no governo, Lula comanda de dentro a blitzkrieg contra a Lava Jato usando tudo o que o Estado aparelhado proporciona – do Itamaraty ao Ministério da Justiça – e muito mais.

O governo está hoje em obstrução de Justiça. O destemido juiz Sergio Moro tirou a obstrução do armário ao dar publicidade a conversas legalmente gravadas de Lula. A política brasileira nunca foi tão exposta –a nação agradece.

Para fugir dessa enciclopédia de escândalos indefensáveis, Lula passou a liderar campanha brutal, tentacular e aberta contra a maior investigação anticorrupção no Brasil, e o brasileiro considera a corrupção o maior problema do país. Ao invés de explicar o que o juiz expôs ataca o juiz, coadjuvado pela presidente da República em seu bunker no Planalto.

Em encontro com sindicatos amigos ontem, Lula conclamou os sindicalistas a pressionarem a Lava Jato porque ela estaria causando prejuízos enormes à economia brasileira. Além de parecer mais uma óbvia ação de obstrução de Justiça, Lula sugere que o combate à corrupção e às suas empreiteiras amigas prejudica a economia e que o melhor é deixar roubar. Não à toa, na linha de frente da defesa do governo estão alinhados Renan Calheiros, Fernando Collor e Paulo Maluf.

Os petistas são os novos malufistas, com muito mais poder e agressividade. Arrastam a esquerda para seu fosso, e ela infelizmente vai feliz.

Mas esse bolivarianismo tardio, de raiz brasileira, não passará. O Brasil é mais avançado do que isso. Se o moribundo socialismo do século 21 não prosperou antes por aqui, quando o PT e Lula transbordavam poder, agora só serve para acelerar a batalha final e transformar revolta em revolução.

As ameaças de alguns movimentos sociais de incendiar o país e os protestos de alguns intelectuais e artistas em "defesa da democracia" (quando estão eles a ameaçá-la defendendo corruptos e corruptores) enfurecem ainda mais uma imensa maioria que não aguenta tanto desgoverno e corrupção, seja de que partido for. Como dizia uma faixa nas manifestações do 13 de Março em favor da Lava Jato e contra o governo, quem tem corrupto de estimação é a esquerda.

O lulopetismo ainda resiste porque usa e abusa da máquina do governo, dos recursos do Tesouro Nacional e da fé (mais má do que boa) dos esquerdistas em negação, imunes aos fatos, que aceitam a corrupção desde que de esquerda pois é em seu esquerdismo que depositam suas virtudes pessoais.

Mas o povo não é bobo, abaixo os corruptos. 68% da população querem o impeachment, e 82% acham que o juiz Moro agiu bem ao obrigar Lula a depor, mostrou o Datafolha.

O povo está com as elites, e as elites estão com o povo. Querem uma política mais limpa e eficiente que ajude, e não impeça, o desenvolvimento.

Ao se colocarem contra esse basta e insultarem de golpistas sete de cada dez brasileiros, Lula, governo, PT e esquerda se colocam contra o país.

Como gritavam no ato pró-Lula: vai ter luta. E, parafraseando o Manifesto Surrealista, apropriado a este momento, não é o medo da luta que nos vai obrigar a hastear a meio-pau a bandeira da indignação.

 

Nova eleição, única saída (CLÓVIS ROSSI)

Meu "amigo" de Facebook Lucas Verzola, funcionário do Tribunal de Justiça de São Paulo, comenta com fina ironia a lista dos mais de 200 políticos apanhados na planilha da Odebrecht:

"Se cair todo mundo que está na lista da Odebrecht, o segundo turno da eleição presidencial vai ser disputado entre Eymael [José Maria, O democrata-cristão] e Levy Fidelix [o do aerotrem]".

É um exagero, mas a situação está tão feia que encontra eco em uma análise acadêmica, ainda por cima saída de um grife como o Council on Foreign Relations:

"Há pouquíssimos políticos que não tenham suas reputações arruinadas por alegações e simultaneamente sejam capazes de montar uma coalizão necessária para aprovar qualquer reforma significativa para dar partida a uma economia moribunda", escreve Matthew Taylor.

