Na FOLHA: Evitar o pior; Caos e xarope de jararaca...

Publicado em 09/03/2016 07:19
Folha de S. Paulo

Caos e xarope de jararaca

 

Por VINICIUS TORRES FREIRE

Oposição e partidos ainda pendurados no governo recomeçaram a atravancar os trabalhos no Congresso, como previsto e prometido. Alguns desses partidos em tese ainda na coalizão de Dilma Rousseff, eméritos mensaleiros e petroleiros, discutem se abandonam de vez o barco. A presidente, desesperada para manter alguém do seu lado, começa a discutir a postergação "sine die" dos planos de reforma da Previdência, que de resto já vinham sendo rasgados mesmo dentro do Planalto.

Assim começa a semana. Dilma Rousseff tropeça nas ruínas da semana passada, que se juntaram aos destroços que fazem a paisagem política de seu governo e entorno.

O esboroamento não para por aí. As lideranças do PMDB, senador Renan Calheiros e o vice-presidente Michel Temer, não querem fazer marola até o congresso do partido, no sábado, mas marés sobem contra a nossa vontade. A do impeachment está em alta, de novo, no partido.

A fim de evitar novos e precoces arranca-rabos, como os do ano passado, a direção do PMDB deve liberar a manada que, de qualquer modo, já está estourando. Quem quiser votar isso ou aquilo com o governo, pois está com alguma boquinha, cargo, sinta-se à vontade. Quem quiser votar contra, também. A depender do que vier das ruas e de Curitiba, o partido repensa o que fazer, na semana que vem.

PP, PTB e PRB podem abandonar o barco do governo. Na prática, já estão jogando contra faz algum tempo: ainda mantêm boas relações com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, PMDB, que, enquanto estrebucha, espuma veneno à sua volta.

Um ministro próximo de Dilma Rousseff parecia ontem especialmente desacorçoado. Dizia, como é óbvio, que apoiar as ainda nebulosas reformas de Nelson Barbosa, ministro da Fazenda, vai "acabar com a base" [social do governo] e acabar de afastar o PT; levar o plano adiante é quase causa perdida, pois não vai haver apoio ou clima para ao menos discutir o assunto antes da eleição municipal. Bidu.

O problema do ministro é: além de se salvar, qual discurso então sobraria para o governo?

"Virada à esquerda"? Não, ninguém nem remotamente pensa nisso, diz o ministro. Parlamentares do PT e outros "mais à esquerda" continuam a sugerir, porém, "medidas de estímulo", "retomada dos investimentos federais" e coisas assim.

Esses parlamentares, que andam conversando com a equipe econômica, não chegam a reivindicar a implantação do programa econômico doidivanas que o PT anunciou na semana retrasada. Mas parecem completamente alheios ao que se passa na economia e nas contas públicas, que estão se desmilinguindo, e indiferentes ao que pretende a Fazenda.

Na verdade, esses parlamentares acabam de sugerir que o governo aumente o deficit primário em volume suficiente para cobrir o corte dos investimentos federais no ano passado. Na prática, feitas as contas certas, querem que o deficit seja outra vez de 2% do PIB, como em 2015 (que no entanto teve 1% do PIB gasto em pagamento de "pedaladas").

Isso tudo parece decerto desvario e, nesses termos, não merece mínima discussão séria. No entanto, é um retrato do que se passa em Brasília. O governo desmorona; o Congresso para; o restante do apoio político receita xarope de jararaca para curar a economia.

E agora? A Lava Jato dobrou a aposta na delação de Marcelo Odebrecht. Agora que foi condenado a 19 anos por Sergio Moro, “ele vai para o sistema” caso não se torne colaborador, diz um investigador.

Fiquem ligados Na reunião de coordenação política, Dilma demonstrou, ela mesma, preocupação com a possibilidade de desembarque do PMDB. Com o receio do distanciamento, ministros foram orientados a dar atenção especial à sigla.

 

Evitar o pior

 

POR BERNARDO MELLO FRANCO

BRASÍLIA - Sem tempo para assimilar os golpes da semana passada, o governo passou a conviver com um novo fantasma: o risco de confrontos nas manifestações pró-impeachment do próximo domingo. Era o que não faltava para o Planalto depois da delação do senador Delcídio e da batida policial na casa de Lula.

