Partidos já temem eleição presidencial indireta, por JOSIAS DE SOUZA (UOL)

Publicado em 01/03/2016 23:51
Blog do Josias
 

Desde que o marqueteiro João Santana foi preso, a hipótese de cassação dos mandatos de Dilma Rousseff e Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral voltou a ser um tema rotineiro nas conversas subterrâneas de Brasília. Nos últimos dias, os diálogos passaram a incluir um fantasma novo: o risco de a crise política desaguar numa eleição presidencial indireta, decidida no Congresso Nacional.

Levantamento feito por um ministro do TSE constatou que o tribunal consumiu uma média de dois anos para julgar os pedidos de cassação de governadores. Aplicando-se a mesma dinâmica aos processos que questionam a legitimidade da chapa Dilma-Temer, o veredicto só viria em 2017. Se isso acontecer, a presidente e o vice estarão a dois anos de concluir seus mandatos.

Indo à Constituição, lê-se no artigo 81: “Vagando os cargos de presidente e vice-presidente da República, far-se-á eleição 90 dias depois de aberta a última vaga.” Descendo até o parágrafo 1º desse mesmo artigo, lê-se o seguinte: “Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita 30 dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.”

Quer dizer: só haveria a convocação de novas eleições, como deseja o PSDB de Aécio Neves, se a cassação dos mandatos ocorresse ainda neste ano de 2016. A partir de 2017, o eventual afastamento de Dilma e Temer transferiria para o Congresso a responsabilidade de escolher os substitutos. Com um complicador: de acordo com o texto constitucional, o Legislativo teria um mês para organizar a eleição indireta “na forma da lei”. Mas não existe lei regulamentando essa matéria.

Entre os políticos que incluíram o risco das eleições indiretas em suas conjecturas estão o próprio vice-presidente Michel Temer e o tucano Aécio Neves. Temer chegou a fazer consultas informais a ministros do TSE. No dialeto de Brasília, dá-se a esse tipo de consulta o nome jocoso de ‘embargos auriculares’. São sussurados junto à orelha dos magistrados.

O PSDB protocolou quatro processos contra a chapa encabeçada por Dilma na sucessão de 2014. No principal deles, a presidente e seu vice são acusados de abuso do poder econômico e político. Anexaram-se a essa ação depoimentos como o do delator Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC, que disse ter borrifado nas arcas do comitê de Dilma R$ 7,5 milhões em verbas roubadas da Petrobras. Deve ser juntado também aos autos o papelório que indica o repasse de verbas sujas de óleo para João Santana, o mago das campanhas presidenciais do PT.

Chama-se Maria Thereza de Assis Moura a relatora das ações contra Dilma e Temer no TSE. O mandato da ministra termina no próximo mês de setembro. Ainda que ela consiga concluir seu relatório antes de limpar as gavetas, as defesas da presidente e do vice tentarão protelar o julgamento. Se condenados, os dois recorrerão ao Supremo Tribunal Federal.

Os adversários de Dilma dispõem de um mecanismo alternativo para apressar a saída da presidente: o impeachment. Por esse mecanismo, apenas Dilma seria afastada. Temer assumiria a Presidência. O processo está empacado, à espera do julgamento de recursos da Câmara contra o rito de tramitação fixado pelo STF.

De resto, faltam à oposição e ao pedaço dissidente do PMDB unidade de ação e votos no plenário da Câmara. Num ponto, todos concordam: sem o ronco do asfalto, o impedimento da presidente da República não passará.

Em privado, ministros do TSE e do STF mencionam fatores que conspiram a favor de Dilma: presidem a Câmara e o Senado Eduardo Cunha e Renan Calheiros, dois personagens encrencados na Lava Jato. Perambulam pelos corredores do Congresso quatro dezenas de congressistas com contas a ajustar no escândalo da Petrobras. Essa gente participará das decisões sobre o impeachment ou, eventualmente, do processo de eleicão presidencial indireta.

 

Ação judicial questiona posse do novo ministro

Líder da oposição no Congresso Nacional, o deputado Mendonça Filho (DEM-PE) protocolará na Justiça Federal uma ação contra a nomeação do novo ministro da Justiça, Wellington César. Escolhido por Dilma Rousseff para substituir o petista José Eduardo Cardozo, Wellington é procurador na Bahia. E a Constituição proíbe os membros do Ministério Público de exercerem outras funções públicas, salva a de professor.

