Seguro Rural - Plano Safra 2020/21: Críticas e questionamentos, por Eduardo Lima Porto
Na última semana, tivemos o importante anúncio do Plano Safra 2020/2021 que trouxe o incremento no volume dos recursos que serão disponibilizados para o setor agropecuário, com especial destaque para o aumento das subvenções do Seguro Rural que deverá atingir a marca recorde de R$ 1,3 bilhões.
Cabe-me deixar registrado que a Ministra Tereza Cristina vem surpreendendo muito positivamente. No princípio, não acreditava que pudesse vir a ter um desempenho tão bom. É um daqueles raros casos em que se fica feliz por haver feito um julgamento prévio equivocado.
Feita essa rápida ponderação, passarei ao cerne desse artigo sobre Seguro Rural, dado a sua enorme relevância estrutural para a Agricultura.
Saliento desde já que o objetivo é tecer uma crítica “técnica" e não “política".
Acredito na sinceridade da Ministra Tereza Cristina quando ela afirma muito corretamente que “o seguro rural precisa ter alcance, ser amplo, democrático e barato!”.
Entretanto, é uma questão que não evolui há anos justamente por ser de uma natureza complexa que requer o domínio de matérias muito específicas e que tem sido contaminado pelo excesso de interferência política, assim como pela atrapalhação constante de determinadas categorias que estão sempre às voltas, feito moscas no estrume, com a pretensão de regulamentar um assunto do qual são verdadeiros “analfabetos funcionais”.
Do ponto de vista técnico, o assunto é da incumbência quase que integral de um profissional pouco conhecido, o Atuário.
Devido a ineficiência histórica na correta alocação dos recursos e na rápida resolução dos problemas ocasionados, me parece que não tem sido dada a relevância necessária para a Matemática Atuarial e nem mesmo para a Engenharia Agronômica nas discussões que antecedem a formatação dos programas de subvenção. Isso explica o conteúdo utópico envolvendo os discursos sobre o assunto e o elevado grau de insatisfação dos agricultores.
Existe o consenso generalizado de que a Agricultura é uma atividade de alto risco. Assim sendo, a equação que determinará o prêmio do seguro e o nível da sua cobertura indenizável precisará contemplar uma série de variáveis, tais como:
I) Delimitação territorial;
II) Características do clima (variações de temperatura, volume pluviométrico, intensidade dos ventos, etc);
III) Ocorrências de secas, enchentes, granizos e geadas, considerando-se a freqüência estatística num determinado horizonte temporal e no conhecimento sobre a intensidade dos eventos;
IV) Características dos solos e da vegetação;
V) Incidência de pragas, doenças e plantas daninhas;
VI) Tamanho médio dos módulos de produção;
VII) Produtividade média considerando diferentes perfis tecnológicos aplicados e composição dos ativos rurais disponíveis;
VIII) Existência de conflitos agrários e problemas de regularização fundiária;
IX) Flutuações nos preços dos insumos utilizados na cultura a ser coberta;
X) Comportamento dos preços do cultivo que é o alvo da cobertura.
Poderia listar uma série de outros fatores que são fundamentais para uma correta precificação dos prêmios, porém isso tornaria o artigo demasiado extenso.
A lógica nos remete ao fato de que regiões mais expostas aos riscos climáticos exigiriam um seguro mais caro do que aquelas onde a intensidade dos sinistros é historicamente menor. Na prática, a título meramente ilustrativo, duvido muito que os produtores de soja do norte do Mato Grosso estejam dispostos a subsidiar a cobertura dos riscos do trigo cultivado pelos seus parentes que ficaram no oeste do Rio Grande do Sul. Essa é uma realidade que derruba por terra a pretensão fantasiosa da universalização do seguro rural, comopilar de um Programa de Política Agrícola.
O Seguro Rural precisa ser descentralizado regionalmente e totalmente desregulamentado, com a participação efetiva dos Agricultores na formação das reservas, de forma que os prêmios cobrados sejam coerentes com o tamanho do risco a ser coberto.
Por outro lado, há que se mudar urgentemente a narrativa mofada e populista que fala de “Seguro de Renda”. Mais correto é denominar como “Seguro de Custo de Produção”.
Com as devidas ressalvas a determinados setores da Agricultura Familiar que precisam da tutela permanente do Estado, a mesma situação não se justifica quando se trata da produção de grãos, que há muito tempo deixou de ser uma atividade de subsistência para se tornar uma potência exportadora mundial, responsável por mais de 20% do PIB.
Dito isso, o produtor de grãos não quebra por falta de “renda”, mas sim por causa das dívidas contraídas com terceiros no financiamento para a formação da lavoura. Nesse sentido, o seguro é, antes de mais nada, uma ferramenta financeira que deve ser utilizada na preservação da continuidade do produtor na atividade, sem obstáculos para a sua captação futura de crédito. Por esse motivo, entendo que além de diminuir drasticamente os riscos de inadimplência derivados dos sinistros climáticos, o seguro rural é um mecanismo essencial para redução direta das taxas de juros no setor, diminuindo, inclusive, a necessidade do aporte de garantias ou colaterais.
O melhor seguro de “renda" que um produtor de commodities negociadas em Bolsa pode contratar chama-se “PUT" (opção de venda).