O pavio foi aceso enquanto o ex-presidente ainda prestava depoimento aos investigadores da Lava Jato. Primeiro veio a pancadaria em Congonhas e São Bernardo do Campo. Depois, parte da militância lulista decidiu planejar atos simultâneos às passeatas contra o governo.

"Não seremos derrotados com as mãos nos bolsos", disse o presidente da CUT, Vagner Freitas. Há sete meses, ele falou em "pegar em armas" e ninguém deu atenção. Agora o clima no país sugere que a nova bravata pode ter consequências funestas.

Ontem a presidente Dilma aproveitou uma solenidade para pregar "tolerância". "Não haver violência e ter um quadro de paz é fundamental", discursou. Na sexta, o senador Aécio Neves já havia dado um bom exemplo ao pedir "tranquilidade" aos eleitores da oposição.

A hipótese de confrontos no domingo seria ruim para a democracia e desastrosa para o Planalto. A presidente já não controla sua base parlamentar nem consegue fazer a economia reagir. A eventual conflagração das ruas representaria um sintoma ainda mais grave de desgoverno.

Em 2015, as passeatas da direita foram criticadas pela presença de nostálgicos da ditadura, que defendiam uma amalucada "intervenção militar", mas não descambaram para a violência. Em dezembro, após meses de apatia, a esquerda conseguiu levar 55 mil pessoas à avenida Paulista no mesmo clima pacífico.

É dever de todas as forças políticas responsáveis zelar para que o 13 de março siga a mesma linha. O PT ajudará se desistir de promover atos no domingo. Quem é contra o impeachment pode ir às ruas outro dia e será ouvido da mesma forma. 

Delação de Marcelo Odebrecht atingiria diretamente PT e PMDB

Por MONICA BERGAMO
 
Caso Marcelo Odebrecht assine acordo de delação com a Lava Jato, dois partidos poderiam ser diretamente atingidos, segundo pessoas familiarizadas com o tema: o PT e o PMDB de Michel Temer. O empreiteiro poderia detalhar o caminho de recursos por contas no exterior até o caixa eleitoral das duas legendas. Os partidos negam ter recebido contribuições não contabilizadas.

 

A LISTA DO MARCELO
Eventuais contribuições para o PSDB podem até entrar na delação de Odebrecht, segundo interlocutor dele familiarizado com as investigações. Mas a empresa relutaria em comprometer qualquer figura do partido, já que considera que, com o desgaste do PT, a legenda tem forte perspectiva de chegar ao poder em 2018.

TÁ BOM
Há o entendimento também de que incluir apenas PT e PMDB nas delações já seria suficiente para fechar acordo com a Lava Jato.

CORDA BAMBA
E prevalece entre advogados próximos do PT a opinião de que, uma vez fechadas as delações de Andrade Gutierrez, Odebrecht e OAS, o governo de Dilma Rousseff dificilmente sobreviverá, já que as empreiteiras dariam informações sobre contribuições ilegais para a campanha eleitoral da presidente.

OS MESMOS
Prevalece também a ideia de que a Lava Jato, consumadas as delações das grandes empreiteiras, terminará com a maioria dos empresários condenados, mas soltos. E com políticos presos.

PORTA ABERTA
Na opinião de um advogado que atua na Lava Jato, a delação premiada acabou funcionando como "válvula de escape" para empresários corruptores que concordam em revelar os nomes daqueles que corromperam.

POR DENTRO
Advogados da chapa Dilma/Temer sempre afirmaram, de forma enfática, que todas as contribuições à campanha foram legais e devidamente contabilizadas.

DE VOLTA
Já começam a circular ideias para a possibilidade de o STF (Supremo Tribunal Federal) decidir que o novo ministro da Justiça, Wellington César, deve se desligar do Ministério Público para seguir no cargo. Uma delas é que o ex-ministro José Eduardo Cardozo volte temporariamente à pasta.