É por isso que a única saída para a tremenda crise em que o país mergulhou é a realização de nova eleição presidencial, o que exige, antes, a cassação da chapa completa, Dilma Rousseff/Michel Temer.

Por partes:

1 - A decisão sobre o impeachment será rechaçada ou pelos que querem a saída de Dilma (aos quais se somou nesta quarta-feira, 23, a revista "The Economist"), se ela escapar do processo na Câmara ou no Senado, ou pelos que o consideram "golpe", se o Parlamento aprovar o afastamento da presidente.

Pode-se até considerar que o bando contrário ao impeachment é minoritário (68% a favor, 27% contra, segundo o mais recente Datafolha). Mas, ao contrário do outro bando, trata-se de uma tribo organizada e militante, capaz, portanto, de criar problemas para qualquer governo que surja do impeachment.

2 - Mas se Dilma ficar, a dificuldade não será menor, não só pela oposição majoritária na sociedade à sua permanência como pela manifestação explícita de rejeição por parte do empresariado.

Em qualquer hipótese, portanto, a governabilidade seria capenga mesmo em circunstâncias normais. Em uma situação de recessão inédita desde os tristes anos 1930, ficaria ainda mais difícil.

3 - Vale ainda notar que o sucessor natural de Dilma, o vice Michel Temer, pode ser colhido, amanhã ou depois, pela Lava Jato. Aí o que se faz? Novo processo de impeachment, alongando a agonia de uma "economia moribunda"?

Por falar em Lava Jato, ainda mais agora com a delação premiada da Odebrecht, qualquer análise política é temerária porque pode ser atropelada a cada momento por uma nova revelação, como, por exemplo, a lista dos 200 e tantos políticos que vazou nesta quarta.

Feita essa ressalva indispensável, fechemos o teorema:

4 - Uma nova eleição, obrigatória se a chapa completa for cassada, pode até ser disputada só por "nanicos", se os graúdos forem todos alvejados no que chamo de "delação do fim de mundo" (e a lista de quarta-feira sugere que tenho razão, embora ela ainda não prove nada).

Não importa. Eleições livres, gerais e limpas são a única maneira de dar legitimidade a um governo, pré-condição para começar a tirar da UTI um país que resvala para o IML. 

 

 

Dilma, por favor, renuncie

por GUSTAVO IOSCHPE

Presidente, serão necessários cadáveres nas ruas para que a senhora renuncie? Nunca antes na história deste país um presidente teve popularidade tão baixa, gestou uma crise econômica tão profunda nem presidiu um governo envolvido em episódios de corrupção tão gigantescos.

Além desse "legado", a senhora gostaria também de ser a responsável por uma inédita convulsão social que já começa a se degenerar em violência física entre compatriotas? Essa será a consequência inevitável de sua permanência em uma função que já não tem a menor condição de exercer.

A maioria da população brasileira percebeu que a sua reeleição foi fruto de uma fraude tripla. Política, porque a senhora se elegeu em uma campanha torpe de destruição de seus adversários, e no dia seguinte à vitória passou a tentar implementar as medidas por eles defendidas.

Financeira, porque o dinheiro que financiou boa parte de sua campanha era roubado. E econômica, porque a senhora manteve, por interesses eleitoreiros, um sistema que já em 2014 dava claros sinais de estar levando o país à bancarrota.

Com origem assim comprometida, seu mandato dificilmente seria recuperável. Em uma recessão aguda, menos ainda. Seria preciso muito arrependimento e humildade para recuperar nossa confiança.

Mas a senhora e seu partido, mesmo nessas circunstâncias, continuam a fazer o oposto, na melhor tradição bolchevique. Quando criticados, atacam. Quando pegos em flagrante delito, acusam o Judiciário, a mídia, as elites.