Mendonça Filho escora sua ação no artigo 128 da Constituição, que trata da abrangência do Ministérioo Público. O parágrafo 5º desse artigo anota que leis complementares da União e dos Estados estabelecerão as normas de funcionamento e as atribuições do Ministério Público, incluindo as “garantias” atribuídas aos seus membros e também as “vedações”.

As vedações estão empilhadas no item 2 desse parágrafo 5º. Na letra ‘D’ está escrito que é vedado aos procuradores “exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério.”

É nesse trecho do texto constitucional que se baseia o líder Mendonça Filho para pedir ao Judiciário que impeça o novo ministro Wellington César de assumir o comando da pasta da Justiça.

A ação judicial deve ser protocolada ainda nesta terça-feira. Nela, o deputado incluirá um pedido de liminar, para pedir à Justiça que impeça a posse do novo ministro antes mesmo de julgar o mérito da ação.

 

Ministro do STF chama de golpe rito do impeachment que Câmara queria adotar

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, criticou duramente o Congresso ao falar sobre o processo de impeachment numa palestra organizada pela Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais. Deu-se no último sábado, no litoral da Bahia, num hotel luxuoso da Praia do Forte. Testemunha da cena, o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) relata que Barroso chamou de “golpe” o rito que a Câmara queria impor na tramitação do pedido de interrupção do mandato de Dilma.

“O Barroso descascou o Parlamento”, contou Perondi ao blog. “Ele disse que o processo de impeachment não obedeceu regras. Que era um golpe. Usou a palavra golpe. Disse que os deputados não seguiram o regimento interno da Câmara.”

Barroso se referia aos procedimentos adotados para a composição da comissão de deputados que analisará o pedido de impeachment antes da apreciação em plenário. Numa votação secreta, presidida por Eduardo Cunha, os deputados elegeram  uma chapa avulsa, de maioria anti-Dilma. Guiando-se pelo voto de Barroso, o plenário do Supremo ordenou à Câmara que refaça todos os procedimentos, dessa vez com votação aberta e chapa indicada pelos líderes partidários, sem candidatos avulsos.

Perondi havia se preparado para questionar Barroso caso ele falasse sobre o impeachment. No entanto, a palestra do ministro terminou sem que a plateia fosse convidada a dirigir-lhe perguntas. O deputado não se deu por achado. Interpelou o ministro após o encerramento de sua palestra.

“Eu disse a ele: o senhor não foi correto, não foi decente. Não leu corretamente o regimento da Câmara. Fez de bobos os seus colegas.” Barroso dissera que o rito estipulado pelo STF repetia os procedimentos aplicados no processo que resultou no afastamento de Fernando Collor. Perondi recordou que, no caso Collor, a comissão que analisou o pedido de impeachment fora escolhida por aclamação, em votação simbólica precedida de acordo. Por isso não houve chapa avulsa nem a necessidade de realizar votação secreta.

Barroso irritou-se com o timbre utilizado pelo deputado. Ameaçou retirar-se caso o interlocutor não o deixasse falar. Em resposta à acusação de que fizera seus colegas de bobos, o ministro disse que “não há bobos no Supremo.” Perondi voltou à carga. “Eu disse ao Barroso: o senhor fez de bobos os seus colegas, o Parlamento brasileiro e a nação. Virei as costas e me retirei.”

Depois, Perondi ainda anotaria na sua página no Facebook: “…o ministro Barroso, do Supremo, defendeu seus erros, na intervenção que realizou no poder Legislativo em relação ao rito do Impeachment. Atacou o parlamento. Enfrentei-o! Irritou-se. Afirmou que não muda seu voto. E que ninguém é bobo no Supremo. Disse a ele que fez de bobo o povo brasileiro; que não foi decente. […] Ministro Barroso é estudioso, mas errou feio. Serviu a Dilma. Esqueceu sua formação jurídica.”

 

Será Dilma o bode expiatório da crise brasileira?

Quem frustrou os velhos sonhos do país, que acreditava ter alcançado o futuro e ainda se vê preso num presente cada vez mais incerto? POR JUAN ÁRIAS, no EL PAÍS

 

Os analistas políticos concordam cada vez mais sobre a necessidade da sociedade brasileira de resolver a criseatravés de uma catarse coletiva, que implicaria, segundo a psicologia e a antropologia, a escolha de um bode expiatório no qual descarregar todas as frustrações. Seria a presidenta Dilma Rousseff a possível escolhida? Ou seria o ex-presidente Lula, para citar as duas personalidades mais emblemáticas da política brasileira?

