"Não é só pelos vinte centésimos", por VINICIUS TORRES FREIRE
A CPMF paga mais de 48% da conta do pacote salva-vidas que o governo divulgou. Mas os vinte centésimos de porcentagem do imposto ressuscitado (0,20%) não devem ser a única pedra no caminho de salvação das aparências de equilíbrio nas contas do governo.
O plano parece resultado de uma tentativa desesperada de fazer o possível o quanto antes, pelo caminho da menor resistência política da sociedade e de Dilma Rousseff. Menor não quer dizer pequena.
Quanto mais ataque político ao pacote, maior o risco de que prossiga a degringolada financeira que vem desde o final de julho, quando o governo reduziu seus planos de poupança quase a zero. Foi então que começou a disparada mais recente de juros e dólar, que deram no famoso "rebaixamento da nota de crédito", a cereja do bolo podre. Foi então que se reabriu a temporada de caça ao mandato da presidente.
Os servidores federais ontem ainda estavam pasmos com o plano, mas ameaçam greve contra a redução do reajuste (adiamento, o que dá no mesmo). Embora o pacote não tenha avançado muito mais sobre "gastos sociais", na área política do governo temia-se ainda maior afastamento dos "movimentos sociais".
Os bancos deram apoio enfático ao pacote e à equipe econômica, como previsto, dadas as movimentações recentes de figuras importantes da banca.
Pelo menos parte da indústria vai fazer campanha feroz contra (Fiesp). A CNI preferiu não dizer nada além de que é "contra aumentos da carga tributária" e quer "reformas estruturais". A Firjan foi dura. As associações do comércio de São Paulo criticaram em tom de enorme desalento.
Eduardo Cunha (PMDB), presidente da Câmara, diz que a CPMF não deve passar, bidu. Renan Calheiros (PMDB), presidente do Senado, diz que a coisa pode sair "melhorada" do Congresso, mas não detonou o imposto tido até outro dia como inaceitável. Ontem, dava o maior apoio ao plano.
Pelo menos duas lideranças relevantes do Congresso diziam que o pessoal de lá ainda "não tinha se inteirado bem das medidas"; que, de resto, quem havia chegado a Brasília estava "agitado" com os rumores sobre o "cronograma" da votação dos pedidos de impeachment.
A carta de intenções de cortar gastos e aumentar impostos soma R$ 66,2 bilhões. Quase 80% desse dinheiro viria de:
1) CPMF, R$ 32 bilhões; 2) Salário de servidores federais, R$ 7 bilhões; 3) Apropriação de 30% das contribuições para o sistema "S" (Sesc, Sesi, Senai etc), R$ 6 bilhões, facada nos empresários; 4) Cancelamento de 80% do valor das emendas parlamentares, R$ 7,6 bilhões.
Não teve aumento do "imposto da gasolina" (Cide), talvez por medo de mais inflação e da reação do BC.
A CPMF nova, 0,20% de cada movimentação de dinheiro, representaria apenas dois milésimos do preço da entrada do cinema ou do sanduíche, ajuda para a fechar o buraco da Previdência, como dizia ontem Joaquim Levy.
Talvez não seja apenas pelos vinte centésimos da CPMF que o plano desande ("Não é só pelos vinte centavos" era um mote das manifestações de junho de 2013 em São Paulo contra o aumento da passagem de ônibus). Derrubar o plano é um modo de puxar o tapetinho sobre o qual ainda caminha Dilma Rousseff.
ANÁLISE DA FOLHA DE S. PAULO:
Pacote improvisado depende do pavor de naufrágio econômico
Mesmo com os anúncios, Orçamento de 2016 continua com despesas superiores às programadas para este ano
por GUSTAVO PATU, DE BRASÍLIA
Dada a debilidade política do governo e a sucessão de trapalhadas das últimas semanas, seria impossível apresentar um conjunto coerente e viável de propostas para o reequilíbrio orçamentário.
Recapitulando: só na semana final da elaboração do Orçamento de 2016 a administração petista informou ao público que as contas não fechariam sem a ressurreição da CPMF –um mês antes, prometia-se saldo no caixa do Tesouro, sem o tributo.
Com a previsível rejeição generalizada à ideia, o Planalto decidiu apresentar um projeto orçamentário com deficit. O dólar disparou, e o governo decidiu fazer uma espécie de declaração retificadora do texto. No meio do caminho, uma agência de classificação de risco tirou do país o selo de bom pagador.
Restou a alternativa de voltar à CPMF, agora acompanhada de um pacote improvisado de medidas e a esperança de que, instaurado o pavor de um naufrágio econômico, o Congresso seja forçado a aprovar algo.
De tudo o que foi apresentado, só a contribuição "provisória" é palpável: o tributo encarece as transações financeiras e compromete a eficiência da economia, mas é fácil de cobrar e quase impossível de sonegar.
