Solo: Preservar é a única solução, por Aluísio Granato de Andrade
Os primeiros relatos sobre crise hídrica no Brasil remontam de 1713. Preocupados com os danos causados sobre os recursos hídricos pelo desmatamento para a exploração agrícola, do ouro e da prata, o governo colonial emitiu decretos e cartas régias com o objetivo de conter esta devastação. Nesta época ocorreu a primeira grande seca na cidade do Rio de Janeiro. Os fazendeiros multiplicavam suas lavouras de café sem a adoção de práticas conservacionistas, resultando em deslizamentos de encostas e assoreamento de rios. Em 1844, após outra grande seca no estado, iniciou-se a restauração nas bacias dos rios Carioca e Maracanã. Posteriormente, entre 1861 e 1873, o major Manuel Gomes Archer foi responsável pela execução de ações de reflorestamento em morros degradados pela exploração do café, no que atualmente corresponde ao Parque Nacional da Floresta da Tijuca.
Com o decorrer do uso da mecanização na agricultura e, principalmente, com a adoção de práticas como a aração e gradagem, sulcamento, encanteiramento ou plantio, realizados morro abaixo, os problemas causados pela erosão se agravaram. Buscando conter o avanço desses problemas na região Sul do Brasil, foram adotadas práticas mecânicas, como o terraceamento, sendo também incentivado o cultivo em nível ou em faixas. No início da década de 1870 é que se percebeu a importância de manejar adequadamente o solo, evitando expô-lo a ação devastadora das chuvas torrenciais, assim como a relevância da microbacia hidrográfica como unidade natural de planejamento conservacionista.
Dentre os fatores responsáveis pela sustentabilidade dos sistemas de produção agrícola, o solo é considerado um dos mais importantes. A fina camada que recobre a superfície da terra e que levou bilhões de anos para se formar pode ser perdida em poucos anos pela erosão ou se tornar improdutiva, dependendo do uso e das práticas de manejo adotadas.
A escolha de culturas em desacordo com a aptidão agrícola das terras, junto ao uso de práticas inadequadas de manejo do solo e ainda a falta de aplicação de práticas de conservação de solo e água pode levar a perdas de mais de 100 toneladas de solo/ha/ano. Em muitas situações, simplesmente ao mudar algumas técnicas de cultivo pode-se reduzir essas perdas para menos de 10 t/ha/ano, e pode-se chegar a menos de 1 t/ha/ano em áreas bem manejadas, se aproximando do que ocorre normalmente em solos sob vegetação preservada.
A maior parte das terras sob uso agropecuário no país estão ocupadas com pastagens. Estas, em geral, quando são formadas e manejadas com técnicas adequadas não acarretam perdas significativas por erosão (0,5 t/ha/ano), devido a serem eficientes coberturas do solo. Mas, considerando a baixa frequência da renovação das pastagens cultivadas no Brasil e sua grande extensão territorial (172,3 milhões de hectares), e, ainda o uso frequente do fogo e da aração morro abaixo, a falta e/ou a aplicação incorreta de adubos corretivos e o uso de espécies forrageiras e de taxas de lotação animal não recomendadas, verifica-se uma expansão de áreas com pastagens degradadas, que podem chegar a mais de 30 milhões de ha somente na região dos cerrados. Considerando outros usos, estima-se que no país mais de 140 milhões de ha de terras apresentam algum problema relacionado a degradação. Essas áreas podem ser encontradas em todos os biomas e regiões do país, sob variadas condições pedo ambientais e socioeconômicas. Compreendem áreas abandonadas, mal utilizadas e/ou com processos erosivos, com baixa produtividade e perda de resiliência, com comprometimento dos mecanismos de regeneração natural. Neste sentido se faz necessária uma série de ações preventivas.