 

EDITORIAL DO ESTADÃO: "Os embaraços de Dilma"

Alguém precisa explicar a Dilma Rousseff que ela já está suficientemente atolada nos problemas políticos que ela própria cria e por isso deve evitar fazer o que só agrava esses problemas: falar em público. Os embaraços de Dilma com as ideias e com a Língua Portuguesa já se incorporaram ao anedotário. Mas, muito pior do que a questão da forma, é a do conteúdo. Quanto mais se afunda no desprestígio e na falta de credibilidade, mais Dilma Rousseff se esmera em produzir pérolas como esta: “A oposição tem absoluto direito de divergir, mas não pode, sistematicamente, ficar dividindo o País. Não pode. Sabem por quê? Porque tem certo tipo de luta política que cria um problema sistemático não só para a política, mas, também, para a economia e afeta a criação de emprego, o crescimento das empresas e ninguém fica satisfeito quando começa aquela briga”.

Não ficam claros, nesse discurso pretensamente pedagógico, quais os limites, a juízo da presidente da República, a que a oposição não pode ir no exercício de seu “absoluto direito” de divergir. Para começar, o direito de divergir – como qualquer outro – ou é absoluto ou tem limites, de modo que Dilma acaba proclamando mais uma bobagem retórica. Duas coisas parecem implícitas em sua fala: que a oposição é a responsável pela atual crise e que o limite para a divergência é o ponto em que ela começa a servir só para “ficar dividindo o País”. Mas aí Dilma fala de si mesma, de seus correligionários e, principalmente, de seu patrono Lula, porque são eles os grandes responsáveis pela divisão do País entre “nós”, os bons, e “eles”, os maus, que impôs à luta pelo poder um maniqueísmo que exclui fator indispensável à construção de uma sociedade genuinamente democrática: a racionalidade.

A fala de Dilma no comício de entrega de casas populares em Caxias do Sul, na manhã de segunda-feira, marcou também mais uma mudança de rumo na postura política da presidente em relação a seu padrinho Lula. Dilma aproveitou a ida ao Sul para, de passagem por São Paulo, visitar o ex-presidente em São Bernardo do Campo e prestar-lhe solidariedade depois da “truculência” de que ele fora vítima na sexta-feira por parte da Polícia Federal (PF). Dilma, de alguma forma, se convenceu de que, depois das revelações do senador Delcídio Amaral, ela se tornou especialmente vulnerável à Lava Jato, com a agravante de que tem a perder o mandato de presidente da República.

Dilma voltou do Sul disposta a se colocar, quem diria, na linha de frente da defesa de seu padrinho, coisa que até agora tentava evitar, talvez em respeito à sua investidura na Presidência da República. Politicamente, a nova postura de Dilma faz sentido. Afinal, agora mais ameaçada de ser cassada do que nunca, a quem poderia recorrer, senão àquele que teoricamente ainda é seu partido e ao líder, seu padrinho, que apesar de contar hoje com menos de um quarto do apoio popular que já teve ainda é figura destacada da política brasileira? É um apoio que certamente custará caro, mas essa é outra história.

O desespero, portanto, justifica o comportamento de Dilma em Caxias do Sul, onde apresentou ao País uma faceta até então desconhecida do ex-presidente: “Ele nunca se julgou melhor que ninguém, justiça seja feita”. A pupila certamente ficou impressionada com a versão dada pessoalmente pelo mestre sobre os “abusos” da PF, embora ele tenha provavelmente omitido a parte em que tentou impor aos policiais – depois foi dissuadido por seu advogado – a condição de só acompanhá-los se fosse algemado. Esperteza que provavelmente resultaria inútil, porque, ao contrário do que os petistas alegam ter sido a intenção da PF, já haviam sido tomadas todas as providências para impedir, como efetivamente aconteceu, que o transporte de Lula até Congonhas se transformasse num “show midiático”.

A esta altura do desespero, porém, a Lula, a Dilma e ao PT não interessam os fatos, mas a versão de que são vítimas de uma conspiração da “direita” apoiada pela “mídia golpista”. Dilma, porém, não é a pessoa com maior competência e credibilidade para defender essa versão. Tanto assim que, dispondo a cada dia de menos espaço político para manobrar e estando cada vez mais isolada, procura Lula para com ele embolar-se no abraço dos afogados. Se tivesse um mínimo de grandeza, renunciaria ao cargo. A Nação agradeceria.

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Fonte:
Folha de S. Paulo

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