As providências listadas para redução das despesas estão lá porque, politicamente, exige-se do Executivo um ato de austeridade para legitimar mais uma conta passada aos contribuintes.
Para tanto, a principal iniciativa foi o adiamento de reajustes salariais negociados com o funcionalismo, o que deverá alimentar movimentos grevistas na Esplanada dos Ministérios.
Há cortes um tanto incertos nas obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e na saúde, com a expectativa de que deputados e senadores recomponham as verbas com recursos reservados às emendas parlamentares ao Orçamento.
Para o Minha Casa, Minha Vida, um artifício heterodoxo: repassar para o FGTS, composto por dinheiro dos assalariados do setor privado, parte dos gastos.
Para complementar, um potencial foco de conflito com as entidades empresariais: a transferência de quase um terço da receita do Sistema S para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Tudo somado, o Orçamento de 2016 continua com despesas superiores às programadas para este ano, e a tão cobrada redução do número de ministérios e cargos –não detalhada até agora– produzirá uma economia ínfima.
Chama-se a atenção para o deficit galopante da Previdência, novo destino do dinheiro da CPMF, e procura-se preservar os mais pobres. Mas não se pode evitar que o aumento de impostos dificulte os investimentos e a geração de empregos.
NA COLUNA PAINEL:
Leal 1 Katia Abreu (Agricultura) desistiu de viajar com o vice Michel Temer para a Rússia para ficar ao lado de Dilma no anúncio das medidas. A área da peemedebista domina as transações comerciais entre os dois países.
Leal 2 A ministra foi a única do PMDB a não embarcar. Também não quis gravar para o programa de TV da sigla, que tem o vice como estrela.
Encalhado Peemedebista começam a questionar se há benefício em assumir um Ministério dos Transportes robustecido após a reforma, com Portos e Aviação Civil.
Deixe estar Sem recursos para investimentos, dizem que a pasta pode virar um elefante branco sem capilaridade nem potencial eleitoral.
"Atirando nos aliados", por BERNARDO MELLO FRANCO
BRASÍLIA - Os novos cortes anunciados pelo governo vão atingir em cheio os aliados que poderiam defender Dilma Rousseff da ameaça de impeachment. A previsão é do senador petista Lindbergh Farias, que se irritou com o "pacote de maldades" divulgado nesta segunda-feira.
Um dos parlamentares mais próximos do ex-presidente Lula, o senador teme a reação do funcionalismo e dos movimentos sociais que ainda se mantêm próximos ao Planalto. Ele diz que o custo político das medidas de austeridade será mais alto do que a futura economia no Orçamento.
"O governo voltou a atirar contra a nossa base. A Dilma está atirando no pessoal que pode ir para a rua defender o mandato dela", protesta.
Para o petista, o adiamento do reajuste dos servidores vai gerar "uma grande confusão" com sindicatos que apoiaram a reeleição da presidente. Ele prevê mais greves nas universidades e em órgãos que já funcionam de forma precária, como o INSS.
O senador também reclama dos cortes em vitrines do governo, como PAC, Pronatec e Minha Casa Minha Vida. "O governo está insistindo numa fórmula que já fracassou. Esse ajuste agravou a recessão, aumentou o desemprego e não resolveu o problema fiscal", protesta.
Acuada pelo PMDB e pelo empresariado, a presidente agora terá que resistir ao "fogo amigo" por adotar o receituário que eles defendem.
As críticas de Lindbergh ecoam um discurso cada vez mais forte no PT. Na semana passada, Lula disse que o ajuste "leva ao empobrecimento e à perda de postos de trabalho". Nesta segunda, o presidente da sigla, Rui Falcão, cobrou "mais receitas e menos cortes". Juntos, os três parecem avisar que Dilma pode perder o apoio de seu próprio partido.
*
O ministro Mangabeira Unger deu enfim uma contribuição o governo. Ao entregar o cargo, abriu caminho para a extinção da Secretaria de Assuntos Estratégicos, que já vai tarde.
"O impeachment e a democracia", por ELIO SCHWARTSMAN
SÃO PAULO - Tirar Dilma Rousseff do cargo significaria passar por cima do voto de mais de 54 milhões de eleitores –um atentado, portanto, à democracia. Esse, que parece ser o principal argumento dos que se opõem ao impeachment da presidente, não me convence muito.
Ele até funciona se pensarmos a democracia como um modelo estático, no qual o cidadão é convocado a manifestar-se a cada quatro anos e ponto. Se a maioria votou em Dilma em 2014, só nos resta tolerá-la até 2018. Penso, porém, que o contrato democrático, como a vida, deve ser mais dinâmico. Seres humanos, entre os quais se incluem os eleitores, podem, afinal, mudar de ideia. E, a julgar pelas pesquisas, mudaram. Segundo o último Datafolha, 71% dos brasileiros consideram a presidente ruim ou péssima. No auge da popularidade, em março de 2013, 65% classificavam a mandatária como ótima ou boa. No final da campanha eleitoral, em outubro passado, os ótimos e bons eram 42%, e os ruins e péssimos, 20%.