Depois da maior passeata política de nossa história, o que a senhora faz? Traz para o poder a pessoa sob investigação pelo escândalo que nos levou às ruas. Já nos sentíamos decepcionados e indignados com seus desmandos. Agora, nos sentimos achincalhados.

A senhora cospe na nossa cara e apequena o Brasil. Não há possibilidade de conciliação.

A senhora pode se agarrar ao poder. Não creio que consiga sobreviver ao processo de impeachment, já que não conta mais com os instrumentos de cooptação de aliados.

Com seu orçamento falido, não há verbas para o convencimento legal; com seus financiadores na cadeia, fecharam-se também os caminhos alternativos. Se escapar do impeachment, duvido que passe do processo do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), especialmente com as delações premiadas que estão por vir.

Mesmo que nenhum desses caminhos dê resultado e a senhora consiga terminar o mandato, presidirá um país paralisado por uma crise de confiança insanável e destroçado por conflitos internos que causarão a ruptura do nosso tecido social.

Caso sofra o impeachment, nossa vida política será poluída por décadas de acusações delirantes de "golpe", revanchismo e raiva. O caminho mais indolor para todos é a sua renúncia.

Presidente, qualquer que seja o seu projeto para o Brasil, ele não poderá ser implementado pela senhora. Poupe-nos de anos de empobrecimento e polarização.

A senhora já disse e repetiu que não é de renunciar ou resignar-se, que já passou por coisa pior. Quem se importa? A Presidência da República do Brasil não é lugar para testes de personalidade ou demonstrações de coerência biográfica.

Deve ser ocupada por quem pensa na população, não em si mesmo. E ainda que a senhora acredite que a sua permanência é uma defesa dos interesses dos mais pobres, basta ver os dados de pesquisas de opinião para saber que eles prescindem de sua ajuda.

Se a senhora realmente acredita em sua inocência, não há problemas: temos um admirável Judiciário, que certamente lhe estenderá o devido processo legal. Essa defesa, contudo, deve ser feita na planície, não no Planalto, como a sua versão de 2011 bem sabia, ao demitir sete ministros suspeitos de corrupção.

As acusações que pesam sobre a senhora são bem mais graves e de repercussões mais importantes do que as feitas a eles. E assim como a senhora, enquanto chefe, acertadamente pediu-lhes que saíssem do poder, agora é o seu chefe, o povo brasileiro, que lhe roga a mesma coisa: saia. Queremos nosso país de volta.

GUSTAVO IOSCHPE, 39, mestre em desenvolvimento econômico pela Universidade de Yale, é fundador e CEO da empresa Big Data

 

Moro não é o vilão

por ROGERIO GENTILE, DE SÃO PAULO - 

O governo e o PT tentam transformar Sergio Moro no vilão do escândalo da Lava Jato. O juiz, que já foi chamado de golpista, de ditador e até mesmo de gângster, é acusado de atentar contra a soberania nacional, imputação que comprova a ilimitada capacidade do ser humano de proferir asneiras.

Moro –não custa lembrar às viúvas do Lula de 1989– nunca foi líder do partido envolvido na pilhagem da Petrobras, tampouco obteve benefícios de empreiteiras ou levou centenas de objetos pessoais para um sítio que não lhe pertence –a perícia não achou nenhuma peça dos alegados donos do imóvel na propriedade.

O magistrado cometeu erros nesses dois anos da operação? É provável, ainda que mereça muito mais elogios do que críticas. Cabe à própria Justiça fazer um exame das suas decisões –ao ordenar a Moro o envio da apuração sobre Lula ao STF, Teori fez críticas à atuação do juiz no episódio das escutas do ex-presidente.

Ainda que Moro tenha agido de modo inapropriado na divulgação das conversas, sua conduta não pode ser utilizada como cortina de fumaça para a estarrecedora operação de obstrução das investigações efetuada por Lula e Dilma.

O ex-presidente orientou o ministro da Fazenda a pressionar a Receita por conta das auditorias no Instituto Lula, derrubou o da Justiça por considerar que ele não tinha controle da Polícia Federal e exigiu que o sucessor cumprisse "papel de homem" –ato contínuo, o novo titular ameaçou trocar toda a equipe da PF.