Quando o agricultor se dirige ao Banco para contratar uma linha de crédito para o custeio, presume-se que estará informando com certa precisão os valores que serão desembolsados na compra dosinsumos (sementes, fertilizantes e defensivos), além de outros itens fundamentais como o combustível, a mão de obra, etc. De outra banda, cumpre ao Banco fiscalizar e cobrar a comprovação do correto emprego dos recursos intermediados.
Dessa forma, o cálculo do prêmio “justo" e da cobertura mais adequada estará relacionado ao valor desembolsado para a constituição da lavoura. Não tem o menor sentido cobrir uma produtividade teórica com um prêmio absurdamente caro.
Fazendo uma analogia mais didática, os prêmios cobrados atualmente equivalem a insólita situação do sujeito que é dono de um Fiat Uno e que se sujeita a pagar pela cobertura do seguro de uma BMW. Tal condição, desestimula a contratação espontânea por parte do Agricultor, principalmente daqueles que aportam recursos próprios na formação do cultivo.
Entendo que o seguro rural deve ser um instrumento 100% financeiro, que pode até contar com a subvenção do Estado, o que não me agrada particularmente, mas é importante que o custo seja coerente e sua execução não esteja permeada de procedimentos burocráticos que possibilitem a ocorrência de fraudes das mais diversas.
Por muitos anos, o Banco do Brasil vem concentrando de forma impositiva e deletéria a distribuição dos seguros que, além de muito caros e ineficientes, trazem enormes constrangimentos para os produtores rurais que, quando necessário, não raras vezes ficam totalmente desatendidos. Exemplos de insatisfações e problemas judiciais decorrentes disso são abundantes no País.
Não quero ser leviano, mas tenho a nítida impressão de que uma parte substancial do que é arrecadado de forma compulsória e que não é desembolsado como indenização em anos de baixa sinistralidade, deveria estar fazendo parte de um Fundo Especial, cujos resultados precisam ser contabilizados e dados a conhecer de forma transparente.
Por outro lado, há que se chamar a atenção para o fato de que a fiscalização de recursos públicos destinados ao custeio agrícola requer a total rastreabilidade, como por exemplo a comprovação das compras dos insumos à vista junto a rede de revendedores e/ou cooperativas. A eventual ausência do acompanhamento dessas transações pode significar omissão, bem como levar ao eventual enquadramento da prática de “desvio de finalidade”, considerado Crime.
Se a configuração do seguro agrícola se limitasse a cobrir o valor desembolsado a título de custeio e se fiscalizasse com rigidez a destinação dos recursos, me aventuro a pensar que não haveria um endividamento bilionário derivado da compra de insumos a prazo, já que os valores do financiamento seriam mais do que suficientes para a esmagadora maioria dos produtores rurais.Há anos que a tecnologia permite um melhor gerenciamento desse processo, cuja rastreabilidade é essencial. O que estaria impedindo o Banco do Brasil e os demais bancos repassadores do crédito oficial de fazerem o pagamento dos insumos diretamente nas contas dos revendedores e/ou cooperativas mediante a apresentação das NF’s?
Não é de se descartar a hipótese de que na gênese do endividamento agrícola, caso se viesse a realizar uma auditoria aleatória, poderia se encontrar uma correlação entre a ineficiência na cobertura do seguro rural, a possibilidade de alguns desvios de finalidade e a contratação desnecessária de compras a prazo. São conhecidos os casos de dívidas de curto prazo que superam muito o valor justificável para formação da lavoura, o que pode denotar a tomada de recursos em excesso, seja por desconhecimento ou por conivência dos agentes envolvidos. Realmente é algo que precisa ser investigado com o devido rigor técnico.
Chama poderosamente a atenção o fato do Banco do Brasil informar que o seguro agrícola, objeto da subvenção bilionária do Governo Federal, “é um produto da Companhia de Seguros Aliança do Brasil, comercializado pela BB Corretora de Seguros e Administradora de Bens S/A”. (https://www.bbseguros.com.br/seguradora/seguros/para-seus-negocios/seguro-agronegocio/seguro-agricola/).
O que justificaria essa intermediação sobre um instrumento que faz parte de um Programa Oficial?
Qual é o percentual de comissões, bônus e outras remunerações incidentes sobre o preço do prêmio pago pelo Produtor Rural?
Por que as seguradoras, de forma geral, esperam ansiosas a liberação das subvenções governamentais para definir seus programas anuais de comercialização dos seguros?
Procede a informação de que as seguradoras recebem antecipadamente os recursos da subvenção?
Meu propósito não era finalizar o artigo com um conteúdo político, mas me parece que a privatização do Banco do Brasil é uma medida estrutural urgente, tão logo a atividade econômica se normalize, conforme recentemente sinalizou o Ministro da Economia Paulo Guedes.
Sem dúvida que resolveria boa parte dos problemas causados pela falta de alcance do programa de seguros rurais subvencionados pelo Governo, além desidratar até a inanição determinados núcleos que se acostumaram a vampirizar os recursos que deveriam ser integralmente repassados para a Agricultura, sem intermediações desnecessárias ou finalidades ocultas.
1 comentário
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Outro ótimo artigo do Eduardo Lima Porto. Com a "costumeira" sabedoria e bom senso de sempre !