A pergunta que cabe, então, é se o instituto do impeachment é uma ferramenta adequada para retirar do poder um governante que se tornou impopular. Obviamente, eu preferiria que houvesse na Carta um mecanismo de recall de voto, como existe em alguns países. Mas, na ausência deste, não vejo grande problema em usar o que temos de mais próximo, que é justamente o impeachment.
Para os que se queixam de que não há fato jurídico bem definido contra Dilma, lembro que nos EUA, cujo modelo de impeachment nós copiamos, dos 12 processos que resultaram no afastamento ou na renúncia de uma autoridade, dois foram pelo "crime" de bebedeira. O impeachment presidencial é, se quisermos, a versão republicana do voto de desconfiança do parlamentarismo. Ainda não estou muito convencido de que deva ser usado contra Dilma, mas por razões políticas e não porque represente golpe contra a democracia.
NIZAN GUANAES
Eu sou 'investment grade'
Eu sou corajoso porque estou com medo. Estou procurando saídas porque está difícil encontrá-las
A propaganda brasileira é "investment grade", mas não é só ela não. Os hospitais Sírio-Libanês e Albert Einstein são "investment grade". O ITA (Instituto de Tecnologia da Aeronáutica) também é "investment grade".
O sistema bancário brasileiro tem qualidade e expertise globais. O Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada do Rio de Janeiro é "investment grade".
A imprensa brasileira tem jornalistas que poderiam estar dirigindo os maiores veículos de comunicação do mundo. Eles têm competência global e uma coragem que também são "investment grade".
Roberto Medina, que já sofreu sequestro e que poderia ter ido sonhar em outros lugares, ficou no Brasil e faz um dos melhores e maiores festivais do mundo. E o Rock in Rio é "investment grade" em cada detalhe.
O agronegócio brasileiro é "investment grade". Os gestores brasileiros são "investment grade".
A televisão, o cinema e o teatro brasileiro são "investment grade". O último filme de Regina Casé, "Que Horas Ela Volta?", da diretora Anna Muylaert, é uma obra-prima saudada pela "Vanity Fair" e pelos maiores veículos da imprensa mundial.
"Narcos", a nova série do diretor e autor José Padilha, estrelada pelo ator baiano Wagner Moura, é um sucesso global porque "é investment grade".
Só que nós somos "investment grade" como aqueles corredores africanos que ganhavam maratonas e provas de longa distância porque eram treinados descalços nas piores condições de terreno. E o mundo em nossa volta nunca foi "investment grade".
Os empreendedores brasileiros são "investment grade". Eles têm a resiliência como marca, e as dificuldades sempre foram mães da invenção.
As empresas brasileiras, veja as datas de suas fundações, cresceram sob porrada, com precárias condições competitivas, num sistema tributário kafkiano e numa economia instável.
Acordar no Brasil, muitas vezes, é um ato de teimosia. Levantar é um ato de coragem. Meu sono não é "investment grade", mas meu sonho é.
Este texto é escrito por mãos roídas. Eu odeio quando as pessoas dizem que eu sou Poliana, que meus artigos são textos de autoajuda. Eu sou corajoso porque estou com medo. Estou procurando saídas porque está difícil encontrá-las. E todas as vezes que o Brasil se viu nessas circunstâncias, ele encontrou saída.
Roberto Marinho começou a vida perdendo o pai. Washington Olivetto foi internado criança com suspeita de poliomielite, e foi da cama que brotou o seu gênio.
Eles são "investment grade". Eu sou "investment grade". E não vou deixar que me rebaixem.
As pessoas me perguntam o que eu tomo para ser animado. Eu tomo vergonha, eu tomo Losec, eu tomo Motilium, eu tomo passes no Gantois, eu tomo dez quilômetros no parque.
Eu não durmo à noite, eu morro. Só que às 6h45 da manhã, como fênix, eu pulo da cama. Eu e milhões e milhões de brasileiros que colocaram o Brasil para ser "investment grade".
Somos um país tão acostumado a conviver e a superar as desvantagens que a nossa seleção olímpica que mais ganha é a seleção paraolímpica. Portanto cegos, surdos, sem braços e sem mãos como a Vitória de Samotrácia exposta no museu do Louvre, nós seguimos em frente e de maneira surpreendente cruzaremos vitoriosos a linha da chegada.
Porque somos fênix. Porque somos grandes brasileiros, a despeito e apesar dos ciclos do Brasil. Nós somos "investment grade".
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