Dilma, por sua vez, nomeou para o ministério um aliado que é alvo de pedido de prisão, beneficiando-lhe com o foro privilegiado. Para a OAB, cometeu crime de responsabilidade.

Moro, deveria ser desnecessário dizer, não é o problema.

*

Chico Buarque reprimiu um artista por expressar sua opinião e foi aplaudido pela crítica. É difícil saber o que causa mais espanto.

 

A delação das delações

Por BERNARDO MELLO FRANCO

BRASÍLIA - Os armários da Odebrecht guardam dinamite suficiente para implodir os maiores partidos brasileiros. É por isso que Brasília tremeu com anotícia de que a empreiteira decidiu fazer um acordo de delação com a Lava Jato.

Ao anunciar uma "colaboração definitiva" com as investigações, a empresa sinalizou que ainda tem muito a revelar. Tem mesmo. Suas relações com a política brasileira são antigas, íntimas e duradouras. Vão muito além da simpatia e das doações registradas na Justiça Eleitoral.

Para o PT e o governo, a delação pode ser arrasadora. Além de tocar alguns dos maiores investimentos da Petrobras, a Odebrecht participou da construção dos estádios da Copa e das grandes obras do PAC. Também foi recordista em empréstimos do BNDES para projetos no exterior. É improvável que esses negócios não tenham seguido o padrão petrolão de superfaturamento.

A empreiteira também poderá quebrar o silêncio sobre as relações com o ex-presidente Lula. Desde que deixou o poder, ele viajou o mundo em jatinhos fretados pela empresa. Recebeu um total de R$ 3,9 milhões, entre pagamentos à empresa de palestras e doações ao instituto.

Os procuradores sustentam a tese de que os repasses estariam ligados a gestões no governo Dilma. O ex-presidente diz que nunca praticou tráfico de influência. Agora teremos a chance de ouvir a versão da empresa, que vinha se recusando a colaborar.

A outra novidade é que a Lava Jato ganhou subsídios para investigar os repasses da Odebrecht a políticos de mais partidos, incluindo os de oposição. Nesta quarta (23), tucanos como Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckmin apareceram em planilhas da empresa ao lado de valores numéricos.

Eles têm direito à presunção de inocência e poderão explicar o que faziam na lista. Isso também tende a ser bom para a Lava Jato. Sob suspeita crescente de partidarismo, os investigadores ganharam uma oportunidade para rebater as acusações com a prática. Basta dar o mesmo tratamento a todos.

 

Além de Dilma, outras guerras

por VINICIUS TORRES FREIRE

Os deputados votaram pelo aumento do gasto obrigatório do governo em saúde. Por 402 votos a 1, aprovaram ontem emenda à Constituição. Para valer, falta outra votação na Câmara e outras duas no Senado.

Pois bem.

No programa de governo de Michel Temer, está escrito: "...É necessário... acabar com as vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos gastos com saúde e com educação...".

Está no documento "Uma Ponte para o Futuro", plano de reformas liberais patrocinado e lançado por Temer em outubro, quando o vice começou sua campanha para a Presidência, por assim dizer.

E daí?

Suponha-se que Temer assuma a administração da massa arruinada que Dilma deixará, caso deposta. Terá de lidar também com essa Câmara em que quase 80% dos deputados elevam despesas de um governo à beira da pindaíba terminal.

No curto prazo, Temer não terá como dar jeito na pindaíba –reduzir o deficit. A receita ainda estará baixando; a oposição fez campanha aguerrida contra o aumento de impostos. Trata-se, aliás, de uma das reivindicações principais da "base social", política e empresarial do movimento de deposição de Dilma Rousseff: menos impostos.

