Os motivos do aumento dos pedidos de recuperação judicial entre produtores rurais

Publicado em 31/07/2024 12:33
Por Camila Somadossi Gonçalves da Silva e Giovana Cantelli

Os pedidos de recuperação judicial ajuizados por produtores rurais registraram um aumento significativo no cenário brasileiro. Segundo o Boletim Agro do Serasa Experian, do quarto trimestre de 2023, foram registradas 127 solicitações ao longo daquele ano. Do terceiro para o último trimestre, houve uma alta de 62%, comparado com o ano de 2022, alcançando o impressionante crescimento de 535%.[1]

O índice destacou que os produtores rurais com maiores áreas de plantio de soja lideraram as solicitações de recuperação judicial, seguidos pelos produtores com áreas de pastagem e, em terceiro lugar, os produtores de café. Além disso, os dados exclusivos da Serasa Experian revelaram que os estados de Mato Grosso, com 43 pedidos, e Goiás, com 36 pedidos, foram os que mais registraram pedidos de recuperação judicial para empresários individuais do agronegócio. Outros estados, como Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Rondônia, também apresentaram alta de solicitações nesse período.

Embora o número dos pedidos de recuperações judiciais, quando em confronto com o vasto número de profissionais atuando na área, revele um panorama aparentemente controlado, a tendência de aumento dessas solicitações trimestre a trimestre tem alarmado o setor.

De acordo com o acompanhamento da safra brasileira de grãos realizada pela Conab – Companhia Nacional de Abastecimento, a produção de grãos no país, safra 2023/2024, estimada em 295,45 milhões de toneladas, é 7,6% ou 24,36 milhões de toneladas inferior ao colhido na safra 2022/2023.[2]

Os principais desafios enfrentados pelo agronegócio brasileiro incluem as adversidades climáticas e o cenário econômico desfavorável, tanto nacional quanto internacional. A quebra de 24,36 milhões de toneladas na produção de grãos em 2023 foi causada principalmente pela intensidade do fenômeno El Niño, que afetou o clima desde o plantio até a fase de reprodução das lavouras.[3]

Em 2024, o El Niño persistente continuou a afetar o clima, e fortes temporais atingiram o Rio Grande do Sul a partir da última semana de abril. Tais eventos resultaram em alagamentos em várias regiões produtoras, prejudicando a produtividade das culturas não colhidas, especialmente arroz e soja e causando perdas nos produtos já armazenados em áreas afetadas pelas chuvas e inundações. Os danos causados na região Sul do país ainda não foram totalmente contabilizados, o que pode agravar ainda mais a situação do agronegócio brasileiro.

Além das condições climáticas, segundo um estudo da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) realizado em 2021 em mais de 20 estados, um dos principais fatores que influenciaram o aumento nos custos da produção agropecuária brasileira foi o preço dos insumos agrícolas. A conjuntura econômica instável e os expressivos reajustes nos preços dos agroquímicos também pressionaram os resultados da safra de 2021/20224[4].

Fatores como alta demanda, baixa oferta e problemas logísticos causados pelo conflito entre Rússia e Ucrânia fizeram os preços dos fertilizantes dobrarem, mantendo-se altos até a safra de 2022/2023. Essas condições influenciaram diretamente os custos de produção do agronegócio brasileiro, que depende da produção global de defensivos, fertilizantes e petróleo.[5]

Além disso, a depreciação dos preços dos grãos obrigou os produtores a vendê-los por valores mais baixos que os estimados, enquanto as taxas de juros altas e a perspectiva de preços internacionais em queda tornam a rentabilidade do agronegócio mais apertada, aumentando a necessidade de estímulos para regularizar compromissos financeiros.

Os desafios são ainda maiores para os produtores rurais que não detém meios próprios de produção, uma vez que tem enfrentado não só as altas nos custos de produção agrícola e redução de valor de venda dos produtos, mas também despesas adicionais com o arrendamento das terras, resultando em um aumento significativo nos custos totais. Apesar do aumento nas solicitações de recuperação judicial, a maioria do setor agropecuário brasileiro tem se adaptado e conseguido superar essas barreiras e manter sua produtividade sem comprometer sua reputação de crédito.

Políticas públicas e iniciativas privadas têm apoiado o setor agropecuário por meio de investimentos em infraestrutura, tecnologia agrícola e acesso ao crédito rural, ajudando os produtores a enfrentarem os desafios e a continuar contribuindo para o crescimento econômico do país, mantendo sua produtividade e reputação no mercado.

A Lei nº 14.112/2020, que atualizou a Lei de Recuperação Judicial e Falência, é um marco importante para os produtores rurais em dificuldades financeiras. Ela introduziu mudanças que aumentaram a segurança jurídica e a eficácia dos processos de reestruturação no setor agrícola, todavia, trouxe consigo também a exclusão do processo de recuperação judicial de créditos importantes desse modelo de negócio, impondo novos desafios à reestruturação de crédito no agronegócio.

Assim, é crucial que os produtores rurais que estejam enfrentando momentos delicados, avaliem detalhadamente sua situação financeira para entender a real extensão das dificuldades, buscando orientação especializada em recuperação judicial sob os aspectos jurídicos e financeiros, com profissionais preparados para negociar com credores e estabelecer um canal de comunicação aberto, adaptando um plano de recuperação judicial conforme as demandas do mercado e sua nova realidade financeira, garantindo, assim, que as operações sejam sustentáveis e viáveis a longo prazo.

Através de aconselhamento adequado e estratégias personalizadas que possam ser implementadas em tempo hábil para otimização dos resultados, os produtores rurais podem não apenas superar crises financeiras, mas também assegurar a continuidade e o desenvolvimento sustentável de suas atividades, contribuindo para a estabilidade do agronegócio e da economia nacional.

*Giovana Cantelli  é Trainee da área de Recuperação Judicial do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

*Camila Somadossi Gonçalves da Silva é especialista da área de Recuperação Judicial e sócia do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

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Fonte:
Finocchio & Ustra Sociedade de Ad

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