Fala Produtor - Mensagem

  • João Felipe Filho Grajaú - MA 29/01/2009 23:00

    Caro João, o primo Zé vai pra cidade tô pensando em ir também, pois lá a coisa parece que tá + fácil. Leia a carta do Zé vê se num é melhor na cidade do que na roça..

    Carta do Zé agricultor para Luis da cidade

    Luis, Quanto tempo. Sou o Zé, seu colega de ginásio, que

    chegava sempre atrasado, pois a Kombi que pegava no ponto

    perto do sítio atrasava um pouco. Lembra, né, o do sapato

    sujo. A professora nunca entendeu que tinha de caminhar 4 km

    até o ponto da Kombi na ida e volta e o sapato sujava.

    Lembra? Se não, sou o Zé com sono... hehe. A Kombi parava às

    onze da noite no ponto de volta, e com a caminhada ia dormi lá

    pela uma, e o pai precisava de ajuda para ordenhá as vaca às

    5h30 toda manhã. Dava um sono. Agora lembra, né Luis?!

    Pois é. Tô pensando em mudá ai com você.

    Não que seja ruim o sítio, aqui é uma maravilha. Mato,

    passarinho, ar bom. Só que acho que tô estragando a vida de

    você Luis, e teus amigo ai na cidade. To vendo todo mundo fala

    que nóis da agricultura estamo destruindo o meio ambiente.

    Veja só. O sitio do pai, que agora é meu (não te contei, ele

    morreu e tive que pará de estuda) fica só a meia hora ai da

    Capital, e depois dos 4 km a pé, só 10 minuto da sede do

    município. Mas continuo sem Luz porque os Poste não podem

    passar por uma tal de APPA que criaram aqui. A água vem do

    poço, uma maravilha, mas um homem veio e falo que tenho que

    faze uma outorga e paga uma taxa de uso, porque a água vai

    acabá. Se falo deve ser verdade.

    Pra ajudá com as 12 vaca de leite (o pai foi, né ...)

    contratei o Juca, filho do vizinho, carteira assinada, salário

    mínimo, morava no fundo de casa, comia com a gente, tudo de

    bão. Mas também veio outro homem aqui, e falo que se o Juca

    fosse ordenha as 5:30 tinha que recebe mais, e não podia

    trabalha sábado e domingo (mas as vaca não param de faze leite

    no fim de semana). Também visito a casinha dele, e disse que o

    beliche tava 2 cm menor do que devia, e a lâmpada (tenho

    gerador, não te contei !) estava em cima do fogão era do tipo

    que se esquentasse podia explodi (não entendi ?). A comida que

    nóis fazia junto tinha que faze parte do salário dele. Bom,

    Luis tive que pedi pro Juca voltá pra casa, desempregado, mas

    protegido agora pelo tal homem. Só que acho que não deu certo,

    soube que foi preso na cidade roubando comida. Do tal homem

    que veio protege ele, não sei se tava junto.

    Na Capital também é assim né, Luis? Tua empregada vai pra uma

    casa boa toda noite, de carro, tranquila. Você não deixa ela

    morá nas tal favela, ou beira de rio, porque senão te multam

    ou o homem vai aí mandar você dar casa boa, e um montão de

    outras coisa. É tudo igual aí né?

    Mas agora, eu e a Maria (lembra dela, casei ) fazemo a ordenha

    as 5:30, levamo o leite de carroça até onde era o ponto da

    Kombi, e a cooperativa pega todo dia, se não chove. Se chove,

    perco o leite e dô pros porco.

    Té que o Juca fez economia pra nóis, pois antes me sobrava só

    um salário por mês, e agora eu e Maria temos sobrado dois

    salário por mês. Melhoro. Os porco não, pois também veio outro

    homem e disse que a distancia do Rio não podia ser 20 metro e

    tinha que derruba tudo e fazer a 30 metro. Também colocá umas

    coisa pra protege o Rio. Achei que ele tava certo e disse que

    ia fazê, e sozinho ia demorá uns trinta dia, só que mesmo

    assim ele me multo, e pra pagá vendi os porco e a pocilga, e

    fiquei só com as vaca. O promotor disse que desta vez por este

    crime não vai me prendê, e fez eu dá cesta básica pro

    orfanato.

    O Luis, ai quando vocês sujam o Rio também paga multa né?

    Agora a água do poço posso pagá, mas to preocupado com a água

    do Rio. Todo ele aqui deve ser como na tua cidade Luis,

    protegido, tem mato dos dois lado, as vaca não chegam nele,

    não tem erosão, a pocilga acabo . Só que algo tá errado, pois

    ele fede e a água é preta e já subi o Rio até a divisa da

    Capital, e ele vem todo sujo e fedendo ai da tua terra.

    Mas vocês não fazem isto né Luis. Pois aqui a multa é grande,

    e dá prisão.

    Cortá árvore então, vige. Tinha uma árvore grande que murcho e

    ia morre, então pedi pra eu tira, aproveitá a madeira pois até

    podia cair em cima da casa. Como ninguém respondeu ai do

    escritório que fui, pedi na Capital (não tem aqui não), depois

    de uns 8 mes, quando a árvore morreu e tava apodrecendo,

    resolvi tirar, e veja Luis, no outro dia já tinha um fiscal

    aqui e levei uma multa. Acho que desta vez me prende.

    Tô preocupado Luis, pois no radio deu que a nova Lei vai dá

    multa de 500,00 a 20.000,00 por hectare e por dia da

    propriedade que tenha algo errado por aqui. Calculei por

    500,00 e vi que perco o sitio em uma semana. Então é melhor

    vende, e ir morá onde todo mundo cuida da ecologia, pois não

    tem multa ai. Tem luz, carro, comida, rio limpo. Olha, não

    quero fazê nada errado, só falei das coisa por ter certeza que

    a Lei é pra todos nois.

    E vou morar com vc, Luis. Mais fique tranqüilo, vou usá o

    dinheiro primeiro pra compra aquela coisa branca, a geladeira,

    que aqui no sitio eu encho com tudo que produzo na roça, no

    pomar, com as vaquinha, e ai na cidade, diz que é fácil, é só

    abri e a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisá de

    nóis, os criminoso aqui da roça.

    Até Luis.

    Ah, desculpe Luis, não pude mandar a carta com papel reciclado

    pois não existe por aqui, mas não conte até eu vendê o sitio.

    (Todos os fatos e situações de multas e exigências são

    baseados em dados verdadeiros. A sátira não visa atenuar

    responsabilidades, mas alertar o quanto o tratamento ambiental

    é desiqual e discricionário entre o meio rural e o meio

    urbano.)

    Um abraço João, e parabéns pelo excelente trabalho na defesa da produção e dos produtores.

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