O deficit constante, o aumento descontrolado da dívida do governo, é um dos fatores principais desta crise. Mas não haverá tão cedo meios de controlar deficit ou dívida. Pode haver, porém, uma "ponte para o futuro". Firmar um compromisso legal de que os gastos cairão pode desfazer a expectativa de que o governo quebrará ou haverá enorme inflação.

É o argumento da oposição. Que vai além: um superavit menor nas contas do governo, nos primeiros anos, pode ser compensado por um plano adicional de mudanças, que restaure a confiança e o retorno das empresas.

Durante FHC 1, o superavit fiscal médio foi de menos de 0,3% do PIB, quase nada. Mas, segue o argumento, a expectativa de estabilidade, do fim da inflação, de privatizações e outras oportunidades para a empresa privada, enfim, de "reformas liberais" sustentou a confiança de que a coisa daria certo.

Agora, boa parte dessas reformas que faça a "ponte para o futuro" vai implicar mais conflito político, econômico e social, ainda mais neste ambiente envenenado. Caso derrotados, com Dilma Rousseff, os movimentos sociais estarão ainda mais dispostos ao combate.

De que reformas se trata?

Mudanças que impliquem reduções de custos impostos pelo Estado e que elevem a expectativa de rentabilidade (menos burocracia, impostos menos dementes, infraestrutura melhor). Simplificação tributária, relaxamento das leis trabalhistas, concessões e privatizações com mais vantagens para as empresas (dado o ambiente de juro alto, incerteza e confiança deteriorada), menos inflação, custos salariais menores.

Afora isso, como se sabe, estão nos planos a contenção de salários do funcionalismo e de reajustes das aposentadorias, entre outras reformas do INSS.

Ou seja, a fim de conter a crise, o próximo governo precisa firmar um compromisso drástico com um calendário de mudanças que nem de longe estão na cabeça do Congresso e que enfrentarão forte resistência nas "ruas da esquerda".

O dia depois de amanhã vai ser bem difícil. 

 

Aviso aos navegantes

Por LAURA CARVALHO

Em meio à tempestade, parece ter sido construído um consenso entre alguns setores do empresariado, do mercado financeiro e do Congresso de que a queda da presidente Dilma Rousseff é o melhor caminho para chegarmos a águas mais calmas. Com Michel Temer na Presidência, a tão desejada estabilidade criaria as bases para a resolução das atuais crises política e econômica nos próximos anos.

As condições econômicas favoráveis que caracterizaram a segunda metade dos anos 2000 permitiram ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva compatibilizar a manutenção da alta parcela da renda destinada ao 1% mais rico da população com a elevação do nível de emprego formal e dos salários e a redução da disparidade entre o salário mínimo e o salário médio da economia.

O ganha-ganha garantiu ao ex-presidente a sua base de sustentação política, abrindo espaço para que uma parte maior do Orçamento público fosse destinada a programas sociais, aos gastos com saúde e educação e aos investimentos em infraestrutura.

Desde 2011, a desaceleração econômica trouxe de volta um acirramento dos conflitos distributivos sobre a renda e o Orçamento público. A inflação de serviços, que crescia com os salários de trabalha- dores menos qualificados, deixou de ser compensada pelo menor custo dos produtos e insumos importados –que era fruto da valorização cambial– e passou a causar maior descontentamento.

As sucessivas tentativas de resolver tais conflitos priorizando o lado mais influente da barganha, ora pela via da concessão cada vez mais ampla de desonerações fiscais aos empresários entre 2012 e 2014, ora pela via da elevação do desemprego, redução de salários e ameaça aos direitos constitucionais, desde 2015, mostraram-se fracassadas na estabilização da economia e na construção de uma base de sustentação política para o governo Dilma.

Ignorando tais evidências, Temer apresentou no fim de outubro um esboço de seu programa de governo no documento intitulado "Uma Ponte para o Futuro", que foi elaborado por uma fundação do PMDB com a colaboração do ex-ministro Delfim Netto. O texto, entre outros itens, afasta a hipótese da elevação de impostos como caminho para o ajuste das contas públicas, sugerindo, ao contrário, acabar com vinculações constitucionais para os gastos com saúde e educação e com a indexação de benefícios previdenciários ao salário mínimo.

