Fala Produtor - Mensagem

  • Jair Antonio Toso Colatina - ES 23/01/2011 23:00

    CARTA DE DESABAFO DE UM PRODUTOR RURAL DO ESPÍRITO SANTO.

    Com expressão de alegria, a repórter anunciava: Tempo bom; Em outra região poderiam ficar tranquilos porque o tempo ia melhorar, ou seja, a chuva ia parar. Saindo desta expressão de alegria para uma expressão de tristeza, anunciava também que o preço do feijão e o arroz estavam prestes a subir, numa conotacão de verdadeiro absurdo. Será que também sou obrigado a acreditar que chuva é sempre tempo ruim, e também que o alimento deve estar sempre barato?

    Represento menos de 20% da parcela de uma população de 194 milhões de habitantes, e, por ironia do destino, sou responsável por mais de 70% da produção de alimentos básicos, afinal, estes não são produzidos nos grandes edifícios, nem nos modernos shoppings e nem nas areias escaldantes das praias com aquele “lindo sol”.

    Sou também responsável pelo ar que todos respiram, pois é em minha terra que estão as já escassas vegetações e matas que, em algumas vezes, por falta de conhecimento e orientação, ou mesmo, por não ter outra opção, fui obrigado a derrubar para alimentar meus filhos. Sou também responsável pela “produção” da preciosa água que você usa, pois é também em minha terra que estão as nascentes e os rios que você quer que eu preserve, gastando meu recurso e trabalho, diminuindo minha área de produção, mas sem pagar por isso.

    Nenhum ser vivo da face da terra é capaz de viver sem água, ar, ou sem se alimentar. Me faz entender que tenho que produzir alimento barato para você comer, água limpa para você sujar e ar puro para você poluir. Estou cansado de ser acusado de escravizador e destruidor dos recursos naturais. Sou obrigado a cumprir decisões e leis tomadas dentro de distantes e luxuosas salas com ar condicionado. Já ouvi dizer que sou teimoso, sou teimoso sim, porque se não fosse, não seria produtor.

    Por viver mais afastado do tumulto das metrópoles, alguns me julgam atrasado, caipira, jeca tatu, jacú e outras coisas mais, às vezes até meus filhos são discriminados nas escolas da cidade. Tenho que ouvir comerciais de rádio com expressões esdrúxulas para me caracterizar como, “Sinhore” “homi” “cumpadi” “sastifeito”, etc.

    Sou humilde sim, mas atrasado não, afinal além de ter já praticamente tudo o que os outros têm, ainda posso dizer que: Enquanto o seu quintal é o próximo muro, o meu é o horizonte; Tenho a opção de produzir a minha própria comida em fogão à lenha; A sua proteção é com muros, alarmes, seguranças etc, a minha, é com as portas abertas, protegido pela amizade dos meus vizinhos. Enquanto você ouve o barulho de veículos, máquinas, eu me delicio com a sinfonia de pássaros, grilos, sapos e pelos animais que eu crio, enfim aproveito muito mais a natureza que são as obras de Deus. Peço a Deus que me proteja da ilusão de que a vida lá fora é melhor, que o poder público e as políticas me dêem a assistência necessária para me proteger dos falsos profetas que tentam me enganar com soluções rápidas, produtos, máquinas, venenos e outros, e que eu continue a ganhar o pão com o suor do meu rosto. Quero poder descansar na sombra fresca dos meus pés de café, sem correr o risco de ser contaminado por venenos de alta toxidade e de necessidade e eficiência duvidosos. Peço a Deus também que ajude a elite brasileira entender a importância da produção de alimentos e que façam estes chegarem aos menos favorecidos sem o uso somente do meu suor, e que também façam um meio ambiente saudável para todos.

    É por tudo isso, pela importância que eu represento, pela humildade que consigo manter, pelas adversidades que consigo suportar, pela ignorância alheia que consigo compreender, além de muito mais, é que eu bato no peito, digo bem alto, e com bastante orgulho:

    EU SOU PRODUTOR RURAL.

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