A importância do produtor rural na preservação do Cerrado
Por
Bernardo Pires – diretor de Sustentabilidade da Abiove
Pedro Moré Garcia – coordenador de Sustentabilidade da Abiove
Bernardo Rudorff – gerente executivo de P&D da Serasa Experian
Segundo maior bioma brasileiro em extensão, atrás somente da Amazônia, o Cerrado abrange uma área de 198,45 milhões de hectares (Mha), sendo 102,5 Mha de vegetação nativa. Ou seja, 51,7% de seu território já foi convertido em agropecuária e áreas urbanas.
Porém, é interessante notar que 88,9% desta vegetação nativa está preservada em imóveis rurais privados. São 56,9 Mha em excedente de Reserva Legal (RL) das fazendas somados aos 34,2 Mha de Área de Preservação Permanente (APP) + RL, que equivalem a um total de 91,1 Mha.
Isso nos traz uma reflexão importante quando observamos também a expansão da soja no Bioma e as áreas antropizadas, aquelas cujas características originais foram alteradas.
Ao longo das últimas nove safras, a área de soja no Cerrado cresceu 49%, passando de 15,5 Mha em 2013/14 para 23,1 Mha em 2022/23, equivalente a 11,7% da área do Bioma e 50,1% da área de soja do Brasil. Especialmente nos últimos três anos, a cultura apresentou um incremento de 4,36 Mha, mas apesar do crescimento em relação a períodos anteriores, a expansão majoritária (95,1%) ocorreu sobre áreas de pastagem, pousio ou por meio de rotação com culturas, sendo de apenas 4,9% a conversão de vegetação nativa.
As informações são do relatório de análise geoespacial do Cerrado, desenvolvido pela Serasa Experian em parceria com a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). O levantamento mostra ainda que a porção antropizada (94,6 Mha, 47,7% do Bioma) possui 23,1 Mha cultivados com soja; 21,0 Mha de pastagem aptas para o cultivo da oleaginosa e 19,4 Mha sob outros usos que, eventualmente, podem rotacionar com soja (cana, algodão, pousio etc.). Essas áreas são suficientes para duplicar a área plantada com soja no bioma sem expandir sobre vegetação nativa.
Os demais 23,95 Mha antropizados não possuem aptidão agrícola para sojicultura, porém exercem um papel importante no processo de intensificação da pecuária e outros usos, que libera áreas de pastagens aptas para expansão da soja livre de desmatamento.
Agora, chamamos atenção para a porção de vegetação nativa do Cerrado, os 19,4 Mha classificados como excedente de Reserva Legal com aptidão para soja, dos quais 4,55 Mha estão nos imóveis com soja. Sim, para dentro das porteiras dos sojicultores.
Visto que estes “estoques” de vegetação nativa podem se esgotar em algum momento, é necessário fomentar mecanismos de incentivo à produção alicerçados com melhores práticas para ganho de produtividade e valorização da vegetação nativa nos imóveis particulares.
Uma das principais alternativas é o pagamento por serviços ambientais – PSA, ferramenta estratégica para proteção das áreas privadas com excedente de vegetação nativa, à medida que dá ao proprietário da terra uma alternativa de remuneração pela área preservada. Isso atende aos interesses de ambientalistas, produtores, indústria, mercados internacionais e de toda a sociedade. Combina desenvolvimento com preservação do patrimônio natural.
Em paralelo, a cadeia da soja segue investindo para combater o desmatamento ilegal no Bioma, visto que a governança ambiental pública não consegue embargar boa parte dos desmatamentos ilegais e quando embarga, infelizmente, de acordo com estudo recente do INPE, estas áreas não chegam a 15% de recuperação vegetal.
Um exemplo é o Controle de Supressão Autorizada (CSA), compromisso das empresas comercializadoras de não adquirir ou financiar soja cultivada em áreas desmatadas sem Autorização de Supressão de Vegetação (ASV) no Cerrado a partir de 01 de agosto de 2020 (“data de corte”), com compromisso para a safra de 2022/23 em diante.
De fato, a opção de conversão de vegetação nativa apta para soja deve ser cada vez menos adotada no campo em função de questões ligadas à perda de biodiversidade, escassez dos recursos hídricos e emissão de gases de efeito estufa, além da crescente pressão exercida pelo mercado consumidor para aquisição de produtos livres de desmatamento. Por exemplo, o novo Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento - EUDR não permitirá a importação de soja produzida em desmatamentos pós-2020.
O Cerrado é a bola da vez. Sua preservação é urgente e tem implicações jurídicas.
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