Para se evitar a degradação das terras e contribuir para o desenvolvimento de sistemas de produção agrícola sustentáveis é necessário planejar o uso e adotar práticas de manejo e conservação do solo e da água de acordo com as fragilidades e potencialidades dos recursos naturais da propriedade rural. Sendo necessário aplicar o planejamento conservacionista da propriedade rural, levando em consideração as seguintes orientações:
– Adequação da propriedade rural à legislação ambiental e preservação e recuperação das áreas de preservação permanente;
– Divisão da área agricultável em glebas (zonas de manejo) o mais homogêneas possível de acordo com as seguintes principais características: relevo, topografia, cobertura vegetal, solos (caso não se tenha um mapa de solos em escala adequada ao tamanho da propriedade, observar principalmente a cor, textura expedita, estrutura e espessura dos horizontes diagnósticos superficiais e subsuperficiais e profundidade efetiva de raízes) uso atual, produtividade das culturas Solo compactado à esquerda impossibilita absorção de água, ou pastos degradados mostram outros tipos de problemas, como formigueiros e cupinzeiros. Plantios devem ser feitos em nível (quando existentes) e histórico de exploração, adoção de práticas conservacionistas, grau de degradação ambiental do solo (principalmente inspeções visuais relacionadas ao tipo e a frequência dos processos erosivos), tamanho do talhão, distância dos recursos hídricos (em caso de áreas irrigáveis) e/ou de estradas, entre outros aspectos relevantes;
– Diagnóstico detalhado do estado de conservação e/ou degradação do solo em cada uma das zonas de manejo visando caracterizar e dimensionar os processos erosivos e a presença de resíduos (restos de culturas, corretivos e/ou fertilizantes, dejetos de animais, embalagens de agrotóxicos, sacos plásticos etc.). Nesta etapa recomenda-se também avaliar a taxa de infiltração de água no solo e a ocorrência de camadas compactadas, coletar amostras de solo para avaliação da granulometria e da fertilidade (análise de rotina com inclusão de carbono) e descrever a cobertura vegetal natural e/ou o uso atual e as práticas de manejo existentes;
– Escolha de culturas e plantas de cobertura de acordo com a aptidão agrícola das terras, exigências climáticas das culturas e demandas de mercado;
– Seleção de práticas de conservação de solo e água (terraceamento, cultivo em nível, rotação e/ou consórcio de culturas, cultivo em faixas, plantio direto, implantação de cordões vegetados etc.), de formas de aplicação de adubos e corretivos, de controle integrado de pragas e doenças e de aproveitamento de resíduos.
Quanto mais degradada é a área, maior a necessidade de aplicação de insumos e tecnologias. É importante considerar para a escolha das práticas mecânicas, edáficas e vegetativas, além do nível de degradação, o uso pretendido, os equipamentos, mão de obra e insumos disponíveis.
Em síntese, a falta da aplicação de práticas conservacionistas de uso e manejo do solo provoca a redução da infiltração e do armazenamento de água no solo. Consequentemente, em períodos de menor precipitação ocorre uma menor disponibilidade de água no solo não conservado em comparação com o solo bem manejado. Isto acarreta uma diminuição da tolerância das culturas a períodos de estresse hídrico e do tempo de retenção da água no solo sob condições de manejo inadequado. Já sob condições de excesso de chuvas ou após tempestades, o solo degradado acarreta um maior assoreamento dos corpos hídricos em relação ao solo conservado, gerando enchentes em áreas ribeirinhas e redução da vida útil dos reservatórios. O que prejudica a produção de energia hidroelétrica e acarreta ainda aumento nos custos para o tratamento de água para o abastecimento urbano devido a maior quantidade de sulfato de alumínio que é necessária para a decantação dessa maior quantidade de partículas de solo na água.
Atualmente, as ações de conservação de solo e água e recuperação de áreas degradadas encontram-se dispersas em alguns programas de governo, sendo o programa de Microbacias, que existe em alguns estados da federação, o mais afeto ao tema, mas contempla também outras ações de desenvolvimento rural e não aborda com ênfase a questão de formas e estratégias de se evitar a degradação e de reinserir terras degradadas ao sistema produtivo.
Considerando que a erosão acelerada devido ao mau uso do solo é um dos principais fatores responsáveis pela degradação dos recursos hídricos e a maior parte das terras degradadas no país está ocupada com pastagens, é essencial estruturar um programa para reinserir estas áreas ao sistema produtivo. Seja para uso como pastagem novamente, ou em consórcio, rotação ou sucessão com outras culturas, visando o aumento da geração de renda para o produtor e a prestação de serviços ambientais para toda a sociedade, especialmente armazenamento de água e carbono no solo. São muitos os desafios a serem enfrentados para se iniciar um programa dessa natureza. Entre estes vale destacar:
– grande extensão de terras com pastagens em diferentes níveis de degradação dispersas em todos os biomas;
– carência de indicadores eficientes para definição de limites de níveis de degradação de pastagens;
– falta de metodologia para o mapeamento de níveis de degradação de pastagens através da interpretação de imagens orbitais para os diferentes biomas brasileiros;
– necessidade de se desenvolver e/ou adaptar tecnologias para recuperação de terras sob variados níveis de degradação de pastagem para produção agropecuária sustentável e prestação de serviços ambientais;
– desconhecimento dos investimentos necessários e também das oportunidades para o recebimento de incentivos financeiros para a reinserção de terras com variados níveis de degradação de pastagem para produção agropecuária sustentável e prestação de serviços ambientais;
– falta de dados consistentes sobre os benefícios econômicos e ambientais que podem ser obtidos com a transformação de terras degradadas em terras produtivas, podendo inclusive evitar ou, pelo menos, reduzir o avanço da fronteira agrícola e o consequente desmatamento.
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