"Viver com medo, quem há de?", por DORA KRAMER, em O ESTADO DE S. PAULO

Publicado em 09/03/2016 11:56
Sob vara, por eliane cantanhede

Viver com medo, quem há de?

Dora Kramer, em O Estado de S. Paulo

09 Março 2016 | 09h 10

Aqui e ali se aponta como erro tático do juiz Sérgio Moro a decisão de autorizar a condução coercitiva de Luiz Inácio da Silva para prestar depoimento aos procuradores da Operação Lava Jato. Teria, com isso, dado ao ex-presidente o discurso de vítima do arbítrio e o pretexto de que ele precisava para mobilizar a militância petista em sua defesa.

É uma das conclusões possíveis na análise das consequências políticas daquela marcante sexta-feira. Juízo muito parecido com o que fez o PSDB lá pelos idos de 2005/2006, quando decidiu que era melhor não radicalizar para cima do então presidente quando o marqueteiro Duda Mendonça confessou ter recebido "por fora" o pagamento de seus serviços à campanha eleitoral de 2002. 

Na avaliação dos oposicionistas, era melhor deixar Lula "sangrar" sob os efeitos do escândalo que fornecer a ele a saída da intimidação por meio de um chamamento "às ruas". Note-se que à época o presidente sofrera um baque, mas ainda tinha um capital político e social bastante substantivo. Devido à recuperação e à reeleição, os tucanos pagaram o preço daquilo que se considerou excessiva e equivocada complacência. 

Talvez estivessem errados mesmo, mas hoje se vê que o raciocínio fazia sentido. Optaram pelo passo atrás na expectativa de dar dois à frente. Movimento comum na política. Não se sabe o que teria dado se tivessem pagado para ver na ocasião. Foi uma escolha. 

Já o juiz Sérgio Moro não pode nem deve se pautar pelos mesmos critérios dos partidos. Nesses dois anos de Operação Lava Jato já havia, antes de Lula, autorizado a expedição de 116 mandados de condução coercitiva e a ninguém - a não ser aos advogados de defesa - ocorreu contestá-lo. Quando os fatos chegaram a Lula, o juiz nada mais fez do que aplicar a regra que vinha adotando como geral. 

Queriam o quê? Decisão diferente equivaleria a dar tratamento, senão privilegiado, ao menos diferenciado ao ex-presidente. Estaria igualmente exposto a críticas. Preferiu seguir o padrão. Pode não ter sido a intenção do juiz, mas com isso evitou que o PT criasse um carnaval maior.

Liquidada essa parte da questão, veremos como a vida há de seguir e quem é mais forte: a intimidação petista ou a serena, porém firme, convicção da maioria de que o crime não pode compensar. A conferir domingo próximo.

 

 

Sob vara

Eliane Cantanhêde

Tanto o ex-presidente Lula quanto o filho dele, Fábio Luiz, foram informados com antecedência de que acordariam na sexta-feira com a polícia tocando a campainha com um “convite” para que fossem depor. Fábio Luiz despachou os filhos na véspera para a casa da avó materna e, no dia “D”, acordou cedo, tomou banho, arrumou-se e, antes das 6h, já estava pronto para receber os policiais. “De pijama é que não me pegam”, teria dito.

Os partidários de Lula acusam o juiz Sérgio Moro, a Polícia Federal, o Ministério Público e a Receita Federal de produzirem um “espetáculo”, como parte de uma estratégia para jogar a opinião pública contra o ex-presidente, a atual presidente e o partido de ambos. Mas, de outro lado, os que se opõem a Lula também acusam Lula de ter maquinado com tempo suficiente o seu próprio “espetáculo” durante e depois da operação policial. Nada foi de surpresa, nada foi por acaso.

É assim que as várias crises chegam a um novo estágio: o embate direto entre Lula e Moro, para definir no imaginário popular quem é o “bem” e o “mal”, ou quem é o “bom” e o “mau”. Isso, obviamente, tem um reflexo direto nos ânimos das ruas, que serão o palco da guerra política não apenas no próximo domingo, dia 13.

A condução coercitiva de Lula dividiu o mundo político e provocou reações apaixonadas na sociedade. Uns, como o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, consideram que levá-lo “sob vara” foi um “ato de força”, um “excesso”. Outros, até mesmo advogados, consideram que foi mais um gesto educativo para mostrar que “todos são iguais perante a lei”.

Entre os dois polos, há também as vozes que unem experiência e contemporaneidade, como o jurista Carlos Velloso, que estava no Supremo durante o impeachment de Fernando Collor e disse no programa Roda Viva, da TV Cultura, mais ou menos o seguinte: “Eu não pediria (a condução coercitiva), mas não vejo excesso do juiz Sérgio Moro, porque havia motivo”. Velloso ressalvou que o juiz teve o cuidado de pedir o convite, deixando a coercitiva apenas como alternativa, caso houvesse resistência.

Segundo relatos, ora do delegado encarregado, ora publicados pela imprensa, Lula teve reações curiosas quando a polícia bateu à sua porta. Teria perguntado: “Cadê o japonês?”. E teria dito que só iria algemado. E depois usou de todo o seu carisma e verve para falar aos seus seguidores. Se Lula condena Moro por um “espetáculo”, pretendeu combater espetáculo com espetáculo, numa estratégia de vitimização.

Na opinião de Velloso, do alto dos seus 80 anos, “Lula falou para militantes encantados, mas a sociedade ficou estarrecida”. Sim, porque a sociedade espera ouvir dele o que a militância releva: explicações objetivas para a montanha de suspeitas. E elas devem piorar.

A condenação de Marcelo Odebrecht por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa tende a causar um estouro da boiada de empreiteiros e grandes executivos do setor para fechar delações premiadas. Até as secretárias – aquelas que costumam saber tudo – entram nessa fila. Se Marcelo, que é Marcelo, pegou quase 20 anos, devem estar apavorados: “Imagina nós?!”

As delações das empreiteiras e as manifestações de rua jogam ainda mais lenha na fogueira do impeachment da presidente Dilma Rousseff. CUT, MST, UNE e sindicatos fizeram um barulho danado contra a condução coercitiva de Lula, mas não deram um pio para defender Dilma da pré-delação de Delcídio Amaral. E ameaçam fazer qualquer coisa a favor de Lula, mas não demonstram tanto entusiasmo pró-Dilma.

Só falta o PMDB aproveitar a convenção de sábado, véspera das manifestações, para abandonar o barco. Essa possibilidade vem tomando corpo (e a alma) no maior partido da base aliada, naquele jeito pemedebista de ser: pulando do governo, mas agarrado aos cargos.

 

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Fonte:
Estadão

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1 comentário

  • Rodrigo Polo Pires Balneário Camboriú - SC

    Formulada por Maxwell McCombs e Donald Shaw na década de 70, a teoria de comunicação evoluiu de uma premissa formulada por Bernard Cohen, que ensinava que, para a mídia, melhor do que ditar como os telespectadores deveriam pensar, era ditar sobre o que deveriam pensar.

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