A subsunção das commodities, por Celso Vegro e Paulo Franco

Publicado em 07/03/2016 10:02

Sequência de notícias desfavoráveis à realização de negócios tem contaminado o ambiente econômico global, trazendo estresse aos investidores e analistas que investigam nesses sinais, eventual encaminhamento para novo colapso financeiro mundial. Fatores de díspares naturezas erodem, continuamente, qualquer perspectiva promissora de curto e médio prazo para a dinâmica econômica. Por sua vez, o mercado de commodities agrícolas, constitui alicerce crucial para a segurança alimentar de inúmeras nações, dependentes das importações que, contudo, passa também a ser questionada sob efeito reflexo da crise que se instaurou.

O acontecimento mais imediato que afetou o mercado das commodities agrícolas foi a trajetória de queda dos preços do petróleo iniciada em meados de 2014. A formação dos preços de todas as demais commodities vincula-se ao que se passa com a rainha delas: o petróleo, formando aquilo que os economistas denominam de preços relativos. O excedente de oferta de petróleo que não encontra compradores, obrigou seus ofertantes a aceitarem ininterruptas quedas em sua cotação, negociando-se, recentemente, a pouco menos de US$25,00/barril. Tendo a mais importante das commodities assumido tendência de forte baixa, ocorreu, aparentemente, efeito âncora para todas as demais participantes desse mercado, que passaram a exibir tendência de baixa em suas cotações2. Petróleo e demais commodities em baixa formam clima propício para um cenário de deflação3.

A queda nas cotações do petróleo afetou severamente o nível de capitalização das empresas do ramo de energia (e naturalmente o valor de suas ações) que, em muitos países, se constituem importante indutor da expansão econômica. Combinados os fenômenos assiste-se, atualmente, desalavancagem do crescimento global como já apontam estimativas dos organismos internacionais para o potencial de crescimento em 2016.

Na sequência de dados ruins surgem as políticas monetárias expansionistas adotadas pelos Bancos Centrais. Ao derrubarem suas taxas domésticas inclusive para patamares negativos (o emprestador paga para guardar seu dinheiro), promoveu-se afrouxamento monetário o qual não encontrou aderência no tecido econômico, pois os possíveis tomadores de empréstimos para promoção de melhorias/expansão de seus negócios ressentem-se do nível anêmico da dinâmica econômica. Assim, os bancos (públicos e privados) constituem o elo mais fragilizado do sistema, pois se acentua a impressão de que terão que absorver potencial onda de inadimplência. Convém salientar que pós-2008 não ocorreu a tão proclamada regulamentação da atividade bancária, como foi prometida à época, mantendo-se a taxa de alavancagem acima de 20:1 na média das instituições.

O Federal Reserve hesitou longamente na decisão de elevar a taxa de juros para os T-Bonds estadunidenses, efetuando-o apenas recentemente em momento inapropriado (erro de timmmig), fortalecendo a valorização global do dólar ocasionado por operações de arbitragem entre países com taxas próximas de zero ou negativas e os Estados Unidos que majorou sua taxa. A valorização do dólar (frente às demais moedas), referência nas transações envolvendo commodities, poderia até ser vantajosa na formação de suas cotações, mas dada a imperfeição dos mecanismos de transmissão de preços, não se observou acréscimos de seu valor na mesma proporção dos ganhos obtidos pelo dólar frente às demais moedas4. Tal fenômeno pode ser resultado da preferência pela liquidez ao invés de produto, posicionamento típico em períodos de aumento da incerteza5.

Efeito decorrente da gestão da política monetária por parte dos Bancos Centrais foi, também, a erosão da rentabilidade dos títulos de longo prazo, afugentando os investidores desses papeis e comprometendo-se assim as transações envolvendo commodities, na medida em que, as negociações podem levar até dois anos para serem liquidadas. Prenuncia-se assim ruptura do mercado de futuros e opções, pois há em andamento uma crise de solvência.

Nem todos os sinais negativos provêm do eixo Atlântico, senão também do Pacífico. Na China, as autoridades monetárias promoveram abrupto realinhamento cambial de grande magnitude (tupiniquins chamariam de maxidesvalorização) que induziu efeito cascata sobre rol de moedas de outras nações, notadamente, asiáticas. A revisão do modelo chinês de crescimento, priorizando o mercado interno, não logrou ainda condições de substituir o drive exportador, antes alicerce de sua expansão econômica. Todavia, a desvalorização do yuan forçou que os demais países exportadores de bens duráveis e não duráveis, realinhassem igualmente suas moedas, incrementando a incerteza nos mercados e desencadeando busca por competitividade espúria, ou seja, pela via cambial e não pela eficiência dos fatores produtivos.  