"Nossa crise é grave e tem muitas causas. Para superá-la, será necessário um amplo esforço legislativo, que remova distorções acumuladas e propicie as bases para um funcionamento virtuoso do Estado. Isso significará enfrentar interesses organizados e fortes, quase sempre bem representados na arena política", propõe.

Pelo teor do programa, os interesses organizados e fortes que serão enfrentados em um eventual governo Temer não são os dos financiadores de campanhas eleitorais, que já capitaneiam seu barco, mas sim os dos trabalhadores e movimentos sociais –apoiadores ou críticos ao governo– que foram às ruas na sexta-feira (18).

Não há registro histórico de um governo que, mesmo contando com a legitimidade conferida pelo voto, tenha conseguido, em meio a condições econômicas tão desfavoráveis e agravadas por essas escolhas, garantir a estabilidade e a paz social por essa via sem o uso de repressão crescente. Esses navegantes parecem, entretanto, decididos a pescar em águas turvas.

 

Renda e desigualdade retomam filme de terror

Por FERNANDO CANZIAN

Chegou ao fim o que de melhor aconteceu no Brasil nos últimos muitos anos.

O ciclo de mais de uma década de diminuição da desigualdade social e melhora na renda dos brasileiros foi interrompido. Em seu lugar, entra algo inédito: a combinação de queda nos rendimentos com piora na equidade.

Duas forças conspiram contra esses índices, que definem muito do bem-estar da população.

De um lado, o desemprego avança rapidamente (foi a 8,2% em fevereiro nas regiões metropolitanas) e a renda cai (despencou 7,5% em 12 meses, já descontada a inflação).

De outro, o descontrole das contas do governo (a previsão de déficit é de quase R$ 100 bi neste ano) impossibilitará o reforço de programas sociais. Como reajustes para a Previdência acima da inflação ou mesmo do Bolsa Família, que já não foi corrigido em 2015.

Ao longo de 13 anos do PT no governo, os mais pobres foram muito beneficiados por programas sociais. Na média, no entanto, 80% da melhora na distribuição de renda veio do trabalho.

Foi o esforço dos brasileiros dentro de um ambiente econômico muitas vezes hostil que predominou para a redução da desigualdade.

No período até 2014, todos ganharam. A renda dos 10% mais pobres aumentou 130% além da inflação. No decil mais rico, o ganho alcançou 30%. Foi a melhor fase para a distribuição de renda da história brasileira.

Isso agora fica para trás ao mesmo tempo em outros elementos importantes desajustam o país e o mercado de trabalho, motor da melhora na equidade.

O PIB de 2015 revelou queda de -6,2% na atividade industrial, a que concentra os melhores e mais bem pagos empregos. Já os investimentos caíram -14,1%, o que significa que o país não está renovando máquinas, estradas e infraestrutura em geral, comprometendo nossa produtividade futura e a melhora na renda.

O economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social, da FGV-Rio, diz que até 2014 os brasileiros conseguiram atuar como uma espécie de "Indiana Jones", saltando de empregos formais perdidos para bicos ou para o trabalho por conta própria, a fim de manter a renda em alta e a desigualdade em baixa.

No final, a partir de 2015, as políticas equivocadas dos últimos anos sob Dilma, os embates no Congresso e a crise de confiança geral acabaram criando um ambiente que nem um herói de cinema foi capaz de superar.

*

O quadro abaixo mostra como evoluíram a renda dos brasileiros (trabalho, Previdência, etc.) e a equidade social entre 1999 e 2015, ano em que os dois indicadores caíram juntos pela primeira vez desde o início da série da chamada Nova Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE, em 1992.

Note-se que nem nas grandes crises de 1999 e 2003, quando o chamado "índice de bem-estar" (combinação entre renda e equidade) caiu, houve uma tendência negativa para os dois indicadores (juntos) como agora.

  Editoria de Arte/Folhapress  

 

 

 

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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