“Se há uma palavra que o Brasil necessita é catarse”,escreveu Juan Onís neste jornal. Uma catarse capaz de expulsar seu mal-estar social e aliviar as tensões do grupo.

Analistas políticos afirmam que a crescente irritação produzida pelo aumento dos casos de corrupção que salpicam as mais altas esferas da política, do Governo e do empresariado poderia gerar a necessidade de recorrer a um bode expiatório com seu mecanismo de “culpa deslocada”, transferida por meio de um rito de expiação.

O mecanismo de transferência de tensões e culpas de uma família ou coletividade, através da escolha de alguém que é feito responsável por elas, não supõe a total inocência do grupo. O bode expiatório tampouco é sempre merecedor de arcar com o peso de todas as culpas.

Com esse rito de expiação, a sociedade pode desencadear sentimentos narcisistas de superioridade moral. A culpa seria apenas do sacrificado no altar das vítimas.

No caso concreto do Brasil, essa mesma sociedade que, segundo os especialistas, estaria buscando um bode expiatório, poderia se perguntar se ela também não é culpada por seus silêncios do passado frente à corrupção e sua condescendência com os piores políticos a quem sempre reelege.

Lembram-se da pergunta inquietante de anos atrás (“Por que não há indignados no Brasil?”), enquanto as praças de outros países se enchiam de manifestantes exigindo a renovação da velha política.

A vítima escolhida como bode expiatório costuma ser a pessoa mais vulnerável do grupo, que acaba aceitando sua missão salvadora, mas também pode ser escolhido um sujeito ativo e até mesmo altaneiro, que nunca aceitaria sua condição de vítima. Nesse caso, a condição seria imposta pela comunidade.

Se os analistas estão certos, parece evidente que esse rito expiatório, que atenuaria a tensão e produziria uma catarse, seria a saída da presidenta Dilma.

Neste momento, é a pessoa que apresenta, de fato, maior tendência de solidão e isolamento. Sua aprovação popular é das mais baixas na história dos presidentes; boa parte dos que votaram na reeleição hoje se diz arrependida. Existe a crença de que ela mentiu para poder se reeleger, ocultando os problemas que o país já sofria. Está a ponto de ser abandonada por seu partido, como ficou claro quando não quis comparecer à comemoração do trigésimo sexto aniversário de sua fundação. O PT, que a elegeu, apresentou um programa econômico oposto ao do Governo.

Talvez seja a primeira vez que um presidente da República se vê estigmatizado por seu próprio partido, enquanto a maior formação da coalizão governista, oPMDB, exibiu ao país um programa de propaganda eleitoral de oposição e quase de ruptura com o Governo. Quem restou para apoiá-la?

Dilma é consciente de que tudo caminha para que ela seja o bode expiatório que deveria ser sacrificado para apaziguar a sociedade irritada e descontente. Daí suas repetidas frases apelando à sua inocência, à sua retidão ética, ao “não tenho contas na Suíça”, embora hoje essa afirmação venha manchada pela detenção de seu marqueteiro e assessor de todas as horas, João Santana, e de sua esposa, que tinham contas ocultas na Suíça que talvez serviram, com ou sem conhecimento de Dilma, para ajudá-la a se reeleger.

O “se”, o “como” e o “quando” a presidenta poderia se ver obrigada a deixar o poder é um longo caminho, político e judicial, que poderá ser melhor conhecido com a adesão ou não da sociedade ao protesto convocado para o dia 13, com a participação de partidos da oposição, para pedir sua saída da Presidência.

A espada de Dâmocles continua ameaçadora sobre a cabeça de Dilma. Será ela capaz de sair ilesa da batalha, como já fez outras vezes? O problema é que não depende só de sua tenacidade, nem sequer de sua suposta inocência, e sim da constatação coletiva de que, com ela, o país poderá seguir ingovernável e cada vez mais empobrecido.

Os que ainda a defendem chamam isso de “golpe”. Para a psicologia, é “uma transferência de culpa por meio de um rito expiatório”.

Onde ficaram os velhos sonhos de um Brasil que acreditava ter alcançado o futuro, mas que ainda se vê preso num presente cada vez mais incerto e obscuro?

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Fonte:
Blog do Josias (UOL) + EL PAÍS

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