A cambaleante economia mundial contamina o comércio internacional6. Os países que realinharam sua moeda em busca de superávits comerciais, pressionam as importações que tem exibido baixas mais significativas do que as exportações, embora todos caiam. A maior vítima da contração da corrente de comércio são as commodities, que possuem elasticidade de demanda elevada, ou seja, pequenas quantidades excedentes em uma economia em crise geram fortes variações negativas em suas cotações. 

O mercado acionário também exibe sinais de enfraquecimento pois a rentabilidade das empresas encolhe, particularmente, as envolvidas no ramo de commodities. A China foi palco recente de derretimento do valor das ações de suas companhias que, invariavelmente, receberam vultosas injeções de crédito de bancos estadunidenses e europeus apoiados pela ampla liquidez em seus países, além da captação dos investidores locais. A queda do valor das ações das companhias chinesas manchará os balanços das instituições financeiras, levantando mais e maiores suspeitas sobre sua solvência. Não por acaso, os papéis mais valorizados nas bolsas internacionais são os títulos de seguro contra quebra de bancos.

Os investidores do mercado de ações, temerosos de novas perdas, uma vez que os riscos envolvidos superam as possibilidades de ganhos, posicionam-se vendidos. Esse comportamento reverbera inclusive no mercado de commodities, com volume crescente de vendedores frente aos escassos compradores. Como consequência desse posicionamento, ocorrem seguidas baixas nas cotações, mesmo sob situação em que os fundamentos apontem para expectativa de alta (como foi o caso da incidência do El Niño sob o clima global entre 2015/16).

A ruptura econômica em 2008 exigiu das nações destravamento do gasto público como medida anticíclica. Essa política pública exauriu os tesouros nacionais que, sob ameaça de nova crise, já não dispõe dessa possibilidade o que deverá acentuar seus efeitos recessivos. Resta aos estados nacionais a possibilidade de aumento de impostos, visando reedição da política pretérita (incremento do gasto público) acirrando, porém, o conflito distributivo7. Entretanto, mais impostos afetarão o consumo das famílias e a dinâmica das exportações, imprimindo mais contração ao ambiente econômico.  

Ainda que cada uma tenha diferentes pesos no cômputo geral, a somatória de todas as incertezas relacionadas determina, no mercado de commodities, prevalência de viés baixista (preferência pelo dinheiro/liquidez). O arcabouço geral da estrutura financeira global motiva inserção subsumida do mercado das commodities, ou seja, torna-se refém daquilo que é mais geral e lhe escapa.

Diante do arcabouço desenhado, qual deveria ser a decisão dos agricultores? Excluindo-se a alternativa da desmobilização dos ativos (no momento há escassez de compradores), deve-se partir para a produção pois os custos fixos nunca deixam de onerar, preparando-se, entretanto, para temporada (que pode ultrapassar a corrente safra) em que o resultado final decorrerá mais dos ajustes na gestão e na eficácia do emprego dos fatores produtivos, do que na remuneração praticada pelo mercado para seu produto.

Particularmente para os cafeicultores beneficiados, em parte, pela inelasticidade da demanda intrínseca do produto, pode-se esperar que a manutenção do incremento do consumo previsto pela Organização Internacional do Café (OIC)8, conceda suporte para as atuais cotações, com alguma pressão favorável para os produtores de arábica, tendo em vista a acentuada elevação nos preços do conilon atualmente praticados. Ainda assim, a rentabilidade deverá ser apertada em razão do aumento dos custos de produção e encarecimento das linhas de crédito. Ademais, reflexo do tumulto em torno da paridade entre moedas tem conduzido os países produtores a estratégias e políticas sumamente divergentes. Enquanto o Brasil acelera seus embarques rumo a novo recorde de exportações, no Vietnã a autoridade estatal promove a retenção da oferta por considerar os atuais preços não satisfatórios, comparativamente, ao praticado para outros cultivos. 

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Celso Vegro e Paulo Franco

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