'Bordelização' nacional, por Marcos Augusto Gonçalves, editor da Folha (Ilustríssima)

Publicado em 03/02/2015 14:28

Caros leitores, pensava em fazer uma coluna sobre a "bordelização" do Brasil, esse ambiente de compra e venda de tudo, com a chocante transformação da vida pública em casa da Mãe Joana. Vinha pensando nisso pela rua, quando me deparei, numa banca, com a revista "Playboy": na capa, a "amante" do doleiro Youssef aparece encostada num carro esportivo, de sutiã rendado e nua da cintura para baixo. Para tapar o sexo, ela segura um leque de notas de dólares à frente das pernas abertas. A chamada: "Ela sabia!".

Bem, acho que não preciso escrever mais nada sobre esse assunto. Desculpe a brevidade desta coluna. Na próxima prometo conseguir um tema que me ofereça algum argumento a ser desenvolvido. Valeu. Até lá. Parabéns aos envolvidos.

 

O TRIUNFO DOS PORCOS, por joão pereira coutinho (de Londres p/ a Folha)

1. Todos os domingos, presto homenagem ao mundo lusófono. Como? Fazendo um churrasco aqui na Inglaterra, embora os meus vizinhos talvez não apreciem o gesto. Por causa do cheiro?

Não. Por causa das carnes. Os meus vizinhos são a Oxford University Press, que pelo visto tem problemas com "porcos", "salsichas" e outros produtos associados.

Em recomendação editorial aos seus autores, e sobretudo aos escritores de histórias infantis, a vetusta Oxford University Press aconselha que tais palavras sejam evitadas para não ofenderem muçulmanos e, vá lá, judeus. Segundo a empresa, os livros são vendidos em mais de 200 países. É preciso ter "sensibilidade" para respeitar a "sensibilidade" de culturas diferentes.

Eu, por mim, concordo e prometo moderar as minhas gulas suínas. Só não entendo por que motivo a editora se limita ao inocente porco. Em nome de uma agenda verdadeiramente multiculturalista, o pessoal da Oxford University Press deveria apagar dos seus livros tudo aquilo que ofende alguém, algures, em qualquer religião ou sociedade.

Porcos, sim. Mas também o uso abusivo de vacas (sagradas na Índia); marisco (que os judeus mais rigorosos condenam); e várias classes de peixes (que muitas tribos africanas não consomem).

Depois dos bichos, a empresa poderia avançar com iguais limpezas na sua literatura (apagando personagens homossexuais; cenas de sexo fora do casamento; casos de aborto ou eutanásia); nos seus livros científicos (Darwin seria o primeiro a ser jogado no lixo); e até nos manuais médicos (todos sabemos que a menstruação pode provocar explosões em Cabul ou Riad).

No final dessa purga, não sei quantos livros a Oxford University Press teria para vender. Mas, como dizem os eruditos, quantidade nunca foi qualidade.

2. Em Paris, dois homens encapuzados fizeram 12 mortos no ataque ao jornal "Charlie Hebdo". No fim, gritaram palavras heroicas em nome do profeta. Confrontados com esse episódio, qual a melhor palavra para descrever os dois autores do massacre?

Se o leitor pensou na palavra "terroristas", a BBC discorda: em entrevista ao jornal "The Independent", um dos diretores da casa afirmou que a palavra é um pouco "pesada" e que basta dizer "dois homens armados" para arrumar o assunto. Sem nenhuma carga pejorativa.

O sr. Tarik Kafala tem toda a razão. E o que é válido para Paris é válido para a Nigéria, onde o pessoal do Boko Haram continua a degolar "infiéis" com uma impressionante eficácia. Se uma pessoa começa a chamar "terrorista" a alguém só porque ele gosta de degolar "infiéis" em nome da sharia, eu pergunto com tristeza onde este mundo vai parar.

3. O ator Benedict Cumberbatch, que assina um papel estimável como o matemático Alan Turing em "O Jogo da Imitação", concedeu uma entrevista radiofônica onde lamentava a ausência de "coloured actors" ["atores de cor"] na indústria cinematográfica.

Desastre: no dia seguinte, os jornais vergastaram Cumberbatch pelo uso da expressão e ele, desolado, pediu desculpas pelo sucedido.

Fez muito bem: de que vale defender as minorias quando tudo que importa é a correção das palavras?

Claro que, aqui entre nós, eu honestamente não sei que palavra teria sido mais apropriada para defender atores, digamos, que têm a pele, digamos, com um tom ligeiramente mais, digamos, inclinado para a direita na paleta cromática.

"Negros" seria imperdoável. "Pretos" seria um suicídio. "Pessoas de cor" seria erro semelhante -e, além disso, um pouco circense. "Afro-americanos" poderia deixar de fora os "afro-ingleses"-ou então partir do pressuposto, ofensivo e colonialista, que todos eles vieram da África.

A verdade é que, no meio da discussão, não encontrei uma única proposta capaz de garantir terreno livre. O que permite concluir que o melhor é não falar da discriminação que existe contra atores, digamos, você sabe. Esse silêncio, em rigoroso respeito pela etiqueta politicamente correta, será muito útil na luta pela igualdade de atores, digamos, enfim, desisto.

Razão tinha George Orwell, quando dizia que a tirania dos homens começa com a tirania das palavras. Sim, Orwell, aquele escritor que imaginou o mundo em que vivemos: um mundo dominado por porcos, por mais que isso custe à Oxford University Press

UMA FOTO QUE VALE POR UM DISCURSO

Essa foto, de Sérgio Lima, da Folhapress, é mais eloquente do que qualquer análise política. Alguém poderia dizer: “Ah, é um flagrante; não traduz o que de fato aconteceu”. Traduz, sim! À perfeição. O ministro Aloizio Mercadante foi ao Congresso levar a mensagem da presidente Dilma na abertura do ano legislativo. Ao cumprimentar Eduardo Cunha (PMDB-RJ), novo presidente da Câmara, fez a cara feliz que se vê acima. A mão, vê-se, é estendida sem, digamos, entusiasmo, quem sabe beirando a falta de educação. O olhar está mergulhado no vazio. Vai ver refletia sobre a espetacular derrota que o governo havia sofrido — ele próprio, Mercadante, em particular. Esse é o articulador do governo. Você acham que há alguma chance de isso dar certo?

Essa foto, de Sérgio Lima, da Folhapress, é mais eloquente do que qualquer análise política. Alguém poderia dizer: “Ah, é um flagrante; não traduz o que de fato aconteceu”. Traduz, sim! À perfeição. O ministro Aloizio Mercadante foi ao Congresso levar a mensagem da presidente Dilma na abertura do ano legislativo. Ao cumprimentar Eduardo Cunha (PMDB-RJ), novo presidente da Câmara, fez a cara feliz que se vê acima. A mão, nota-se, é estendida sem, digamos, entusiasmo, quem sabe beirando a falta de educação. É bem verdade que, sendo quem é, talvez Mercadante esperasse que o outro a beijasse. O olhar está mergulhado no vazio. Vai ver refletia sobre a espetacular derrota que o governo havia sofrido. Esse é o articulador do governo. Você acham que há alguma chance de isso dar certo?

(por Reinaldo Azevedo)

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Fonte:
Folha de S. Paulo + VEJA

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